terça-feira, 27 de agosto de 2019

Uma Pedra no Céu

     Correndo para longe de casa, eu sinto a luz do sol ardendo na minha pele, seu brilho rejuvenesce meu rosto, enquanto a brisa da manhã me leva para um lugar distante. Meus pés pisam em poças profundas, e em cada passo criam-se bolhas no ar com recordações dos meus efêmeros romances. Ainda assim, eu continuo correndo, meu corpo não pode se cansar agora, pois eu fugi do portão do desamparo, amaldiçoado pelas estações de agosto. Talvez fosse o vento, mas estas bolhas continuam me perseguindo, com lembranças de amor, ódio e paixão ardente... todas elas fazem parte de mim agora, eu não posso arrancá-las do meu peito? Uma vez longe, mas ainda tão perto, as nuvens sombrias começam a se reunir, e aqueles maravilhosos raios de sol são cobertos como cisnes dourados afundando nas águas. Eu devo parar e me preencher com a escuridão, mas minhas pernas continuam a se movimentar contra minha vontade, meu instinto me obriga a se libertar do velho mundo. De repente, uma por uma, as bolhas começam se chocar, e de relance eu consigo ver no espelho delas um sorriso no meu rosto. Mas os resíduos de água se espalham pelo chão, formando uma gigantesca onda que tenta me engolir, porém como um surfista confiante, eu desvio de todas elas, até que a maré se acalme e a tempestade cesse. O sol brilha novamente no céu e o mar seca na terra, mas sem misericórdia eu me despeço do meu passado. Agora eu recupero as rédeas da minha vida e percebo que não estou mais correndo, eu sou o dono do meu próprio destino novamente! Mas quando eu olho para trás, daquelas águas nascem plantas e árvores florescentes, seus galhos se entrelaçam entre si e apontam na direção do futuro – eu finalmente percebo que elas nunca quiseram meu mal, apenas me apressavam para encontrar a felicidade. As lágrimas congelam no meu rosto, pois o tempo todo meu único inimigo era meu próprio ego... seria tentador voltar lá e me entregar a toda aquela natureza linda, deixando que o orvalho pingasse sobre minha testa e derretesse nos meus lábios, mas fechando os olhos e respirando o cheiro das amadas, eu sigo meu caminho sem olhar para trás. Por uma vida, por deus ou por você, estou pronto para reescrever minha história em páginas rasgadas, mas agora a tinta é forte, e a precisão com a qual eu escrevo é a de um homem focado e destemido. Só mais um pouco e estarei lá, na vida que eu sempre sonhei, então por que sinto que estou cometendo mais um erro em não aceitar minha realidade? Da negação vem a ingratidão, de maneira que eu nunca poderei ser digno sem agradecimento. Portanto, quando a tua mão cair sobre mim, nem com todas as forças das montanhas e dos mares eu poderei suportar o peso se não houver gratidão em meu coração. Grandioso e único, e a todos que tu colocaste na minha vida... aos que me fizeram sofrer e amadurecer até hoje, aos que me presentearam com momentos felizes e compartilharam gestos de amor, risadas e traições, a todos eu só queria dizer muito obrigado! A silhueta do lugar de onde eu pertenço começa a surgir no céu, e eu percebo que o tempo todo estava bem ali, próximo à mim, mas meus olhos estavam cegos para ver. Acima da minha cabeça, uma bolha ainda brilha com os raios do sol, formando em seu reflexo um lindo arco-íris no horizonte: obrigado a você, gentil violeta, pois você foi a única que chegou tão perto de quebrar esta maldição – nem todos os rituais ou orações foram capazes de fazer o que você fez, mas a ordália de deus é um peso que eu devo carregar sozinho.