segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A Dança Secreta da Chuva

    Como insetos perambulando de noite uma voz acolhedora arremeda para dentro da minha mente, confrontando minhas defesas e julgando o que restou de mim a medita que me faz ver além das minhas recordações persistentes. Quando o sino começa a soar, eu ainda estou dentro da minha cela, refletindo sobre meu passado e dando uma olhada através de um mundo que não deu certo para mim. Eu não posso desafiar isso e também não posso negar, pois meus devaneios internos torturam-me enquanto essas asas se agitam na orla da minha sanidade, espreitando palavras de um velho mundo contra a parede da raiva que corrompe meu pensamento. Enquanto ando, toda minha vida passa diante de mim, minha alma sente que seu momento está chegando, mas as palavras me escapam quando tento falar, a vida lá embaixo parece ser apenas uma ilusão estranha. Eu vejo uma lua vermelha com seu perfume frio preenchendo minha respiração, um doce sangue que desce pela minha garganta e inflama meus membros, me desintegrando como corações cansados ladrilhando no caminho dos mortos num silêncio taciturno e lambendo as feridas de um coral de almas ásperas enterradas num campo abundante sempre-verde com árvores venenosas e profundas ravinas soltas forjando o calor da noite, encobrindo as luzes com manchas escuras que se espalham pelo chão – uma piscina escura sob meus pés – enquanto ouço o cântico fúnebre das estrelas: versos roxos como um ataúde funeral uivando através das minhas veias. Com palavras rabiscadas que caem como cacos de vidros para depois se unirem, eu percebo que às vezes tenho que apertar a mão que me alimenta, isto é, aquilo que me dá forças para seguir em frente. A escuridão colocou suas garras pintadas sobre mim novamente, mas a verdade por trás das minhas fantasias mais profundas é como um feitiço perverso que prende meu coração: a esperança que me faz enxergar lá fora mesmo olhando de dentro da sepultura, concedendo meu perdão à mulher que amei para voltar de volta à vida. Em um céu escurecido, o riso do dia cai rapidamente noite adentro, e seus braços macios me puxam de volta para cima, eu me agarro ao sussurro do vento que me leva as feições naturais do seu rosto, tentando adornar a forma proibida dos seus lábios, mas flutuando sobre os vales sossegados da sua mente, eu não percebo seus olhos tão abatidos, sentindo a dor de quando seus pulsos são cortados para ocupar meu lugar embaixo da terra. Nua em meu túmulo, seus olhos escuros de licor ainda me encaram, sonhando com o poder fascinante dos meus braços quando dançávamos naqueles dias dourados e éramos como sussurros perdidos na grama ardente, as lanternas do pôr-do-sol nos perseguiam como sombras correndo da luz e o brilho ofuscante da paixão nos cegava, cujas flechas tinham fome de carne e o veneno do amor nunca era raciocinado. Algo que se passava por nossos anseios nos fazia beber do vinho da ilusão que descia como névoa espessa por nossos corpos, sonhos de casamento emoldurando nossas visões futuras, embora os sinos das igrejas ressonassem como o dia do julgamento. Da graça eu me apaixonei por você, perfumada como uma traiçoeira isca de olhos silvestres, suas fantasias eram carregadas de impureza, seu beijo gelado fervia meu pescoço como ondas murmurantes se deitando na praia, derretendo meu desejo no que aquece a impecável beleza do seu rosto constrangido em um pálido alvor de inércia... eu ouvia um redemoinho de vozes doces que saiam dos seus lábios frágeis, tão sossegada quanto nossas carícias invisíveis, você não se via cair no estreito precipício do abismo carnal, pois de alguma forma nós nos esquecíamos de como procurar um ao outro, deixando que o hábito obscurecesse a visão letárgica que sufocava nossos sentidos e nos fazia esquecer-se do puro êxtase do amor que expirava de nossas peles quando estávamos bêbados com o perfume da noite. O novembro chegou lentamente como chuvas atrasadas de inverno, mas há tempos eu já vivia nele muito antes de te conhecer, esperando por esse momento para dizer que não importa quão depressa ou quão longe você esteja, eu sempre estarei com você, pois eu sou o sonho não vivido e a saudade que te persegue, a dor entre suas pernas e o grito na sua cabeça... no veludo ao redor do seu corpo, eu ainda sinto o volume dos seus cabelos me cobrindo, na ira ou na fraqueza do seu coração, eu sou as trevas na qual você é protegida, e por todas as pessoas que nos abandonaram, nós estaremos juntos para que o sol e a lua se beijem num eclipse eterno, por que na sombra da sua luz eu me escondo de longe, amando você a distância como chuvas mornas regando uma flor solitária dançando no abrigo de suas próprias pétalas.