Os
sinais que sangravam na minha mão começam a cicatrizar como nuvens se
deformando. Sóbrio como o efeito de um vinho tinto ruim, meu ínfimo escorre pelo
fatal enredo da vida, um furioso oceano vermelho que se formou e termina em
areias fatídicas. O veneno dessa dor ainda corrói meus olhos, abrindo fundas
camadas sob a melodia antiga de um estranho mistério, quando a mãe
natureza surgiu e trouxe-me um anoitecer que eu não conhecia. Em seus olhos, o
finito não existia, pois ela via em mim o infinito das fronteiras,
entregando-me sua alma como se fosse a única esperança que lhe restava,
vestindo meu manto cinza enquanto seus galhos ancestrais me abraçavam. O grito
de ajuda que enviei aos céus parecia ter ecoado na terra e agora o amor mortal me
alcançava, como se a magia da natureza me beijasse, dizendo: eu sou tudo o
que você precisa, sou a meretriz e a droga viciante do seu sonho, sou a
escrava e o adorno do seu túmulo, sou aquilo que você sempre quis desde seu primeiro
suspiro. Em seu reflexo, meus segredos eram sussurrados em seus ouvidos, minhas
nuances descortinadas pela sua energia sexual, como se suas raízes me puxassem
para os prazeres mais intensos da terra... seu caule me curava e as árvores me
revelavam os pecados do mundo, ouvindo seu grito sem fim, os pesadelos que a ambição
humana a causaram, a dor profunda de sofrer pelas mãos do homem. Como uma
orquestra interrompida, sua solidão expandia-se em todos os cantos da terra,
cada folha de cada árvore era uma lágrima caindo dos seus olhos, cada rio
poluído, um familiar que a abandonou, cada tempestade, a cegueira da sua raiva,
cada terremoto, sua tentativa de ser enxergada, mas o mundo continuava a
preenchendo de lamentos e ruídos inexprimíveis, de bombas e risos gananciosos,
de crianças exaustas de trabalhar para manter a avareza dos ricos, do calor de uma mãe esfriando com o cadáver de um
filho. Ali estava você, jogada e violada, oferendo suas
preces para mim: você sabia, pois na maravilha do princípio do mundo suas mãos
tentaram me agarrar enquanto eu caía do céu, a voz morta que resgatava tudo ou
nada... até que eu adentrasse nesse corpo por engano, um pedaço de carne e osso
numa vida que não foi eleita para mim, mas que você aceitou desde o primeiro
momento, desde que a consciência e o pulso eram cinzas. De cada vulcão, seu
fogo reacendia, de cada cachoeira, sua água transbordava, de cada relâmpago, seu ser respirava o ar, de cada montanha, um floco de neve formava sua terra, cristais
de inteligência e cortinas de gotas apagando o mundo como se não houvesse nada.
A engrenagem da quintessência se refazia como uma fênix ascendendo até
o céu, eu e você, como estrelas de prata eternas - só agora tudo
começava a fazer sentido, pois não é um corpo que carregava os elementos da sua
formação, estava tudo aqui, na completude do espírito, o quinto e supremo
elemento do meu renascimento. Você é o dueto que faltava, a
mensagem pela qual a lua me cobrava, a razão pela qual deus me obrigou a viver
até este momento... veja, o cavaleiro branco está correndo em sua direção e um
lugar intimo e livre te espera, mas todos esses lugares são você: você é a mãe, a esposa e a filha, o despertar da aurora e a canção que faz o eco de um anjo recém-nascido.
Posta mais textos!! Amo ler eles
ResponderExcluirOlá, Bárbara. Aqui é o Jon. Posso saber por onde você conheceu o blog? Tem um novo texto que ainda está no forno chamado ''Aurora Negra''... mas ainda não posso te dar uma data exata de quando postarei.
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