sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Lamento do Amante

    Uma fraca luz se movia suavemente por um campo coberto pela grama recém-nascida e ecoava seus gemidos de consolação, enchendo de tristeza os pássaros que lá sobrevoavam. Nos céus negros as nuvens abraçavam o silêncio vagando por cenários desolados, reunindo os poderes da lua gótica como estrelas que brilham num vale de relâmpagos, mas perdida era aquela que lamentava sob a árvore solitária por seu amado. Lá no fundo de mim, eu sabia que a encontraria ali, vendo o tempo chorar lento como uma lamentação, queimando meu coração preto com uma chama inspiradora que aliviava meu desejo por uma dolorosa aflição que crescia como um lânguido brilho lunar banhando minha pele com silenciosos ventos e canções suspirantes, ventos que estabelecem a sinistra doçura dos tempos cheios de magia, semeados com canções desconhecidas e arranjos melancólicos, em uma música hipnotizante e prefixa, isto é, a poesia do amante embriagado pelo triste som da sua perda. No ébrio da solidão eu já não temo os majestosos reinos da morte, pois penosamente na brisa da manhã a tranquilidade acaricia meu rosto como um manto de veludo, um sol ainda quente colorindo o céu, com prados brilhando numa luz dourada na véspera da morna voz do verão, em esmeraldas enfeitiçadas pela mordida da penumbra do anoitecer. É através desse lugar obscuro, o qual chamo de solidão, que as folhas vermelhas cobrem meu corpo e pintam com o gelo os tons decorativos da minha angústia, viajando pelos sonhos infindáveis onde um pássaro noturno canta seu lamento, voando numa chuva gentil de lágrimas que continuam a cair quando a noite chama pelo seu nome. É como uma má conexão entre os opostos, como a vida inteira sem você sob um canteiro de flores tentando alcançá-la com um sentimento sem limites nem regras, aliviado por que a inocência ainda está lá. Com amor ardente você iluminava meu céu como as chamas que lambem meu corpo, você se apaixonava sem se preocupar com o amanhã e atravessava anéis de diamantes com aparências ousadas, cantando nos festivais da noite e desfilando em seus lindos trajes reluzentes... até o momento em que o mundo virou as costas para você e deixou-me aproximar-se, acendendo este escuro amor secreto como um selo sobre o seu coração. Mas um coração vazio é sempre frio como pedra, como luzes de neon vagarosamente sombrias arrastando a aurora, você carregou toda minha alegria, apenas para ter em seus braços uma corrente de flores murchas, amores que nunca encontrarão a verdade sobre você ou conhecerão aquela que se esconde atrás de um sorriso tímido, não verão a luz que queima no seu olhar nem sentirão seu cheiro que abastece a noite. Do jeito que meu corpo vibra quando estou com você, diria que meu coração é errante, pois você é a coisa mais magnificamente linda que eu já amei neste mundo, o jeito como você me olha, me faz desejar você mais perto, quando você balança a cabeça para sorrir, eu desejo que a noite se torne manhã e brilhe como num sonho rosa, com cheiro de chuva distante e gosto de água térmica, movendo devagar pelas ondas e gargalhadas do vento, como o beijo de um homem cego, um silêncio repentino com seu rosto girando na poeira, esperando que o dia se vá. “Eu te amo”, diz os meus olhos negros perolados, “perdão”, diz a minha sombra num sussurro suave, permanecendo imóvel embaixo da profunda saudade enquanto as luzes se apagam e ouço a escuridão respirar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Descanso no Suicídio


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Por um longo tempo eu tive o sentimento de que você estava despertando meus sentidos, mas agora quando estou muito longe para conseguir pensar, eu continuo encontrando apenas a outra parte de mim.
Debilmente como alguém que assume o controle, a alma mestre está assinando com a mão egoísta o contrato para possuir minha mente, inteira.
Olhe para as sombras nas paredes, o sopro que foge para fora do candelabro queimando até as cinzas, assim como essa vela eu estou perdendo minha vida.
Nos dias claros observei o nascer do sol e as cores que ele trazia, esperando pelo pássaro negro que era meu anjo por dentro, mas ele nunca retornou.
Assim, aqui estou, mas não posso explicar-me, pois penso que escrevi mil palavras e nenhuma delas poderia dizer o que eu sinto.
Durante a madrugada eu enxergo rosas pretas e folhas brancas, tão pálidas quanto seu rosto, e suas pétalas sobem à luz, desvanecendo profundamente em meus sonhos, balançando minhas memórias como a água gelada que corre em seus olhos.
Neste naufrágio, com minha alma tempestuosa possuída pela vontade de lhe encontrar, eu espalho sementes para desenrolar meu próprio desfecho.
Mas embora eu saiba que tudo isto seja em vão, o tempo passa e ainda estou respirando através dessa caverna sem a intervenção da luz.
Todos parecem tão distantes de mim agora, todo esse tempo eu estive me escondendo no escuro?
Minha alma se transformou em cinzas e o meu otimismo, em dor, desenhando a cortina com a lâmina nascente.
Quando a noite abraça a orla com suas mãos frias e escuras, ó, não se desespere, eu sou a tua luz na alegria e na tristeza, eu sou a tua fantasia, diz a alma mestre, cante por todos os amores que você perdeu, por todos os amigos em que você costumava confiar!
Na beleza de uma realidade distorcida, eu continuo dançando com as sombras em um caos tranquilo, vendo em meus olhos apenas o rígido pesar da obscuridade.”

domingo, 18 de janeiro de 2015

A Maldição do Paraíso


    Num retrato manchado uma chance de observar quem eu era pareceu ser a única paisagem à vista. O fundo da memória borrou todas aquelas luzes em excesso, uma coleção sem valor de esperanças e antigos anseios desaparecendo pelos cantos de um destino desvendado: um futuro onde não havia absolutamente nada. Por um instante pareceu que uma nuvem de amargura simpatizaria comigo, mas meus olhos não desgrudavam daquela imagem com a minha verdade pintada, conduzindo-me para desconhecidos sentimentos e sons, onde meu reflexo como pessoa já não era o que eu estava acostumado a ver. O retrato revelou os segredos do meu passado, mas eu não podia banir aquele fantasma estranho, vendo-me cair num abismo enquanto rostos felizes desapareciam e vozes silenciavam num lugar escuro onde eu não conhecia. Quando enxerguei-me desalmado e inclinado à destruição, também vi as boas razões da minha vida sendo arrancadas pelas raízes – um olhar lamentável além do medo e do terror, preso numa jaula e rendido no mais violento desequilíbrio, movendo-se sob a reação do meu próprio carretel a medita que me aproximava da borda inescapável. O amanhecer era como um véu que trazia consigo uma angústia queimando, derramando do céu a essência do remorso, lágrimas e tormentos, sem cicatrizar as feridas. Talvez eu sonhasse apenas com uma vida ao invés de uma simples sobrevivência, com o reconhecimento do meu trabalho, sem enxergar a luz do mundo que chega para as marionetes, pois qual a diferença quando mudamos o caminho que sustenta o começo? Eu sinto como se estivesse escorregando na confusão do esclarecimento interno do animal, imóvel, dentro da minha mente, enquanto fecho os meus olhos e o mundo da fantasia se despedaça, rasgando as costuras das escolhas que me levaram a este epílogo.
    Esta noite eu recebo o guardião da marca da besta com um “bem-vindo” caloroso, embrulhado em frieza, com o toque dos ventos refrescantes, vagando por lugares bonitos do meu passado. Nos bosques as mais antigas histórias voam entre os ecos da ventania, levando um pouco do cheiro e das vozes para cada árvore que carrega as memórias dos que passaram por ali, como as estrelas se escondendo do amanhecer, assim os ancestrais desaparecem deixando suas heranças. Assim como há muito tempo um deus foi sacrificado. Venham, corram amadas, a celebração já começou, tomem seus assentos nos melhores lugares e vejam como o herege queima, eu digo, ele sentirá a morte, chegando devagar e aos risos, quando as filhas do demônio cortarem o fio da sua vida com a foice severa. Olhem para as cinzas do que ele foi quando contou aquelas mentiras e quando seu último grito morreu, as chamas o consumiram. Enquanto falo, eu tremo por causa da ira de deus, para o meu deus – um sacrifício – sangue foi derramado, aprendendo a sabedoria proibida, onde mentes e estrelas se unem nos segredos da astronomia. A fúria em seus olhos são como tochas em minhas mãos, deixando o medo sobre a procissão sombria de cada ato cometido, e profundo é a tristeza dos seus gritos quando ecoam na brisa noturna. A verdade dói, mas o olho de deus brilha como um sinal escuro que enobrece a mente, sua respiração aquece o ar de inverno e sua ira cintila como uma punição para os pecadores. A luz da vela brilha palidamente quando as trevas acordam a besta, pois a demência sofrível está crescendo com um sabor amargo, eles estão chegando mais perto... você consegue sentir? Consegue ouvir os ecos dos que estão morrendo lentamente? Em sonhos eu vi coisas que acontecerão: cadáveres no chão, crianças chocando em explosões de sangue, a besta feroz nadando através dos rios e arrastando a humanidade, mas tudo isso já não foi escrito no livro do senhor demônio? O que estou tentando dizer é que um dos capítulos mais escuros do homem está apenas começando, uma época onde a paisagem mostrará cinzas como o retrato da minha alma, nuvens escuras que escondem os ocultos olhos do poderoso deus. Coisas, ainda não vistas pelos olhos humanos, oh, minha vida, meu sangue, minhas lágrimas, minha dor, de que servirão todas essas coisas quando o fogo divino julgar o mundo? A trombeta soará e a tempestade descerá dos céus como os sinos que tocam os gritos da geada, o solo, vermelho como folhas de outono, se tornará em carne e ferro... a vibração das aves se tornará um com os sussurros dos moribundos, e dos milhares de nós que haviam, restará apenas os que tomaram a mãe morte como noiva, os risos ecoarão de jubilo na escuridão! Quieto, quieto, alma assassina, o que você está dizendo? Essas mensagens de morte e ressurreição já não nos aterrorizam. Ao soar da meia-noite tudo isso passará e um brilho dourado onde estrelas cintilam vigorosamente a celebração da nova era, será aceso para todos verem e ouvirem a doce melodia da morte de deus! O murmúrio crescerá até que a raiva se torne um cenário, centenas de tochas acenderão junto à sua luz silhueta e todas as pessoas da terra farão um funeral nesta praça da meia-noite. Quando as duas luas se unirem, lágrimas silenciosas cairão e a chuva vermelha despertará a criança da besta, dormindo. Não haverá punição, nem fogo, nem peste, nem dor, apenas uma oração... o choro das crianças perdendo o próprio pai, tornando o mundo liberto por suas frias emoções, em uma ilusão que vivíamos para livrar a mente das trevas, nosso sangue e lágrima fluindo através do filho de deus. Enquanto entardece, a noite acorda e a terra é pesarosamente envolvida em silêncio, vendo a beleza de um novo século. Com o tempo a duvida desaparecerá e teremos uma fraca reflexão do universo que nos rodeia.

domingo, 11 de janeiro de 2015

O Festim da Mestiça


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Os raios vermelhos e púrpuras arranham os céus como dedos crescendo em diferentes direções, movendo-se incessantemente através da noite esperada.
Sob um luar de nuvens violetas dançamos envoltos de vestes nobres com pedras de ametista e sardônico, com máscaras escondendo nossas expressões de amor, ódio e esperança.
Mas para iniciar o ritual, seu corpo será despido como no dia do seu nome, deitada com braços abertos e pernas estendidas, com o vinho do cálice escorrendo sobre seu corpo.
Nos quatro cantos você será amarrada, mas seus gritos serão de luxúria e desejo, pois você será o meu altar.
Nossos corpos se moverão numa energia sinistra e vigiada pela sombra do senhor da noite, em prazeres doces como o gosto do suor ou nos banhos de êxtase da sua presença fria...
Com um único golpe o punhal descerá pelas falésias do seu útero de sangue, porém você não sentirá dor alguma quando o beijo da escuridão cobrir sua mente.
Seus olhos serão abertos para ver minha verdadeira aparência e as correntes do amor não te impedirão de me tocar, saciando sua vontade enquanto a lua cheia ilumina seus seios entregues ao desejo da minha língua.
Aos poucos sua pele será desvelada e sua carne afundada no lago fumegante, mas apenas os seus ossos flutuarão.
Nas profundezas das águas eu estarei com você, prendendo nossas respirações no interior das densas trevas enquanto seus olhos verdes escurecem como opalas negras rachadas.
Seremos sugados para o mais fundo dos sentimentos, onde as vendas dos teus olhos serão arrancadas, vendo-me como realmente sou.
Da minha semente nascerá uma criança fantasmagórica, que é aquela que vive em seu ventre, dizendo: esta noite fui libertada!
E, na calada da primeira luz que rasga os céus, nós veremos juntos a intensa aurora nascer.
Seu nome será um rugido aos meus ouvidos e uma nuvem negra que paira sobre a minha alma.”

sábado, 10 de janeiro de 2015

Herdando o Vazio Gelado


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Frias são as promessas que fiz ao teu espírito, pois é com ele que eu converso na madrugada.
Os teus olhos carnais não veem, mas dentro de você há uma criança encarcerada pedindo para ver um último amanhecer.
Os demônios que você tanto despreza, são os seus guias, e a garota que você não ouve chorar, são os seus pensamentos ocultos.
A sua mente foi extirpada por chuvas malignas que cegaram a sua visão, fazendo com que sua essência fosse dizimada e lançada fora como um sentimento vazio por alguém.
Essa energia que te consome quando você se encontra consigo mesma, são os gritos de desespero, as vozes que sopram pelos templos lunares, onde reside a sua magnifica esfera branca do amor.
Mas para deixá-la você precisa saber como libertar-se daquilo que inutiliza sua espiritualidade e cessa o contrato com o seu colar sagrado, pois a chave para sua liberdade não está nela.
Entenda que existem elos espirituais que se desfazem quando escolhemos um caminho oposto àquele que nos foi destinado, mas o que é o destino, se não uma esperança ardente?
Você já parou para pensar por que eu continuo presente na sua vida?
Ou por que os mares não atravessam o limite das margens e os céus não permitem que o universo nos congele?
A verdade parece está sempre estampada diante dos nossos olhos, mas aquilo que vemos é uma ilusão dela, uma mentira que se faz de verdade.
Portanto o que digo não é o que quero dizer, e o que faço não é o que desejo fazer, são apenas distrações para o que realmente está sendo dito e feito.
Assim como uma tempestade chega sem avisar, assim são as palavras da alma assassina quando me são reveladas.
O sangue dela é o meu vinho e a sua voz, a canção das minhas noites...
Mas se isso é verdade, então por que me sinto tão vazio?”

Cronologia