quinta-feira, 20 de julho de 2017

Abdução

     Mais rápido do que a presença do ceifeiro, minha vida fútil está a ponto de terminar, mas para matar a arte é realizada pela lâmina. Eu abro a porta do terror e ouço a multidão exigindo por um herói, as lendas nascendo como sussurros que preenchem o ar, em busca de glória e fama, enquanto o olho do mal brilha no escuro. Com as mãos agarradas no crucifixo, a luz da minha tocha lança sombras na parede, vendo uma criatura sem nome esperando pelo falecimento da raça profana. A noite fria e enluarada não consegue mais esconder o seu sangue negro escorrendo pela minha face, pois como uma espada de fumo me cortando, o negro desce e me separa em um espelho fragmentado, ouvindo sons frágeis de ódio ecoando na minha mente perversa. À deriva nas sombras, o focinho da madrugada funga seu vento congelante, sentindo meu crânio condensar as mensagens do mundo vindouro: a porta do além está aberta, mas quando olho para trás os lapsos do tempo revelam outros mundos secretos, puxando minha alma por um vento repentino que aumenta as chamas do meu testamento férreo. Então eu me pergunto, com esta faca envenenada em minhas costas, minha vida está por um triz? O toque do pecado sempre é doce como os sonhos que se tornam realidade, mas eu vejo tantos pássaros voando por cima de mim e penso em quantas coisas se passaram em minha direção sem que eu enxergasse o quão maravilhosa é a criação, pois cada passo é uma dança na borda da mandíbula gelada, uma realidade à flor da pele que sentimos quando estamos despertos. Eu tenho saudade do calor frio que corre pelas veias quando o perigo se aproxima, cada polegada encharcada de sangue que me arrepia através da interminável sensação de que o pesadelo nunca termina. Mas na manhã seguinte o sol acorda silenciosamente como um exemplo brilhante para todos, transformando o céu nublado em olhos observadores, uma nuvem de neblina lentamente acalmando meu coração e afastando a escuridão, enquanto tudo ainda está dormindo. Até os vermes que comem meu rosto se escondem nos escombros para que a luz realinhe minhas feições como um sopro gelado rasgando a podridão da minha decadência. O meu peito esquenta e as lágrimas quentes jorram em minha face sem permissão, afinal tudo parecia acabado, mas a própria criação me trouxe de volta à fonte da consciência, onde os pensamentos são reorganizados para encontrar uma solução do problema. Portanto, por que eu desistiria de viver, se a própria vida deseja que eu viva?  Assim, não importa quantos olhos escuros estejam mirados em mim, nem quantos predadores desejem o meu sangue fresco, eu posso correr para qualquer lugar e ninguém poderá me impedir, pois a única coisa que me separa da verdadeira felicidade é o medo de viver intensamente. Quando as tempestades da loucura chegam gritando no ar, uma erupção vociferante tenta destroçar os portões da mente, porém quanto mais consciente da minha dor eu estiver, menos chances eu terei de ser penetrado pelo furor da chama do desespero, por que eu sinto que o circulo das escolhas está delimitado por um sinal, uma união de almas ensombrecendo a vela acesa, numa profundidade subaquática que se delineia na cera para incinerar o combustível que alimenta a vida. Ora, talvez você que está lendo nunca consiga entender a razão pela qual eu escrevo estas palavras, mas quero que saiba que quando eu as leio, elas me lembram de quem eu sou. Como um bobo se perdendo em suas risadas, eu atravesso o véu destas linhas para encontrar um lugar secreto no vento através dos limites do espaço-tempo, onde verdadeiro e falso são somente os lados invisíveis de uma mesma verdade voando sobre minha cabeça como um tormento forte, para tocar na magia que ilumina o momento e ouvir o significado da voz que sussurra o meu nome.