sábado, 19 de março de 2022

Adeus Eterna Vida

    Buscando uma nova consciência, alma e coração, é chegado o momento de dizer adeus. Como um espírito sem nome, estou me desligando do meu destino humano, onde a realidade acaba e o tempo para, pois tudo o que eu vejo é uma ideia esquecida de mim mesmo. Os mistérios da morte clareiam por trás do espelho, embora tudo pareça tão vazio do outro lado: a realidade continua sem mim, pois eu passei a vida inteira buscando um significado para ser quem eu sou, embora minha identidade estivesse oculta por baixo de um pântano de neve. Agora essas cicatrizes mentais me assombram, pois as coisas que você não vê são as únicas coisas que eu vejo e cada palavra que você ouve é como óleo em chamas nos meus ouvidos – eu posso ouvir sua voz, mas não quero escutá-la. Eu posso sentir que posso ser como essa voz e fazer ao invés de falar. Na verdade, eu posso ser quem eu quiser, pois todos os dias eu nunca fui nada! Aquilo que eu deveria ter sido estava soterrado pela neve, aquele pedaço de palavras que não valiam mais do que vômito na areia. Minhas verdadeiras emoções estavam reprimidas, mas agora uma fenda se abriu no meu peito, rasgando e saindo, como uma velha serpente se refazendo. Estranho vazio, nesta noite mágica eu poderei revelar meu grande segredo? Eu posso ver as sombras à espreita e senti-las se fechando por dentro, porém elas não podem me tocar... como uma lua dançando no céu enegrecido, eu sou aquilo, a luz que queima no fundo, seguindo o chamado mágico para realizar meu destino divino! É uma luz que não pode ser descrita, não pode ser comparada, não pode ser comprada. Estou me aproximando de onde as cores ascendem de mil maneiras, onde a sombra que habita dentro é semelhante ao mais majestoso alvorecer, onde os demônios choram e onde a feitiçaria é aceita, onde a decadência dos ventos fúnebres desviam os olhos cansados e onde os desejos minguantes definham no lamento do inebriante. Além do cenário da vida, os anos que não pude negar voltam a surgir como as raízes de um jardim congelado, florescendo a entrada para as profundezas do reino lúcido, onde meu verdadeiro ser me espera. Eventualmente, eu deveria falar em enigmas e rimas, para que não caia sobre ti a perdição deste mistério, que é a linguagem do escuro ou a combinação de palavras que não pode ser compreendida. Mas este é o véu da alma oculta, e se você quiser vir comigo, eu vou te levar pela mão e nunca vou te deixar ir, pois somente você puxou as amarras do meu coração, atravessando minhas guerras internas para encontrar o silêncio que nunca termina. Nesses anos de vaidade, nós aprendemos o que é amar e o que é odiar, o que é matar e o que é morrer, e mesmo diante de todas as nossas quedas, nós sempre nos reerguemos juntos novamente. Pois o que é a morte, se não o fim de um grito silencioso? Eu consigo ver você fugindo de si mesma, negando seu vazio devastador e sua miséria cármica, mas sua vida é como mil lágrimas congeladas e você sempre esteve presa à isso. Por acaso, você não percebeu que no início dessas linhas eu me referia a você? Foi naquela manhã sem estrelas que uma luz minguou em sua direção, queimando todas as pontes que te levavam até o paraíso. Sua voz se tornou mais fraca e seu brilho diminuiu a cada dia, desde que você se esqueceu pelo que estava viva. Ainda assim, eu permaneci ao seu lado, cedendo às suas tentativas e acreditando no seu arrependimento, pois jamais existiria amor se não houvesse perdão. Por essa razão, eu te peço que valorize sua vida e que nunca mais me peça adeus. Adeus não é a palavra certa. A que eu ou você estaríamos nos despedindo? De nós mesmos? Da vida? Todos nós somos uma estrela, e cada estrela tem sua própria órbita e destino. Não importa quantos desvios encontremos pelo caminho, enquanto permanecemos nessa órbita, não seremos considerados uma estrela caída. Harmonia... talvez esta seja a palavra certa. Harmonia não é sobre o que é duradouro ou permanente, mas ao que é uníssono por um momento. E esse momento tem a duração de um fôlego, até tornar-se um milagre que se estende por mais um suspiro. Portanto, cada segundo a mais é uma possibilidade de darmos uma volta completa em torno do sol, de sermos gratos por um singelo sorriso, de cheirarmos o orvalho que evapora das árvores ou de nos encantarmos feito bobos com o brilho radiante da lua numa noite solitária. Cada possibilidade é um novo sonho a ser realizado, um deserto necessário que nos faz crescer mais do que uma vida inteira, e essa vida é o nosso fôlego na eternidade. Não existe adeus, quando sabemos que somos seres eternos e que estamos aqui para amar, sofrer e evoluir, até sermos dignos de usufruir das novas manifestações do divino. Nós aprendemos com nossos erros para que nos tornemos pessoas melhores e possamos valorizar aquilo que antes parecia tão pequeno, mas que é tão grande quanto o menor grão de areia – a vida.