sábado, 26 de outubro de 2019

O Sol da Meia-Noite

    Atolado na ilusão e silenciado pela ideia do tempo, eu me torno a soma atual de todas as idades, deixando uma trilha de páginas queimadas para trás. Fugindo do útero denso do sofrimento, eu espero que minhas feridas se fechem novamente, antes de cavar meu próprio abismo onde a sanidade é minha vaidade. Desnorteado pela misteriosa força que me guia, esta será uma confissão de derrota, mas você nunca foi digna destas palavras. Eu espero que você saiba que esta felicidade é passageira, pois depois de me apunhalar pelas costas, você sacudiu seus quadris e selou seus lábios, mas um milhão de estrelas ainda assistem seu movimento, esperando que a culpa e arrependimento dobrem sua mente. Ao som do vidro lascado, seus pés caminham e sangram sem dor, seguindo a imperfeição da sua própria essência refletida no seu amado, vendo seus dentes conversando, mas nenhum som é ouvido, pois sua mente não está mais lá. Algo está faltando, um pedaço da sua alma que só funcionava quando eu estava presente, a outra essência, aquela que eu desejava despertar em você para que as cores do mundo voltassem a brilhar, até que o cheiro do ar nos seus pulmões acelerasse as batidas e todos seus vícios fossem abandonados. Essa fuga de si mesma fazem seus atos falarem mais baixo do que minhas palavras, mas este é apenas um tropeço do seu medo, pois de repente você percebe que sua vida não significa nada. Parece que você é tão contraditória, por que seus anseios mudam mais rápido do que uma prostituta mudando de homem. Agora, com poderes esmaecidos, nós ficamos por horas sentados ao lado de uma televisão apagada, esperando que alguém especial ligue a tomada. Mas isso não me preocupa, por que quando as pessoas saem de nossas vidas, os elos são separados, as mentes desconectadas, os olhares esquecidos. Então dizemos a nós mesmos: guardarei comigo o melhor desta pessoa em meu coração! E, no entanto, não basta conhecermos outra pessoa para este sentimento acabar? Quando amamos, estamos ausentes de toda lógica e razão, mas quando o amor acaba, a pessoa se torna um vegetal aos nossos olhos, como uma árvore velha que vemos todos os dias na esquina. Talvez por isso exista apenas uma alma-gêmea no mundo, da qual nunca nos desvinculamos, e que sempre quando revemos é como se fosse a primeira vez. Mas quem garante que esta alma-gêmea não esteja morta? Estamos esperando por alguém que já partiu? Esse alguém, ao menos, existe? O que estou tentando dizer é que não podemos esperar pelo que é improvável, mas podemos construir algo com alguém que amamos no presente, pois o futuro é incerto. Quando eu estava com você, eu não precisava fazer o tempo durar, pois como um sol invadindo a meia-noite, muitos dias se passavam em um instante, com o céu das nossas bocas mudando seu tom do branco para o negro. Pode ser que o único iludido aqui seja eu, mas se assim for, então esta foi a melhor ilusão que eu já tive! Uma servidão involuntária, sempre lembrando uma sensação de emoção nas horas vazias, tragando palavras que nunca foram oferecidas como uma consolação para o solitário. Ainda assim, eu não posso fingir que está tudo bem, pois como um ator roubando a cena, todos os pensamentos que você luta para esconder uma hora vem à tona. Eu não queria que minhas cicatrizes aparecessem, pois elas não são externas, e nesses momentos somente as mães sabem, quando veem nos olhos do filho o favorecimento da morte. Mas esta é a porção, este é o riso, esta é a luz da inocência, o silêncio do mar tempestuoso, pegando-nos delicadamente quando caímos e desintegrando-se em argila. Prazer e dor são as orlas que movem o espírito quando a mente está fraca, por isso alguns voam enquanto outros caem, e alguns andam enquanto outros rastejam. Você consegue sentir a úmida respiração da natureza nos guiando pelo silêncio da amenidade? Quase como um toque da folha raspando ou como uma gota de chuva que cai depois que as nuvens já partiram... então o nosso disfarce é descoberto, e a verdadeira imagem que se esconde por trás dessa pele é revelada, emergindo do casulo, enquanto uma música meio lembrada é tocada suavemente em nossas mentes.