quinta-feira, 9 de setembro de 2021

No Vale das Flores Mortas

    Longe de casa como os sons distantes das águas, estou correndo no que deveria ser minha liberdade, mas farto das pessoas e do pequeno espaço onde vivo, a liberdade, por fim, tornou-se minha segunda prisão. Todas as grandes planícies agora são iluminadas pelo fogo, as montanhas nebulosas tornaram-se morada de corvos, as ruas atraem pensamentos de que eu não pertenço a este lugar. Meus olhos estão doendo pelo esforço de olhar, dia após dia, o que costumava ser belo, em ouvir as palavras faladas de uma conversa sincera, porém a transpiração está drenando minha mente, essa forma noturna de substância como um pastor guiando as ovelhas enquanto a risada dos deuses  é ouvida. Em meu longo silêncio, nenhuma lágrima se esforça para cair, pois enquanto observo o sol se pondo, eu tento encontrar uma razão, um sentimento genuíno para continuar aqui – essa piscina de sangue e miolos – que é minha mente, lar e coração. É uma vergonha retornar e continuar sendo o mesmo homem sorridente que esconde, por trás das nuances do véu mental, as mãos no volante do que é irreal. Pense sobre isso... se olhares pudessem matar, a maneira como me sinto seria transmitida pelos meus olhos? São ilusões nascidas no ar, mas que concretizamos como verdadeiras, como o puro e doce núcleo de uma flor de lótus, emanando sua divindade, mas sabendo que pode ser arrancada do solo a qualquer momento. É assim que eu me sinto, uma espécie quente de cor com sentimentos mortos, embora esta sensação assemelhe-se à um câncer, deteriorando o que algum dia foi real para tornar-se um macio cobertor de nada. Dói, porque eu quero que você permaneça, e eu sei que você pagaria todos os prazeres da vida apenas para me ter ao seu lado, mas entre os dias que desaparecem ao amanhecer, nós estamos chegando perto de um vale, uma saída para os perdidos, cegos para a ameaça e longe de tudo e de todos, embora você seja tudo e todos! Oh, minha intensa negritude, você está em toda parte! Eu não consigo desviar o olhar, pois as memórias nunca desaparecem e você sempre está onde quer que eu esteja. Você é o chão que eu piso, as paredes que eu toco, o ar que eu respiro, a paisagem da janela quando a noite clareia! Se você atravessasse minha alma esta noite, então entenderia que todas as surpresas da sua vida já estão prontas, e entre as rachaduras há apenas o preenchimento do que restou do nosso amor. Você drena minha força vital com suas incansáveis fobias sensuais, porém quando o líquido prata finalmente se espalha, eu percebo que um pedaço da minha alma está faltando, pois da última vez que a vi, mediante o terceiro olho, eu estava irreconhecível! Eu estou entrando em um mundo onde nenhuma outra alma se arriscaria a descer: as negras escadas do seu ser, embora para alcançar a gloriosa luz que queima no seu interior, tão almejada pela morte... ela só queira brincar e manipular o que você pensa, pois o espiritismo é o véu que cobre seus olhos. Dentro, abismalmente, é onde está a tão idolatrada quintessência, como um feto ainda recém-nascido, esperando seu despertar para destruir toda vergonha do seu passado! Somos loucos em nosso próprio entendimento, mas dormentes nessa agonia da realidade, somente nós podemos nos afogar nos sonhos do destino para que da morte reavivemos. Estes são os meus sinais do amor: eles se parecem muito com as linhas das minhas mãos, pois quando digo que estou preso a você, é porque estamos muito perto de alcançar a luz do favorecimento. Um presente da alma da ternura, onde lágrimas de ficção se tornam realidade, e com muitas vidas virando as páginas, eu vejo o dia prometido – você vai ver, você vai ver quando ela começar a se formar, quando começar a chamar pelo seu nome! Agora você pode ver, pois nós estamos envelhecendo juntos, mas tentados pelo cheiro do tempo, nós possuímos a injeção da eternidade, sabendo que valerá a pena quando todos os rostos tornarem-se pedra e sorrirmos para a face da morte.

terça-feira, 27 de abril de 2021

A Beleza do Fundo

    À beira do infinito e onde as estrelas nascem, uma silhueta negra se faz acima das nuvens de prata, anunciando sua chegada como um segundo sol nascendo no horizonte, escurecendo os prados do universo diante da mística luz que emana do seu interior. Traços tão obscuros, sua beleza repele as leis do tempo, com olhos faiscantes numa fantasia de gigantes luzes espectrais. Mas o que a move por dentro é o que move tudo ao seu redor, levando-a por uma escada dourada para o lugar onde você sempre quis alcançar, embora abaixo de si haja apenas um palco de sonhadores olhando para um sol estranho. Veja como as folhas descansam aos seus pés, você consegue sentir-se plena onde está? Consegue suportar a luz que queima na sua pele? Talvez você tenha se curvado antes do vento, quando deveria ter esperado tocar a melodia natural da vida. Agora nuvens raivosas te cercam e você nunca se sente segura no topo, pois os holofotes desapareceram, e todos sabem que sua ascensão foi construída por cima das ruínas do primeiro sol. No entanto, imagine que nós estejamos no meio de um tabuleiro de xadrez: quando uma rainha é sacrificada para capturar o rei, quem é que vence, quando o rei já antecipou sua morte? O caminho do rei poderia está incompleto, mas antes da sua última jogada, ele para de fugir e se aproxima de quem o atacou, pois sabe que mantendo os seus vivos é que lhe dará uma chance de xeque-mate. Em outras palavras, você não pode ocupar uma casa que não foi conquistada pela sua consciência, pois assim como um rio corre fácil quando os vales estão dormindo, a clareza de um rastro solitário na areia poderá guiá-lo novamente até o oceano. Grande mistério, porém extrema conclusão, de que o luar esconde a rima em dias longínquos de outrora, quando as falsas miragens ainda escondiam a face da morte! Em esferas distantes do destino, todas as noites tranquilas se tornam um peso em seus ombros, pois você nunca esquecerá de todo seu esforço para sair das trevas ao infinito de luz, onde os sonhos estavam mais próximos da realidade e você não precisava sangrar para conquistar uma memória viva. Um olhar pungente de profunda tristeza, vestindo-se com um veludo de culpas e ignorando a verdade que sempre parava para ouvir num impasse de sentimentos que aliviavam sua dor e arrependimento. A força motriz dentro de você não se deixou levar pela esperança, mas pela rebeldia do amor, que nasce do egoísmo e da vaidade. Pois de que vale se vestir da imagem mais bonita, quando quem está ao seu lado está feio e moribundo? Você esqueceu que quem te acompanha é seu maior reflexo? O orgulho vem sempre antes da queda, um caminho em círculos que nunca nos permite fugir do que mais tememos. Para que sejamos felizes e sua auréola brilhe com o esplendor da quintessência, você não pode destruir o que te forma, pois tudo o que faz parte de mim também faz parte de você. Destruindo-me, você se apaga, pois a prova da paciência é o que guarda nosso eterno amanhecer. A essência da vida sempre nos levará em um fascinante encontro com a beleza do nosso interior, um perfume ardente em nossos espíritos vivendo a pureza do que sentimos, onde cada beijo estremece o silêncio e todo equilíbrio da vida. À beira do abismo e onde as estrelas morrem, a camuflagem deve ser rasgada, e os quatro elementos que te formam preservados como as engrenagens de um relógio transcendente, pois os pensamentos que nos habitam devem nos manter unidos como uma melodia em uníssono, como a música divina que nossas vontades expressam e nossas almas cantam durante as noites eternas.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Aurossência - A Escura Face do Amor

     Escrito vermelho na parede, eu conto cada palavra como estrelas e luas sangrando no céu, mantendo minha cabeça erguida enquanto continuo me apegando fortemente a esta sensação, pois como uma cobra que fala através de mim, estas palavras são sussurradas num poço cármico de sentimentos que transcendem a razão. Eu sei que você sabe, essa corrente abismal não está mais presa ao meu corpo, mas profundamente ao que restou da minha alma, uma sombra que eu não posso mais sentir, pois dentro dessas paredes de pele eu desfaleço. Eu sei que não é tarde demais e que ainda há amanhã, mas tente fechar seus olhos e sonhar com uma visão sentimental, uma visão que eu poderia sentir e recusar simplesmente desaparecer. Minha mente está doente e cansada de uma maneira difícil de admitir, por que como uma mancha que eu não posso retirar dos olhos, todas as cores da vida tornaram-se como uma cena de dois amantes brincando em câmera lenta com o prazer fora de suas mentes para preencher o vazio existencial: seus olhos são como a sombra do sol, entregando-se à impureza da imoralidade, enquanto recebem um abraço frio da noite até que não reste nada além de uma casca oca e exausta. Esta é a melhor descrição para o diabo negro, aquele que não importa quem você seja, haverá sempre uma fruta saborosa para derreter seus olhos e abrir involuntariamente sua boca. Não há como fugir disso, pois o inferno não irá congelar para ver você atravessar – nós somos o próprio gatilho em nossas cabeças, o próprio uísque em nossas veias, o próprio companheiro no escuro! Isso não te faz pensar que o tal diabo se assemelhe ao amor e ao quanto nós nos submetemos a ele? Pois somente o amor preenche esse espaço impreenchível, esse buraco que foi cavado pelo nosso próprio ego de achar que somos especiais. Como um homem que aprende aceitar as recompensas pequenas pela sua escravidão salarial, do mesmo modo, a paixão nos cega para aceitar as migalhas do amor, aceitando as atitudes de uma pessoa que vai contra nossos valores e princípios apenas para manter o fiapo da chama que a ilusão acende. Isso acontece por que estamos comprometidos com nossos papéis de subserviência, vivendo sob o estresse enquanto negamos a realidade da miséria. É muito semelhante a um homem que se cala diante da inevitabilidade ou da retificação da sociedade: o bem comum é enfiado goela abaixo, enquanto o inimigo comum é o bom senso! Em outras palavras, a figura de uma sala escura vale mais do que conhecer seu vazio quando a luz é acesa. Esta verdade que todos esquecem corre sempre fora dos trilhos como sonhos quebrados que reaparecem de vez em quando, porém quando finalmente acordamos, nos perguntamos o que estamos fazendo aqui e por que nossa vida parece tão sem sentido! Dê-me, então, um minuto para explicar, antes de achar que estou me referindo a você. Eu estou pendurado em um momento, um vácuo do tempo onde nada me satisfaz, por que algo se perdeu no meio do caminho, uma cicatriz que não se cura como o corte na minha mão que fica mais profundo à medida que o sangue flui... o mesmo sangue que espalhei pelas paredes da sua casa. Você entende o que é tentar assassinar o amor para fazer todas essas vozes se calarem? Foi exatamente o que eu fiz, pagando o preço de sangue, mas eu jamais faria algum mal a você... quando alma da morte guiou-se em sua direção, a força do amor me parou, a mesma força que eu tentava destruir! Ali eu descobri que o que eu sinto por você vai além da minha própria vontade e do meu entendimento, pois não é algo que eu possa simplesmente tomar o controle. Daqui a dez anos talvez eu esteja satisfeito quando olhar para trás, por que os dez anos que joguei fora estão sendo reconstruídos por você. Anos a partir de agora valem mais do que minha existência inteira, pois em algum momento eu cansei de esperar, cansei de viver pelo que não importa. Agora eu sei que existe um lugar que eu não posso tocar, uma face escura que é escolhida pela dor dentro de mim. Da influência do meu coração, eu acredito que isto seja real, eu aceito que você é a escolhida! Pela voz da alma divina e por todo sacrifício das perdas que tivemos, eu te saúdo com todo meu amor, desejo e resiliência, que a partir de hoje o vinho se faça novo! Seja bem-vinda à sua casa, minha negra aurora e essência!

segunda-feira, 8 de março de 2021

Doce Liberdade

     Vagando sobre minha cabeça, as nuvens sedosas do sono preenchem minha mente como um céu que antecipa o dilúvio, pois quando abandonei minha liberdade, meu mundo cinza tornou-se um compromisso de padrões que me levaram de volta ao aprisionamento. Eu sei que não vai durar, mas não há nada que eu possa fazer para reorganizar meu passado, por que a dúvida que desperdiça o que é vivido tropeça nos dias que não valem mais do que um pensamento morto. Houve meses em que perdi o contato com o mundo e suas tristezas, como um véu que caia sobre minha consciência, mas sempre que eu retorno para este lugar, tudo volta à tona, pois o mundo não pode se esconder de mim como eu me escondo dele. Agora eu olho pela janela e a luz desaparece sem deixar vestígios, por que as montanhas que eu via tornaram-se prédios, enquanto o frio que eu sentia tornou-se uma sombra que tenta queimar o meu rosto. É como se eu esquecesse de quem eu sou, vendo pessoas estranhas vagando pela minha casa sem nenhuma vontade de conversar, pois foram as mesmas pessoas que me observaram durante anos sucumbindo no calabouço da minha mente. Eu achei que era surpreendente dizer adeus aos meus meus amigos e familiares, mas de repente eu estou aqui como um caroço que nunca se desgruda da garganta. Não é de se admirar que minhas dores confundam suas mentes e corações, por que nem sempre o que é expresso pode ser ouvido com clareza por quem escuta com os olhos. Cada palavra que me escapa no ar, proclamando amplamente meus reflexos maçantes que são impressos em uma frase, vão além do que eu escrevo como um sussurro de um homem quando sua amante já adormeceu. Em uma tela eu poderia ver mil peças caindo, embora a expressão do meu rosto seja como de um novo recomeço, mas quantas vezes eu já tentei recomeçar até acabar flutuando no espaço com minhas peças girando no chão? Digamos que houvesse um motivo, um desejo divino para me trazer de volta até aqui – a princípio, um compromisso inofensivo, pois nunca entendemos os mistérios do alto. Eu assistiria o mundo batendo dentro de um liquidificador, enquanto minha mente se expandia por corredores infinitos. Então começariam as cobranças, saudando o amanhecer sem ganhar nenhuma recompensa pelo dia anterior, por que o futuro parece sempre brilhante quando achamos que somos capazes, até perceber que o sucesso que mantém meu espírito navegando está naufragado em uma sensação de impotência, de não compreender o sentido ou para onde todas as minhas conquistas me levarão, afinal não estamos todos tentando chegar àquele lugar ou obter aquilo que não está ao nosso alcance? Assim, através destes ventos ciumentos, nós vagamos em sintonia com o desejo universal, onde cada recompensa é colocada por cima de um piso de mármore perfeito. Nós aprendemos a ser pessoas que desejam alguma coisa, enquanto estamos sempre nos perdendo por dentro, olhando para a baía rasa iluminada pela lua, ao invés de ir além das areias frias e abrasivas do oceano. Como o sol desaparecendo ao anoitecer, meu rosto está cansado e indiferente, vagando como um fantasma vivo para agradar aqueles que eu amo. Porém aos poucos eu estou aprendendo o que deveria valorizar mais, roubando um pouco de alegria das pequenas coisas e fugindo da minha cabeça como uma pena soprada ao entardecer, pois às vezes estou desempenhando um papel sem saber o porquê o desempenho. Deus sabe que eu sempre canto as palavras que eu gostaria de gritar, mas talvez seja inútil eu falar sobre o que sempre tenho dito, porquanto dentro do meu próprio espaço há uma fagulha de fios soltos e emaranhados com uma visão pela metade causada pelo isolamento social. Ainda assim, eu sei que minha alma aprisionada me serviu bem, mas agora eu preciso quebrar as paredes desta célula escurecida e preencher minha vida com meu real propósito. Através do que queima e distorce meu tempo, essa confissão foi sussurrada suavemente para você, enquanto meu espírito acorda de todos os seus sonhos efêmeros, pois mesmo agora algo ainda permanece, e embora o mundo esteja mudando, por dentro eu ainda sou o mesmo.

Cronologia