domingo, 14 de abril de 2024

A Sinfonia do Vazio

   Brilhante alma negra, que cheira como a morte e olha de baixo como a rainha do nada, você era minha heroína, até tornar-se a própria expressão do vazio, vendendo-se na estrada que a levava até seu glorioso desfecho: na escuridão dos seus sonhos você vai acordar e ver que construiu um mundo de poeira à sua volta, as nuvens do céu não secarão seu choro e os anjos não te salvarão da sua queda. Aqui está, a mesma mão selvagem que apertou seu pescoço quando você definhou como um diabo negro – o mal estava enraizado em cada ação e palavra, como um animal de joelhos dobrados bebendo seu próprio sangue ou como as crianças infernais que a queimaram e a desfiguraram na infância! Prensada contra a parede, as pétalas do chão eram esmagadas enquanto a alma escura agradecia gentilmente sua estadia, embora em nosso conforto morasse a pavorosa desilusão. No violento som dessas memórias, meus olhos brilham de cegueira, por que já não posso ver os rostos pintados que passavam por mim, o tapete vermelho que nos separava expandindo-se por milhas de distância, por que assim determinou a sombra caída. Havia uma maria negra em seus olhos, desde que no amanhã era duro encontrar o primeiro e último caminho para sua redenção: nós entramos numa porta indefinida, a decisão passiva de nunca desistir do que era impossível, com uma luminosa e pura vontade de consertar o estrago causado em você... mas o curso da sua vida só podia ser traçado por si mesma, em um mar de dúvidas e vozes cruéis, eu estava ali em todas as suas recaídas, cavando sua sepultura. Eu achava que te enterrando voltaria a me sentir vivo, mas hoje percebo que sempre te dei mais do seu merecimento, mais do que você plantava e colhia. Eu era seu carma, o palco que executava as estrelas cadentes, uma a uma, enquanto fazia as pazes com Deus... eu bebi todos os rios do seu veneno e fui o fantasma que sempre criava uma brecha para você atravessar, eu era a ampulheta que expandia nosso tempo para mil anos, mas para cada prego que eu batia no seu caixão, uma pedra caía sobre mim, o peso das suas mentiras e de todas as maldições que você lançou em flores inocentes, aquelas humildes almas que passaram por mim e você as roubou como um ladrão de vidas. Nesse último adeus, eu declaro que estou liberto das suas correntes e que a dívida cármica está paga, pois mesmo quando eu estive flutuando nas águas do mar, minha lealdade era sua, mas agora você já não pode provar o filho que carrega no interior: o filho da sua mentira, da sua impureza e da sua morte. Por que ali, no silêncio do seu útero, você sufocou em alta traição seu destino, quando entregou em mãos estranhas a promessa que fez ao anjo caído, mesmo sabendo que essas palavras ressuscitariam o pássaro imortal! Eu sempre achei que havia beleza em nosso silêncio, mas como uma língua de veludo instigadora, você me atraiu de volta para a toca do coelho, embora sua feiura fosse como de uma criatura à espreita... ainda assim, eu lancei a corda para te tirar do fundo do poço. Mesmo quando o silêncio significava falta de som ou quando os diferentes ciclos da natureza flutuavam em uma torrente de tristeza, eu segurava sua mão e nunca entendia sua deslealdade por quem sempre fazia de tudo por você. Rasa de espírito, você perdeu a sensação e rompeu com os vivos, por que nesse lugar de pesadelos dentro dos seus olhos, um grito em uníssono sempre vai ecoar pela eternidade: as vidas que um dia você prometeu trazer para este mundo, gravado em sua pele e em seus ossos, quando poucas palavras as podiam matar. Elas vão respirar em suas entranhas, apagando o sol com lábios e línguas mortas, no fundo abismo que te espera.

sábado, 13 de janeiro de 2024

Um Conto de Fadas Memorável

     Através das névoas do tempo, você surgiu como um vento quente que anseia pelo dia que ainda está por vir, o dia que seus braços me envolverão sob os ecos do silêncio, ajustando a hora, para que nossa atração reviva esse sonho. Com o estigma cerceando sua mente, você tentou encontrar fora daqui aquilo que te libertaria de mim, devorada pela dúvida e pelo entorpecimento das percepções, encantou-se pelo que só te conduzia para o caminho da impureza. Ausente das coisas sagradas, você esqueceu-se quem era o dono da sua alma, e sua negação se transformou em vaidade, desejos cruelmente confusos, tentando reviver o que viveu comigo com outros homens. Você sentia-se livre, mas o princípio da liberdade é obedecer à medida que despertamos da fuga do descontentamento, pois você nunca estará realmente livre até que me perdoe. Sua mente vagou perdida pelas chamas escuras do ódio, acreditando que eu era menos do que você merecia, quando o tempo todo você estava competindo apenas contra si mesma. Você tornou-se uma fraude, por que tentou enganar aos outros e a si mesma, fundindo-se ao vácuo das relações frias e sem retribuição, sem a segurança da verdadeira natureza do amor que você só encontrava ao meu lado. Com angústia e prazer, você me enterrou vivo, mas todos os dias você vinha visitar meu túmulo, regando as plantas que nasciam com suas lágrimas, por que no fundo... havia tantos finais estéreis, mas o sol nunca beijava sua face, não enquanto você retornasse para esse encontro fúnebre, pois quanto mais você tentava fugir disso, mais você participava das relações aversas ao que você é, imitando mulheres que você admirava ou que tinham o poder da libertinagem, porém esse cativeiro mental apenas te desviou do núcleo da sua responsabilidade, isto é, de perdoar a si mesma. Intoxicada pelos frutos da sua própria perdição, você voltou a alimentar a bestialidade que vivia dentro de você, e ao invés de gerar luz, gerou sombras, afastando pessoas importantes e toda bondade da sua alma, por que o mal não pode ser justificado pela vida, apenas alimentar o culto da morte. Você se tornou um enxame de trevas, sedução e imoralidade, como um inferno queimando brilhante, trazendo a beleza e a nudez de prostitutas, pois hoje em dia o dinheiro se tornou mais importante do que o valor da honra. A escuridão te estendeu a mão e você aceitou o convite, sorrindo com a sombra do seu medo, pois enquanto julgava-me estava submissa ao profano, desde que sufocou-se com as aparências da santidade. Quando eu ressurgi para te salvar, você simplesmente deixou seu orgulho te cegar, mas suave é a ruína das altas montanhas, a força intensiva do mal sempre nos empurra para uma queda atemporal. Nossas recordações sempre foram muito além do que emerge em nossos sonhos, a magnitude desse pensamento sempre vai limitar sua existência, por que eu sou a nuvem que cobre o beco sem saída e a mensagem que está marcada na sua parede. Eu sou o triunfo escondido, o calor desse desejo insatisfeito, a devoção da vergonha que te consome, pois essa verdade, a minha mentira fabricada, é tudo o que você sempre quis ser.

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