domingo, 18 de janeiro de 2015

A Maldição do Paraíso


    Num retrato manchado uma chance de observar quem eu era pareceu ser a única paisagem à vista. O fundo da memória borrou todas aquelas luzes em excesso, uma coleção sem valor de esperanças e antigos anseios desaparecendo pelos cantos de um destino desvendado: um futuro onde não havia absolutamente nada. Por um instante pareceu que uma nuvem de amargura simpatizaria comigo, mas meus olhos não desgrudavam daquela imagem com a minha verdade pintada, conduzindo-me para desconhecidos sentimentos e sons, onde meu reflexo como pessoa já não era o que eu estava acostumado a ver. O retrato revelou os segredos do meu passado, mas eu não podia banir aquele fantasma estranho, vendo-me cair num abismo enquanto rostos felizes desapareciam e vozes silenciavam num lugar escuro onde eu não conhecia. Quando enxerguei-me desalmado e inclinado à destruição, também vi as boas razões da minha vida sendo arrancadas pelas raízes – um olhar lamentável além do medo e do terror, preso numa jaula e rendido no mais violento desequilíbrio, movendo-se sob a reação do meu próprio carretel a medita que me aproximava da borda inescapável. O amanhecer era como um véu que trazia consigo uma angústia queimando, derramando do céu a essência do remorso, lágrimas e tormentos, sem cicatrizar as feridas. Talvez eu sonhasse apenas com uma vida ao invés de uma simples sobrevivência, com o reconhecimento do meu trabalho, sem enxergar a luz do mundo que chega para as marionetes, pois qual a diferença quando mudamos o caminho que sustenta o começo? Eu sinto como se estivesse escorregando na confusão do esclarecimento interno do animal, imóvel, dentro da minha mente, enquanto fecho os meus olhos e o mundo da fantasia se despedaça, rasgando as costuras das escolhas que me levaram a este epílogo.
    Esta noite eu recebo o guardião da marca da besta com um “bem-vindo” caloroso, embrulhado em frieza, com o toque dos ventos refrescantes, vagando por lugares bonitos do meu passado. Nos bosques as mais antigas histórias voam entre os ecos da ventania, levando um pouco do cheiro e das vozes para cada árvore que carrega as memórias dos que passaram por ali, como as estrelas se escondendo do amanhecer, assim os ancestrais desaparecem deixando suas heranças. Assim como há muito tempo um deus foi sacrificado. Venham, corram amadas, a celebração já começou, tomem seus assentos nos melhores lugares e vejam como o herege queima, eu digo, ele sentirá a morte, chegando devagar e aos risos, quando as filhas do demônio cortarem o fio da sua vida com a foice severa. Olhem para as cinzas do que ele foi quando contou aquelas mentiras e quando seu último grito morreu, as chamas o consumiram. Enquanto falo, eu tremo por causa da ira de deus, para o meu deus – um sacrifício – sangue foi derramado, aprendendo a sabedoria proibida, onde mentes e estrelas se unem nos segredos da astronomia. A fúria em seus olhos são como tochas em minhas mãos, deixando o medo sobre a procissão sombria de cada ato cometido, e profundo é a tristeza dos seus gritos quando ecoam na brisa noturna. A verdade dói, mas o olho de deus brilha como um sinal escuro que enobrece a mente, sua respiração aquece o ar de inverno e sua ira cintila como uma punição para os pecadores. A luz da vela brilha palidamente quando as trevas acordam a besta, pois a demência sofrível está crescendo com um sabor amargo, eles estão chegando mais perto... você consegue sentir? Consegue ouvir os ecos dos que estão morrendo lentamente? Em sonhos eu vi coisas que acontecerão: cadáveres no chão, crianças chocando em explosões de sangue, a besta feroz nadando através dos rios e arrastando a humanidade, mas tudo isso já não foi escrito no livro do senhor demônio? O que estou tentando dizer é que um dos capítulos mais escuros do homem está apenas começando, uma época onde a paisagem mostrará cinzas como o retrato da minha alma, nuvens escuras que escondem os ocultos olhos do poderoso deus. Coisas, ainda não vistas pelos olhos humanos, oh, minha vida, meu sangue, minhas lágrimas, minha dor, de que servirão todas essas coisas quando o fogo divino julgar o mundo? A trombeta soará e a tempestade descerá dos céus como os sinos que tocam os gritos da geada, o solo, vermelho como folhas de outono, se tornará em carne e ferro... a vibração das aves se tornará um com os sussurros dos moribundos, e dos milhares de nós que haviam, restará apenas os que tomaram a mãe morte como noiva, os risos ecoarão de jubilo na escuridão! Quieto, quieto, alma assassina, o que você está dizendo? Essas mensagens de morte e ressurreição já não nos aterrorizam. Ao soar da meia-noite tudo isso passará e um brilho dourado onde estrelas cintilam vigorosamente a celebração da nova era, será aceso para todos verem e ouvirem a doce melodia da morte de deus! O murmúrio crescerá até que a raiva se torne um cenário, centenas de tochas acenderão junto à sua luz silhueta e todas as pessoas da terra farão um funeral nesta praça da meia-noite. Quando as duas luas se unirem, lágrimas silenciosas cairão e a chuva vermelha despertará a criança da besta, dormindo. Não haverá punição, nem fogo, nem peste, nem dor, apenas uma oração... o choro das crianças perdendo o próprio pai, tornando o mundo liberto por suas frias emoções, em uma ilusão que vivíamos para livrar a mente das trevas, nosso sangue e lágrima fluindo através do filho de deus. Enquanto entardece, a noite acorda e a terra é pesarosamente envolvida em silêncio, vendo a beleza de um novo século. Com o tempo a duvida desaparecerá e teremos uma fraca reflexão do universo que nos rodeia.

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