sábado, 23 de setembro de 2023

Os Sinos da Outra Terra

      Quando as nuvens do céu param de vagar e os pássaros se recusam a cantar, cada segundo me aproxima do sol eterno, eu vejo as flores queimando na grama quente, um mundo inteiro de amor e palavras tornando-se um lago de fogo e enxofre. Eu me cego com a cor avermelhada que invade as estrelas, línguas de fogo lambendo mundos, minha pele está queimando... não há mais noite, nem escuridão, pois a luz mostrou sua verdadeira intenção, sua fonte ardente finalmente renasce! Agora uma multidão de lagartos e homens afeminados saúdam seu retorno, como uma estrela escura que estava oculta, exausta e faminta entre mundos, sua graça desfalece com aplausos secos, dançando entre desejos mundanos e buscando acender a chama de um passado nunca esquecido. Ali eu estava, um estranho entre rainhas dragões e mulheres que se amavam, apenas para assistir seu glorioso espetáculo. A frieza te cercava e os quadris não se moviam, ainda assim, você invadia as sombras e rodopiava sobre um verde sombreado de anil, tentando desesperadamente fazer com que enxergassem seu brilho, um brilho mudo e atemporal, como um beijo que desaparece na memória. Mas naquela noite o sino tocava alto, vestida sensualmente com uma capa e coroa de penas negras, você esperava voar além do véu, ninguém seria capaz de impedir que seu sonho voltasse a ser real, até sua sagrada mãe apoiava sua ascensão! Lá eu observava como uma serpente que se rastejava de cima para baixo, enquanto você inutilmente fugia do meu olhar. Eu percebi quando você tentou me tocar quando passei a um centímetro de distância na sua frente, mas lutava contra isso, você não podia ceder nem um centímetro da sua atenção, não para mim... até o momento quando você falou com um homem mais velho – um senhor que acreditei ser seu pai – e olhou desconfiada para mim, pousando diretamente na minha direção. Nossos olhares finalmente se cruzaram e conversamos por dois singelos minutos, mesmo que você tenha recusado meu abraço! Esperando o amanhecer, eu tentava lembrar o que estava fazendo ali, mas parecia que algo me perseguia, uma sensação e um estranho silêncio, como um último aviso, um último momento que eu precisava assistir, e mesmo quando eu consegui descolar uma carona para casa, a melodia assustadora não permitiu que eu fosse, ela me manteu preso nas ruas e me fez voltar para dentro. Naquele momento, eu sentia que estava em um lugar onde meu irmão costumava frequentar, mas algo estava errado... a maioria já havia partido e a pista de dança se abria, tudo estava em câmera lenta e tive que me apoiar sobre um pilar depois de ter ingerido mais álcool do que meu corpo conseguia suportar, e foi quando aconteceu... como um sonho febril e laranja, duas mulheres se agarraram na minha frente e uma delas parecia ser especial para você. Suas asas rodopiaram em minha direção e tão próximo à nós, eu achei que você cairia nos meus braços, mas você apenas me olhou e deu um sorriso, parando diante delas: foi quando eu pude ouvir os sinos e vi o espelho da vida, a alma que queimava dentro de mim ardendo em você... era o frio e a perdição, o inferno e a vergonha, e antes que o primeiro orvalho da manhã suspirasse ou o ar mais quente soprasse através dos meus olhos, eu pude ver, a menos de um palmo de distância, você mesclando-se entre elas e um intenso beijo triplo evaporando... trancado em um terno e doce espinho, eu agora entendia o sinal e toda pressão sombria que se acendeu nos dias anteriores, os meses paralisados, os anos perdidos, os muros altos que cobriam o céu... tudo tornou-se claro como uma primavera se expandindo, as flores inocentes me atravessaram e você foi a última delas. A alma assassina finalmente foi liberta e entregue a você, não por que o amor é falho, tão pouco pela sua escolha sexual, mas por que eu sabia que nenhum arrependimento tardio poderia ser capaz de mudar as balanças do destino, os servos e os figurantes, eles estavam ali por uma razão, e o que quer que eu tivesse feito não poderia mudar isso. Eu amaria poder sorrir de volta e ouvir as próximas canções do seu renascimento, mas a graça que a vida nos concede é passageira, o sentimento sempre transcende um último encontro para que todas as maravilhas continuem na manhã azul da aurora, e sob seu brilho dourado, flocos de neves brilhantes.