quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Amante Astral

    Entediada e sozinha, uma mulher vê formas caminhando pelo quarto, mas o lugar para onde deseja ir só existe na sua cabeça. De olhos fechados, ela pode ser quem quiser, pois não há limites para sua imaginação: seus olhos esmaltados de verde e seus cabelos rubros como o entardecer se misturam com o negrume dos pensamentos, formando pequenas dobras em sua mente, até a realidade ser descartada com um suspiro. Os ruídos da casa desaparecem e o calor arrefece o ambiente, mas com um truque de luz, ela pisca os olhos como um ator roubando a cena diante de todos os pensamentos que luta para esconder. O tempo para lá dentro, mas lá fora é apenas um instante, ainda assim, o mundo se torna um jardim perfumado, onde todas as razões para continuar invadem seus ouvidos com um sorriso de prazer. A noite fria e úmida se torna uma silhueta imaginária, mas ela percebe que está flutuando, quando algo escapa dos seus dedos, embora não saiba o que é. Com luzes azuis-celestes, seu corpo é puxado por uma força ternamente pulsante como uma melodia que a carrega para céus distantes. Branca como uma nuvem de algodão, a pureza reluz em sua pele, mas quem poderia salvá-la dos seus desejos mais profundos? Ela sabia que um dia deveria enfrentar aquele que visitava seus sonhos de adolescência, pois agora é uma mulher-feita, não mais uma garotinha que nada e se afoga, mas pronta para mergulhar nos mares profundos da mente humana. A fragrância que sentia era natural como cheiro de pele, e quanto mais ela se aproximava, mais uma luz queimava por dentro do seu santo éden. Uma força mágica a submergia na estranha sensação de perigo, desejando experimentar um pedaço do proibido em seu íntimo, só mais um beijo da sombra em sua alma, um sentimento além do que seus olhos podem ver ou palavras podem dizer, apenas a certeza de ser acolhida pelo anseio das batidas do seu coração. Então, por que você hesita, se ela é você e a sombra sou eu? Aqui, a noite nunca acaba, mas por que você está chorando? Eu vejo lágrimas escorrendo do seu coração, enquanto ouço as batidas desaparecendo, e tudo que almejo é fazer com que volte a descompassar o ritmo de antes, quando sua voz era valorizada e suas mãos tocavam a música na sintonia do amor. Como um rastro sangrento secando na areia, você abandonou seus dons, mas nossa busca incessante está apenas começando... você consegue ouvir esta melodia suave de um estranho mistério nos envolvendo, enquanto as estrelas brilham com o seu destino? Talvez você esteja muito surda para ouvir o som invisível das minhas palavras, mas o viajante sempre tem uma breve passagem como uma estrela cadente, desenhando uma forma perfeita para abrir seus olhos e você enxergar a árvore virgem que está nascendo em seu coração. Eu me sinto feliz só em saber que você existe, em lembrar-se de nossas aventuras quando você bebeu o suco da minha essência ou tornou-se poeira estelar, fundindo-se ao que restou de mim. Deixe que minha mão fria toque seu íntimo e minha respiração quente rasteje pelo seu pescoço, por que no final apenas fragmentos permanecem, e o amor mortal não é suficiente para preencher o vazio da existência. Uma vez que nossos gritos atinjam o alto, nossos corações danificados crescerão distantes, absorvendo a verdade que me faz acreditar que você seja a tão esperada quintessência. Sob o olhar do vigia, você não precisa mais se esconder, pois quando usamos a misericórdia como isca, há uma chance de compensar e varrer as cinzas que esperamos como prêmio.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A Palavra Original

    Enquanto o tempo passa melancolicamente, minha pele enferrujada é coberta por folhas de ouro, decorando meu corpo com uma obscura vaidade. Ainda que estas palavras sejam como o fantasma da minha vida adormecida, eu posso dizer que ainda restou tinta para escrever meu último desejo. Profundamente nas geleiras mais fundas, há uma luz sagrada que absorve tudo e reluz o ambiente em prata, os sinos de outra terra ressoam no vazio, vagando em um universo rasgado a partir do que meus olhos podem ver: altos muros que protegem minha vida como asas brancas de um anjo guardião, onde a água é clara e as terras são de largura, mas por trás há um arrependimento tardio pelos lugares deixados com linhas de contos ainda para serem escritas. Ali o sabor infernal preenche o espaço e nada foge do seu abraço dolorido, porém essa é a beleza dos passeios no escuro – o que não se pode ver é apenas imaginado. O tempo continua escorrendo como sangue de uma virgem deflorada, carregando todos aqueles sonhos puramente baseados no medo e escavados pela vergonha, na esperança de ter a sensação que todos falam até descobrir que nada é como parece ser. No mais negro tom da luz é onde está o desvanecimento da verdade pelo cultivo das mentiras, nomeando-se com ela. Assim, para domar o mundo novamente, é necessário destravar as correntes que depravam a alma, que nos tornam pontos colididos pelo declínio dos céus, quando todas as notas que tocamos são reorganizadas e nos mantém existentes na criação perfeita. Agora a brisa fantasma é naufragada em um tempo perdido, caminhando pelo mais longo corredor da mente, para encontrar onde fomos deixados para trás. Através da desgraça e do riso, é tempo de tomarmos o futuro em nossas mãos, não semeando o arado de um deus ameaçador, mas deixando que o sol brilhe ao seu favor, enquanto a velocidade do vento ressoa a melodia de uma garota cantando pela primeira vez, correndo em campos verdes como uma criança seguindo os passos do pai, dançando para sempre no sentimento de está seguro e cercado por pessoas honestas, por que esta é a verdadeira essência que perdemos no meio do caminho. É tempo de virar as páginas e roubar as rédeas do violonista, pois cada alma possui uma voz linda para ser ouvida, olhos brilhantes para admirar a natureza, bocas para saborear a doce fruta do amor, ouvidos para ouvir a canção dos pássaros, mãos para abraçar, cabelos para soprar no vento... ó, deus das inúmeras estrelas testemunhas! Salve-nos dos engenhosos séculos de mentira, dos santos livros reciclados e do falso senhor em nossos corações... venha e desça com teu fogo purificador para queimar nossas impurezas, por que toda dor que sentimos é manifesta  como o germinar de uma semente. Nós queremos paz no romper da aurora, névoa na costa, brisa nas ondas do mar e mais flores brilhantes perfumadas com tons de verde, queremos água da fonte mais pura e mais amor à medida que avançamos em uníssono, com memórias de felicidade e amigos menos ausentes, recebendo dez por cento da terra, para preencher a gordura do nosso coração em uma sociedade baseada em fundamentos sólidos. Aqui neste verdadeiro vórtice meu eu começa a mostrar a carne da fragilidade humana, pois parte de mim estava fascinado pela crueldade, quando o medo anulou a dor infligida pelo ciclo interminável. Nos templos astrais, eu estarei ajoelhado e temente diante a ti, por que todas essas mudanças nós iremos testemunhar juntos... eu finalmente compreendo, pois eu vi um homem e eu sabia que seu rosto era muito similar ao meu. Minha mente começava a duvidar sobre o que meu coração já sabia, mas agora o motivo da rima faz sentido, pois essa cor celestial é diferente do que eu via em um mundo moribundo.

Cronologia