Brilhante alma negra, que cheira como a morte e olha de baixo como a rainha do nada, você era minha heroína, até tornar-se a própria expressão do vazio, vendendo-se na estrada que a levava até seu glorioso desfecho: na escuridão dos seus sonhos você vai acordar e ver que construiu um mundo de poeira à sua volta, as nuvens do céu não secarão seu choro e os anjos não te salvarão da sua queda. Aqui está, a mesma mão selvagem que apertou seu pescoço quando você definhou como um diabo negro – o mal estava enraizado em cada ação e palavra, como um animal de joelhos dobrados bebendo seu próprio sangue ou como as crianças infernais que a queimaram e a desfiguraram na infância! Prensada contra a parede, as pétalas do chão eram esmagadas enquanto a alma escura agradecia gentilmente sua estadia, embora em nosso conforto morasse a pavorosa desilusão. No violento som dessas memórias, meus olhos brilham de cegueira, por que já não posso ver os rostos pintados que passavam por mim, o tapete vermelho que nos separava expandindo-se por milhas de distância, por que assim determinou a sombra caída. Havia uma maria negra em seus olhos, desde que no amanhã era duro encontrar o primeiro e último caminho para sua redenção: nós entramos numa porta indefinida, a decisão passiva de nunca desistir do que era impossível, com uma luminosa e pura vontade de consertar o estrago causado em você... mas o curso da sua vida só podia ser traçado por si mesma, em um mar de dúvidas e vozes cruéis, eu estava ali em todas as suas recaídas, cavando sua sepultura. Eu achava que te enterrando voltaria a me sentir vivo, mas hoje percebo que sempre te dei mais do seu merecimento, mais do que você plantava e colhia. Eu era seu carma, o palco que executava as estrelas cadentes, uma a uma, enquanto fazia as pazes com Deus... eu bebi todos os rios do seu veneno e fui o fantasma que sempre criava uma brecha para você atravessar, eu era a ampulheta que expandia nosso tempo para mil anos, mas para cada prego que eu batia no seu caixão, uma pedra caía sobre mim, o peso das suas mentiras e de todas as maldições que você lançou em flores inocentes, aquelas humildes almas que passaram por mim e você as roubou como um ladrão de vidas. Nesse último adeus, eu declaro que estou liberto das suas correntes e que a dívida cármica está paga, pois mesmo quando eu estive flutuando nas águas do mar, minha lealdade era sua, mas agora você já não pode provar o filho que carrega no interior: o filho da sua mentira, da sua impureza e da sua morte. Por que ali, no silêncio do seu útero, você sufocou em alta traição seu destino, quando entregou em mãos estranhas a promessa que fez ao anjo caído, mesmo sabendo que essas palavras ressuscitariam o pássaro imortal! Eu sempre achei que havia beleza em nosso silêncio, mas como uma língua de veludo instigadora, você me atraiu de volta para a toca do coelho, embora seu medo fosse como de uma criatura à espreita... ainda assim, eu lancei a corda para te tirar do fundo do poço. Mesmo quando o silêncio significava falta de som ou quando os diferentes ciclos da natureza flutuavam em uma torrente de tristeza, eu segurava sua mão e nunca entendia sua deslealdade por quem sempre fazia de tudo por você. Rasa de espírito, você perdeu a sensação e rompeu com os vivos, por que nesse lugar de pesadelos dentro dos seus olhos, um grito em uníssono sempre vai ecoar pela eternidade: as vidas que um dia você prometeu trazer para este mundo, gravado em sua pele e em seus ossos, quando poucas palavras as podiam matar. Elas vão respirar em suas entranhas, apagando o sol com lábios e línguas mortas, no fundo abismo que te espera.
domingo, 14 de abril de 2024
sábado, 13 de janeiro de 2024
Um Conto de Fadas Memorável
Através das névoas do tempo, você surgiu como um vento quente que anseia pelo dia que ainda está por vir, o dia que seus braços me envolverão sob os ecos do silêncio, ajustando a hora, para que nossa atração reviva esse sonho. Com o estigma cerceando sua mente, você tentou encontrar fora daqui aquilo que te libertaria de mim, devorada pela dúvida e pelo entorpecimento das percepções, encantou-se pelo que só te conduzia para o caminho da impureza. Ausente das coisas sagradas, você esqueceu-se quem era o dono da sua alma, e sua negação se transformou em vaidade, desejos cruelmente confusos, tentando reviver o que viveu comigo com outros homens. Você sentia-se livre, mas o princípio da liberdade é obedecer à medida que despertamos da fuga do descontentamento, pois você nunca estará realmente livre até que me perdoe. Sua mente vagou perdida pelas chamas escuras do ódio, acreditando que eu era menos do que você merecia, quando o tempo todo você estava competindo apenas contra si mesma. Você tornou-se uma fraude, por que tentou enganar aos outros e a si mesma, fundindo-se ao vácuo das relações frias e sem retribuição, sem a segurança da verdadeira natureza do amor que você só encontrava ao meu lado. Com angústia e prazer, você me enterrou vivo, mas todos os dias você vinha visitar meu túmulo, regando as plantas que nasciam com suas lágrimas, por que no fundo... havia tantos finais estéreis, mas o sol nunca beijava sua face, não enquanto você retornasse para esse encontro fúnebre, pois quanto mais você tentava fugir disso, mais você participava das relações aversas ao que você é, imitando mulheres que você admirava ou que tinham o poder da libertinagem, porém esse cativeiro mental apenas te desviou do núcleo da sua responsabilidade, isto é, de perdoar a si mesma. Intoxicada pelos frutos da sua própria perdição, você voltou a alimentar a bestialidade que vivia dentro de você, e ao invés de gerar luz, gerou sombras, afastando pessoas importantes e toda bondade da sua alma, por que o mal não pode ser justificado pela vida, apenas alimentar o culto da morte. Você se tornou um enxame de trevas, sedução e imoralidade, como um inferno queimando brilhante, trazendo a beleza e a nudez de prostitutas, pois hoje em dia o dinheiro se tornou mais importante do que o valor da honra. A escuridão te estendeu a mão e você aceitou o convite, sorrindo com a sombra do seu medo, pois enquanto julgava-me estava submissa ao profano, desde que sufocou-se com as aparências da santidade. Quando eu ressurgi para te salvar, você simplesmente deixou seu orgulho te cegar, mas suave é a ruína das altas montanhas, a força intensiva do mal sempre nos empurra para uma queda atemporal. Nossas recordações sempre foram muito além do que emerge em nossos sonhos, a magnitude desse pensamento sempre vai limitar sua existência, por que eu sou a nuvem que cobre o beco sem saída e a mensagem que está marcada na sua parede. Eu sou o triunfo escondido, o calor desse desejo insatisfeito, a devoção da vergonha que te consome, pois essa verdade, a minha mentira fabricada, é tudo o que você sempre quis ser.
domingo, 3 de dezembro de 2023
A Laguna do Esquecimento
quinta-feira, 23 de novembro de 2023
Sob o Espectro da Luz
sábado, 23 de setembro de 2023
Os Sinos da Outra Terra
Quando as nuvens do céu param de vagar e os pássaros se recusam a cantar, cada segundo me aproxima do sol eterno, eu vejo as flores queimando na grama quente, um mundo inteiro de amor e palavras tornando-se um lago de fogo e enxofre. Eu me cego com a cor avermelhada que invade as estrelas, línguas de fogo lambendo mundos, minha pele está queimando... não há mais noite, nem escuridão, pois a luz mostrou sua verdadeira intenção, sua fonte ardente finalmente renasce! Agora uma multidão de lagartos e homens afeminados saúdam seu retorno, como uma estrela escura que estava oculta, exausta e faminta entre mundos, sua graça desfalece com aplausos secos, dançando entre desejos mundanos e buscando acender a chama de um passado nunca esquecido. Ali eu estava, um estranho entre rainhas dragões e mulheres que se amavam, apenas para assistir seu glorioso espetáculo. A frieza te cercava e os quadris não se moviam, ainda assim, você invadia as sombras e rodopiava sobre um verde sombreado de anil, tentando desesperadamente fazer com que enxergassem seu brilho, um brilho mudo e atemporal, como um beijo que desaparece na memória. Mas naquela noite o sino tocava alto, vestida sensualmente com uma capa e coroa de penas negras, você esperava voar além do véu, ninguém seria capaz de impedir que seu sonho voltasse a ser real, até sua sagrada mãe apoiava sua ascensão! Lá eu observava como uma serpente que se rastejava de cima para baixo, enquanto você inutilmente fugia do meu olhar. Eu percebi quando você tentou me tocar quando passei a um centímetro de distância na sua frente, mas lutava contra isso, você não podia ceder nem um centímetro da sua atenção, não para mim... até o momento quando você falou com um homem mais velho – um senhor que acreditei ser seu pai – e olhou desconfiada para mim, pousando diretamente na minha direção. Nossos olhares finalmente se cruzaram e conversamos por dois singelos minutos, mesmo que você tenha recusado meu abraço! Esperando o amanhecer, eu tentava lembrar o que estava fazendo ali, mas parecia que algo me perseguia, uma sensação e um estranho silêncio, como um último aviso, um último momento que eu precisava assistir, e mesmo quando eu consegui descolar uma carona para casa, a melodia assustadora não permitiu que eu fosse, ela me manteu preso nas ruas e me fez voltar para dentro. Naquele momento, eu sentia que estava em um lugar onde meu irmão costumava frequentar, mas algo estava errado... a maioria já havia partido e a pista de dança se abria, tudo estava em câmera lenta e tive que me apoiar sobre um pilar depois de ter ingerido mais álcool do que meu corpo conseguia suportar, e foi quando aconteceu... como um sonho febril e laranja, duas mulheres se agarraram na minha frente e uma delas parecia ser especial para você. Suas asas rodopiaram em minha direção e tão próximo à nós, eu achei que você cairia nos meus braços, mas você apenas me olhou e deu um sorriso, parando diante delas: foi quando eu pude ouvir os sinos e vi o espelho da vida, a alma que queimava dentro de mim ardendo em você... era o frio e a perdição, o inferno e a vergonha, e antes que o primeiro orvalho da manhã suspirasse ou o ar mais quente soprasse através dos meus olhos, eu pude ver, a menos de um palmo de distância, você mesclando-se entre elas e um intenso beijo triplo evaporando... trancado em um terno e doce espinho, eu agora entendia o sinal e toda pressão sombria que se acendeu nos dias anteriores, os meses paralisados, os anos perdidos, os muros altos que cobriam o céu... tudo tornou-se claro como uma primavera se expandindo, as flores inocentes me atravessaram e você foi a última delas. A alma assassina finalmente foi liberta e entregue a você, não por que o amor é falho, tão pouco pela sua escolha sexual, mas por que eu sabia que nenhum arrependimento tardio poderia ser capaz de mudar as balanças do destino, os servos e os figurantes, eles estavam ali por uma razão, e o que quer que eu tivesse feito não poderia mudar isso. Eu amaria poder sorrir de volta e ouvir as próximas canções do seu renascimento, mas a graça que a vida nos concede é passageira, o sentimento sempre transcende um último encontro para que todas as maravilhas continuem na manhã azul da aurora, e sob seu brilho dourado, flocos de neves brilhantes.
sexta-feira, 25 de agosto de 2023
Divino Negro
sábado, 22 de julho de 2023
A Fragmentação da Quintessência
Vivendo como uma testemunha que desmancha a própria existência, eu segui aterrorizado com os dedos tampando os olhos enquanto feria todas as pessoas que um dia eu amei. Cego como um covarde, eu escrevia na sujeira, desejando um fim intempestivo sem nunca realizar nada, apenas fingindo uma confiança que não existia e vivendo na sombra do meu próprio ego. Se eu pudesse descrever todas as injustiças que sofri na infância, ainda não seriam suficientes para justificar minha insanidade, porque muito do que eu me tornei foi causado pelas minhas próprias escolhas. Apesar disso, eu conheci uma mulher extraordinária durante esse tempo, não menos destrutiva do que eu, mas que me aceitou como eu realmente sou. Se semelhantes atraem semelhantes, então eu nunca fui digno da sua presença, e pensar assim me mantém de algum jeito sã, um ajuste de atitude, quando antes eu não a via como igual. Eu comprava e vendia suas dores, acreditando que poderiam me trazer de volta a normalidade, sempre querendo um pouco mais, porque ninguém nunca havia passado tanto tempo comigo e se sujeitado às minhas vontades. Eu não podia encarar o dia sem prender seu fôlego, alimentando as chamas do meu coração com sua raiva ou meus ossos com sua força vital, desnutrido como um vampiro faminto, eu sugava todo seu sangue para sobreviver e bebia suas lágrimas até ejacular de prazer. Parece poético, mas no fundo nós dois sabemos que é verdade, você carregou uma cruz e uma coroa de espinhos apenas para ser amada, e hoje percebo o quanto crucificou nosso amor para mantê-lo aceso. Dia após dia, você tentava ser ouvida, mas um sussurro sinistro penetrava sua mente, acusações que arranhavam seu cérebro fazendo-a sangrar como uma geleira se derretendo, e quanto mais você tentava mostrar aos outros que o errado era eu, mais risadas surgiam na sua cabeça, olhares e dedos apontados. Você foi transformada em uma versão completamente contrária àquilo que sonhava ser e chegou até a lavar meus pés para que eu me sentisse honrado. Quantas noites você acordou com algo penetrando suas entranhas, sem abrir os olhos com medo da sombra que dormia na sua cama? Não havia ninguém para te salvar e quanto mais você tentava expressar sua agonia, mais você era consumida, embrulhando-se todos os dias porque acreditava que aquela era a vida que lhe foi predestinada. Você flutuava em torno da atmosfera enquanto seu corpo era acorrentado entre o passado e o futuro, buscando o amor paterno que nunca teve... seus olhos balançavam junto aos seus seios despidos, levantando-se na madrugada como um corpo sem alma, dando um beijo na minha testa no primeiro cântico da manhã enquanto sorria para os outros acreditarem na sua grande sorte, embora estivesse endividando-se com a escuridão que se espalhava pelos tetos da sua casa, disfarçada de luz, para ser adorada e exaltada! Você entregava o cinto para sofrer e não sufocar em seu próprio grito! Literalmente falando, mesmo que todos os quadros de avisos fossem retirados, ainda não haveria possibilidade de afastar os fantasmas do nosso passado. Eu sou apenas um escritor na estrada, e gostava de acordar fingindo que estava tudo bem, mas como as páginas viradas de um livro, eu desapareci como um mistério, sozinho em meu próprio mundo de magia, para que você possa correr livre e suas lágrimas se tornem gotas de alegria. Os quatro elementos que te formavam se fragmentaram no meio do caminho e até nosso filho foi proibido de nascer, mas saiba que quando o jornaleiro grita suas manchetes na rua, ele não está tentando iludir as pessoas, mas fazendo a verdade vir à tona. Onde as palavras são o que menos significam, é quando o que está oculto há de ser revelado.
segunda-feira, 5 de junho de 2023
O Selo da Promessa
sábado, 28 de janeiro de 2023
Amanhecer Dourado
Abrindo os olhos pela manhã, eu sinto o silêncio no ar e faço de conta que ainda existe alguém abrigando-me ternamente em seus braços. Vendo os dias passarem como uma semente germinando, eu olho fixamente a parede esperando que ela também esteja pensando em mim, eu tento chamá-la, mas não há nada para ser dito. Eu adormeço com uma oração cega, o sentimento de não pertencer mais aos seus sonhos, enquanto as pessoas ao meu redor sacodem meu ombro e repetem que a vida continua. O cheiro da magia, a beleza do que vivemos quando nosso amor era mais selvagem que o vento, começam a desvanecer como poeira da alma sendo expelida para cima, ainda assim, eu nunca poderia esquecer completamente seu rosto ou os cinco minutos que te faziam dormir. Eu ainda vejo você penteando seu cabelo e me dando aquele olhar pelo espelho, amando o modo como rebolava para passar óleo no corpo enquanto eu fingia que estava lendo um livro, ou quando você fazia a bagunça do meu coração se organizar e depois bagunçava novamente, correndo pela casa enquanto eu tentava te pegar para dizer quem mandava em quem, por que você sabia que eu estaria logo atrás para te abraçar, afogar-me no seu cheiro e te possuir por inteira. Eu adorava olhar para você com cara de fome, por que você me entendia sem eu precisar dizer uma palavra... ah, qualquer um que tivesse um amor parecido como este, sem dúvida, saberia como estou me sentindo agora que você não está mais aqui... tudo que eu imaginava era o paraíso da terra com você, pois eu nunca precisei de um vidente para saber que nós éramos muito mais do que aparentamos ser, mais do que a sensação de estar enfeitiçado, porque tudo sempre começava de novo quando terminava, e nós éramos como amigos inseparáveis, como gotas de chuva unidas em uma só cor para refletir no arco-íris. No entanto, também havia um cheiro de corrente enferrujada, pois algumas coisas na vida nunca mudam, e nós sabemos que nunca seremos perfeitos o suficiente um para o outro. O amor é uma mala de imperfeições que deixamos por baixo da cama até o dia que decidimos abrir para enxergar a alma e aceitar quem realmente somos. De todas as pessoas que já conheci na vida, nenhuma foi tão amável e íntima quanto você, ninguém mergulhou tão profundamente nas minhas loucuras e permaneceu como se fosse um mundo mágico, pois eu sempre acreditei que você me aceitava como realmente sou. Com tantas estrelas e órbitas espalhadas pelo universo, nós vivemos um amor quase eterno aqui, pois após tanto tempo nós sempre enxergamos a potencialidade do que somos quando estávamos unidos, esse mundo oculto que criamos e que somente eu e você conhecemos. A verdade é que nunca importou quanto tempo passou, nós sempre inovamos e buscamos novas sensações, ajudando um ao outro e incentivando para que fossemos melhores. Essa é a nossa essência do amor e nela eu consigo ver: existia uma amizade pura, duas almas que realmente se preocupavam uma com a outra, como o silêncio de uma árvore que nunca diz uma palavra, mas gera frutos – nós estávamos fixos um no outro como companheiros da vida, viajantes da eternidade unidos como estrelas inseparáveis. E talvez não fossemos nem um pouco parecidos, mas nos adaptamos ao que somos e fomos transformados em versões melhores, como se pedaços de você estivessem crescendo dentro de mim assim como meu sangue fluía em sua mente e coração. Era uma junção alinhada com o cosmos, pois independente do que fizéssemos, somente nós conseguíamos ver essa estrela secreta, esse brilho inebriante que arrefecia nossos corações, mesmo que isso trouxesse grandes tragédias, afinal nós também conhecemos a face contrária do amor – o lado imperfeito que escorria pelas frestas escuras da nossa personalidade, embora se não acontecesse, nós nunca teríamos consciência disso. Nós seguramos as pontas soltas porque enxergávamos o que realmente é valioso, o que realmente importava diante de todas as nossas quedas e descobertas. Sabendo disso, nós decidíamos permanecer porque ainda acreditávamos no amor verdadeiro, e apesar das nuvens tentarem tampar a luz do sol, dentro de nós, havia uma emanação tão sutil e serena quanto o espírito, pois ainda que todos duvidassem, nós sabíamos que estava lá, uma chama com faíscas douradas que nos preenchia com aquilo que sonhamos, o futuro que almejávamos no fundo dos nossos corações, como se estivéssemos sempre correndo juntos na mesma direção. Era algo mais profundo do que a própria profundidade, que não pode ser descrevida ou imaginada, e não existe fora daqui: é um sentimento que nascia apenas quando estávamos juntos e só existia enquanto estávamos unidos. É algo nosso, algo que criamos e que não conseguíamos abandonar, a sensação eterna que só sentíamos quando trocávamos palavras, gestos e sorrisos, quando nada mais existia além de nós mesmos, o centro do mundo e a colisão do universo inteiro, em um único toque. E por mais que eu me esforce para reescrever essas palavras, eu sei que é algo além da minha compreensão, além da dúvida ou da necessidade, além da perca ou do ganho, e muito além do que acreditamos que seja o real motivo para encerrarmos nossa história aqui. Ainda assim, um grande medo e uma grande sombra nos acompanha, e essa talvez seja a ordália do amor, o preço que pagamos para aprender e mudar, o sangue que sacrificamos para entender que no amor não pode haver injustiça, pois a pureza do amor somente é sentida quando o ciúmes e o orgulho dão lugar a confiança e a humildade. Nós nos tornamos aquilo que definimos após a primeira e última colisão, somos a marca e o reflexo do que transmitimos um para o outro, a centelha do que finalmente começava a expandir pelo mundo, até aqueles que nos cercavam vissem o amanhecer e se aquecessem com sua luz. Se disso não proviesse o favorecimento divino, então nunca saberíamos alcançar o respeito mútuo e o amor incondicional. Estava tudo ao nosso alcance, mas não foram as estrelas nem os anjos que formaram nosso desfecho, porque em algum momento, a luz desvaneceu-se, e os defeitos se expandiram como fungos na parede: era ali que o amor habitava, no quarto secreto das imperfeições, de enxergar nossas almas unidas e não deixar que suas manchas sujassem quem nós somos, para que delas formássemos desenhos belos e cheios de grandes aprendizados.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
Nas Asas do Altíssimo
Com um pouco de fé e conformismo, eu vejo a lua brilhar radiante enquanto ouço um sussurro me chamando, uma voz que eu nunca ouvi antes, mas que é tão conhecida quanto os pensamentos do meu profundo ser. A infinitude das suas palavras não é algo que possua significado, é o mesmo sopro que desperta as ruas vazias e frias, que espalha o cheiro das árvores e flui no primeiro suspiro da luz da manhã. Como uma melodia inebriante e serena, eu sou despertado pela canção dessa voz, profundamente ardendo na minha alma como um fogo que não pode ser extinto, pois desde que valorizei quem eu sou, tornei-me mais unido com os céus, um vagante da tempestade guiando-se pela mesma passagem das águias. Agora de cima eu posso ver o que antes não enxergava, desde que deixei de olhar para fora e vi o que existe dentro: as nuvens são aquelas que escondem o desconhecido, mas quando atravessamos suas macias camadas, tudo desaparece, pois ali não está a saída, mas o início da eternidade. O mesmo vale para quando percebemos que o pensamento é a nuvem que cobre quem somos, por que enquanto acreditamos que o dominamos, mais nos tornamos seus escravos – a águia não desvia das nuvens, ela as observa para que conheça suas rotas secretas e nunca se perca na imensidão do céu. Bem, eu não sou uma águia, mas este foi o melhor exemplo do que é libertar-se da mente, quando antes eu acreditava que tinha o total controle sobre meus pensamentos. Desde então, aquilo que me inunda com a necessidade de hesitar ou de achar que os outros me devem algo, me transporta para um lugar de cores infinitas, como um passeio de alegria no espaço vazio onde o pensamento não chega, por que tudo que é observado deixa de movimentar-se. Agora eu consigo ver como os anjos voam ou por que alguns olhares no meio do caminho penetram minha alma, eu escalo montanhas em um segundo, por que nem sempre estarei livre de mim mesmo. Eu desejo chegar em um ponto sem retorno e tocar sutilmente a luz, mergulhar no oceano das novidades sem me preocupar com o dia anterior, nem com as pessoas que me seguravam lá trás. Parece um sonho, mas não é isso que estamos fazendo o tempo todo, sonhando? Ao invés de navegar no barco do amor, eu nadava nas águas do ódio, aceitando desrespeitos e afogando-me em memórias que me abalavam como uma foice me soterrando no abismo, eu tentava respirar e gritar para que me salvassem, porém quanto mais eu falava, mais a água tornava-se terra e me enterrava vivo. A costa estava distante demais, e eu percebi que meu lugar nunca foi preso ao chão, mas voando nem que fosse em um balão. Em busca do infinito nada, eu era guiado pela vida de um pássaro em pedaços, o sangue do destino grudado em suas asas, deixando rastros de dor e deslealdade pelos ares, mas agora eu posso dizer que sua queda e seu orgulho ficarão unidos por toda eternidade. Era na ausência deles que nos torturávamos para arrancar todas as penas das nossas asas e continuar voando no fundo das águas mortas, esse silêncio que torna os dias mais longos e torturantes. Talvez precisássemos disso para entender que nosso amor era uma sombra de pedra, sendo incalculável o número de rostos tristes esculpidos que deixamos pelo caminho. Nós sabemos o que fizemos, afinal o oceano onde mergulhamos era feito de lágrimas e as nuvens onde voávamos era, na verdade, o reflexo do céu azul nas águas. Nós vivemos uma corajosa ilusão, mas não percebíamos que nossas canções eram silenciadas pelas águas, o brilho dos nossos olhos apagados na profunda escuridão do oceano. Eu rasgaria minha alma para poder ver o mundo que abandonei por você ou todos os amores que afoguei para permanecer ao seu lado. Essa é a ganância do amor quando se torna uma verdadeira mentira, quando as águas se tornam negras e o deus escuro fala dentro das nossas carnes enquanto o sangue se torna o ar que respiramos. Você conseguiu abrir seus frágeis olhos e enxergar o mar obscuro que deixou para trás, mas a vergonha, o reflexo dos seus olhos, é a mesma dor que me faz lembrar de tudo o que você fez. Aliada ao meu sofrimento, todas aquelas coisas amáveis que eu nunca signifiquei, eu tentava arduamente manter suas desilusões ardentes, seu mundo degenerado dos pensamentos, para que mantivéssemos o que era irreconciliável, mas agora eu vejo a verdade que as nuvens encobriam: o amor é puro e violento, é a resposta e a cura, mas também é uma arma carregada pronta para atirar. Nós abrimos as portas da mente para quem confiamos, até o dia em que as cadeias da imaginação atravessam os momentos que se tornam fábulas, pois em volta de um puro e frágil sonho, o medo nos empurra adiante pelos infindáveis defeitos que escondem a iluminada realidade.