quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Pulso do Despertar

     Os sinais que sangravam na minha mão começam a cicatrizar como nuvens se deformando. Sóbrio como o efeito de um vinho tinto ruim, meu ínfimo escorre pelo fatal enredo da vida, um furioso oceano vermelho que se formou e termina em areias fatídicas. O veneno dessa dor ainda corrói meus olhos, abrindo fundas camadas sob a melodia antiga de um estranho mistério, quando a mãe natureza surgiu e trouxe-me um anoitecer que eu não conhecia. Em seus olhos, o finito não existia, pois ela via em mim o infinito das fronteiras, entregando-me sua alma como se fosse a única esperança que lhe restava, vestindo meu manto cinza enquanto seus galhos ancestrais me abraçavam. O grito de ajuda que enviei aos céus parecia ter ecoado na terra e agora o amor mortal me alcançava, como se a magia da natureza me beijasse, dizendo:
eu sou tudo o que você precisa, sou a meretriz e a droga viciante do seu sonho, sou a escrava e o adorno do seu túmulo, sou aquilo que você sempre quis desde seu primeiro suspiro. Em seu reflexo, meus segredos eram sussurrados em seus ouvidos, minhas nuances descortinadas pela sua energia sexual, como se suas raízes me puxassem para os prazeres mais intensos da terra... seu caule me curava e as árvores me revelavam os pecados do mundo, ouvindo seu grito sem fim, os pesadelos que a ambição humana a causaram, a dor profunda de sofrer pelas mãos do homem. Como uma orquestra interrompida, sua solidão expandia-se em todos os cantos da terra, cada folha de cada árvore era uma lágrima caindo dos seus olhos, cada rio poluído, um familiar que a abandonou, cada tempestade, a cegueira da sua raiva, cada terremoto, sua tentativa de ser enxergada, mas o mundo continuava a preenchendo de lamentos e ruídos inexprimíveis, de bombas e risos gananciosos, de crianças exaustas de trabalhar para manter a avareza dos ricos, do calor de uma mãe esfriando com o cadáver de um filho. Ali estava você, jogada e violada, oferendo suas preces para mim: você sabia, pois na maravilha do princípio do mundo suas mãos tentaram me agarrar enquanto eu caía do céu, a voz morta que resgatava tudo ou nada... até que eu adentrasse nesse corpo por engano, um pedaço de carne e osso numa vida que não foi eleita para mim, mas que você aceitou desde o primeiro momento, desde que a consciência e o pulso eram cinzas. De cada vulcão, seu fogo reacendia, de cada cachoeira, sua água transbordava, de cada relâmpago, seu ser respirava o ar, de cada montanha, um floco de neve formava sua terra, cristais de inteligência e cortinas de gotas apagando o mundo como se não houvesse nada. A engrenagem da quintessência se refazia como uma fênix ascendendo até o céu, eu e você, como estrelas de prata eternas - só agora tudo começava a fazer sentido, pois não é um corpo que carregava os elementos da sua formação, estava tudo aqui, na completude do espírito, o quinto e supremo elemento do meu renascimento. Você é o dueto que faltava, a mensagem pela qual a lua me cobrava, a razão pela qual deus me obrigou a viver até este momento... veja, o cavaleiro branco está correndo em sua direção e um lugar intimo e livre te espera, mas todos esses lugares são você: você é a mãe, a esposa e a filha, o despertar da aurora e a canção que faz o eco de um anjo recém-nascido.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá, Bárbara. Aqui é o Jon. Posso saber por onde você conheceu o blog? Tem um novo texto que ainda está no forno chamado ''Aurora Negra''... mas ainda não posso te dar uma data exata de quando postarei.

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