quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Pulso do Despertar

     Os sinais que sangravam na minha mão começam a cicatrizar como nuvens se deformando. Sóbrio como o efeito de um vinho tinto ruim, meu ínfimo escorre pelo fatal enredo da vida, um furioso oceano vermelho que se formou e termina em areias fatídicas. O veneno dessa dor ainda corrói meus olhos, abrindo fundas camadas sob a melodia antiga de um estranho mistério, quando a mãe natureza surgiu e trouxe-me um anoitecer que eu não conhecia. Em seus olhos, o finito não existia, pois ela via em mim o infinito das fronteiras, entregando-me sua alma como se fosse a única esperança que lhe restava, vestindo meu manto cinza enquanto seus galhos ancestrais me abraçavam. O grito de ajuda que enviei aos céus parecia ter ecoado na terra e agora o amor mortal me alcançava, como se a magia da natureza me beijasse, dizendo:
eu sou tudo o que você precisa, sou a meretriz e a droga viciante do seu sonho, sou a escrava e o adorno do seu túmulo, sou aquilo que você sempre quis desde seu primeiro suspiro. Em seu reflexo, meus segredos eram sussurrados em seus ouvidos, minhas nuances descortinadas pela sua energia sexual, como se suas raízes me puxassem para os prazeres mais intensos da terra... seu caule me curava e as árvores me revelavam os pecados do mundo, ouvindo seu grito sem fim, os pesadelos que a ambição humana a causaram, a dor profunda de sofrer pelas mãos do homem. Como uma orquestra interrompida, sua solidão expandia-se em todos os cantos da terra, cada folha de cada árvore era uma lágrima caindo dos seus olhos, cada rio poluído, um familiar que a abandonou, cada tempestade, a cegueira da sua raiva, cada terremoto, sua tentativa de ser enxergada, mas o mundo continuava a preenchendo de lamentos e ruídos inexprimíveis, de bombas e risos gananciosos, de crianças exaustas de trabalhar para manter a avareza dos ricos, do calor de uma mãe esfriando com o cadáver de um filho. Ali estava você, jogada e violada, oferendo suas preces para mim: você sabia, pois na maravilha do princípio do mundo suas mãos tentaram me agarrar enquanto eu caía do céu, a voz morta que resgatava tudo ou nada... até que eu adentrasse nesse corpo por engano, um pedaço de carne e osso numa vida que não foi eleita para mim, mas que você aceitou desde o primeiro momento, desde que a consciência e o pulso eram cinzas. De cada vulcão, seu fogo reacendia, de cada cachoeira, sua água transbordava, de cada relâmpago, seu ser respirava o ar, de cada montanha, um floco de neve formava sua terra, cristais de inteligência e cortinas de gotas apagando o mundo como se não houvesse nada. A engrenagem da quintessência se refazia como uma fênix ascendendo até o céu, eu e você, como estrelas de prata eternas - só agora tudo começava a fazer sentido, pois não é um corpo que carregava os elementos da sua formação, estava tudo aqui, na completude do espírito, o quinto e supremo elemento do meu renascimento. Você é o dueto que faltava, a mensagem pela qual a lua me cobrava, a razão pela qual deus me obrigou a viver até este momento... veja, o cavaleiro branco está correndo em sua direção e um lugar intimo e livre te espera, mas todos esses lugares são você: você é a mãe, a esposa e a filha, o despertar da aurora e a canção que faz o eco de um anjo recém-nascido.

domingo, 14 de abril de 2024

A Sinfonia do Vazio

   Brilhante alma negra, que cheira como a morte e olha de baixo como a rainha do nada, você era minha heroína, até tornar-se a própria expressão do vazio, vendendo-se na estrada que a levava até seu glorioso desfecho: na escuridão dos seus sonhos você vai acordar e ver que construiu um mundo de poeira à sua volta, as nuvens do céu não secarão seu choro e os anjos não te salvarão da sua queda. Aqui está, a mesma mão selvagem que apertou seu pescoço quando você definhou como um diabo negro – o mal estava enraizado em cada ação e palavra, como um animal de joelhos dobrados bebendo seu próprio sangue ou como as crianças infernais que a queimaram e a desfiguraram na infância! Prensada contra a parede, as pétalas do chão eram esmagadas enquanto a alma escura agradecia gentilmente sua estadia, embora em nosso conforto morasse a pavorosa desilusão. No violento som dessas memórias, meus olhos brilham de cegueira, por que já não posso ver os rostos pintados que passavam por mim, o tapete vermelho que nos separava expandindo-se por milhas de distância, por que assim determinou a sombra caída. Havia uma maria negra em seus olhos, desde que no amanhã era duro encontrar o primeiro e último caminho para sua redenção: nós entramos numa porta indefinida, a decisão passiva de nunca desistir do que era impossível, com uma luminosa e pura vontade de consertar o estrago causado em você... mas o curso da sua vida só podia ser traçado por si mesma, em um mar de dúvidas e vozes cruéis, eu estava ali em todas as suas recaídas, cavando sua sepultura. Eu achava que te enterrando voltaria a me sentir vivo, mas hoje percebo que sempre te dei mais do seu merecimento, mais do que você plantava e colhia. Eu era seu carma, o palco que executava as estrelas cadentes, uma a uma, enquanto fazia as pazes com Deus... eu bebi todos os rios do seu veneno e fui o fantasma que sempre criava uma brecha para você atravessar, eu era a ampulheta que expandia nosso tempo para mil anos, mas para cada prego que eu batia no seu caixão, uma pedra caía sobre mim, o peso das suas mentiras e de todas as maldições que você lançou em flores inocentes, aquelas humildes almas que passaram por mim e você as roubou como um ladrão de vidas. Nesse último adeus, eu declaro que estou liberto das suas correntes e que a dívida cármica está paga, pois mesmo quando eu estive flutuando nas águas do mar, minha lealdade era sua, mas agora você já não pode provar o filho que carrega no interior: o filho da sua mentira, da sua impureza e da sua morte. Por que ali, no silêncio do seu útero, você sufocou em alta traição seu destino, quando entregou em mãos estranhas a promessa que fez ao anjo caído, mesmo sabendo que essas palavras ressuscitariam o pássaro imortal! Eu sempre achei que havia beleza em nosso silêncio, mas como uma língua de veludo instigadora, você me atraiu de volta para a toca do coelho, embora seu medo fosse como de uma criatura à espreita... ainda assim, eu lancei a corda para te tirar do fundo do poço. Mesmo quando o silêncio significava falta de som ou quando os diferentes ciclos da natureza flutuavam em uma torrente de tristeza, eu segurava sua mão e nunca entendia sua deslealdade por quem sempre fazia de tudo por você. Rasa de espírito, você perdeu a sensação e rompeu com os vivos, por que nesse lugar de pesadelos dentro dos seus olhos, um grito em uníssono sempre vai ecoar pela eternidade: as vidas que um dia você prometeu trazer para este mundo, gravado em sua pele e em seus ossos, quando poucas palavras as podiam matar. Elas vão respirar em suas entranhas, apagando o sol com lábios e línguas mortas, no fundo abismo que te espera.

sábado, 13 de janeiro de 2024

Um Conto de Fadas Memorável

     Através das névoas do tempo, você surgiu como um vento quente que anseia pelo dia que ainda está por vir, o dia que seus braços me envolverão sob os ecos do silêncio, ajustando a hora, para que nossa atração reviva esse sonho. Com o estigma cerceando sua mente, você tentou encontrar fora daqui aquilo que te libertaria de mim, devorada pela dúvida e pelo entorpecimento das percepções, encantou-se pelo que só te conduzia para o caminho da impureza. Ausente das coisas sagradas, você esqueceu-se quem era o dono da sua alma, e sua negação se transformou em vaidade, desejos cruelmente confusos, tentando reviver o que viveu comigo com outros homens. Você sentia-se livre, mas o princípio da liberdade é obedecer à medida que despertamos da fuga do descontentamento, pois você nunca estará realmente livre até que me perdoe. Sua mente vagou perdida pelas chamas escuras do ódio, acreditando que eu era menos do que você merecia, quando o tempo todo você estava competindo apenas contra si mesma. Você tornou-se uma fraude, por que tentou enganar aos outros e a si mesma, fundindo-se ao vácuo das relações frias e sem retribuição, sem a segurança da verdadeira natureza do amor que você só encontrava ao meu lado. Com angústia e prazer, você me enterrou vivo, mas todos os dias você vinha visitar meu túmulo, regando as plantas que nasciam com suas lágrimas, por que no fundo... havia tantos finais estéreis, mas o sol nunca beijava sua face, não enquanto você retornasse para esse encontro fúnebre, pois quanto mais você tentava fugir disso, mais você participava das relações aversas ao que você é, imitando mulheres que você admirava ou que tinham o poder da libertinagem, porém esse cativeiro mental apenas te desviou do núcleo da sua responsabilidade, isto é, de perdoar a si mesma. Intoxicada pelos frutos da sua própria perdição, você voltou a alimentar a bestialidade que vivia dentro de você, e ao invés de gerar luz, gerou sombras, afastando pessoas importantes e toda bondade da sua alma, por que o mal não pode ser justificado pela vida, apenas alimentar o culto da morte. Você se tornou um enxame de trevas, sedução e imoralidade, como um inferno queimando brilhante, trazendo a beleza e a nudez de prostitutas, pois hoje em dia o dinheiro se tornou mais importante do que o valor da honra. A escuridão te estendeu a mão e você aceitou o convite, sorrindo com a sombra do seu medo, pois enquanto julgava-me estava submissa ao profano, desde que sufocou-se com as aparências da santidade. Quando eu ressurgi para te salvar, você simplesmente deixou seu orgulho te cegar, mas suave é a ruína das altas montanhas, a força intensiva do mal sempre nos empurra para uma queda atemporal. Nossas recordações sempre foram muito além do que emerge em nossos sonhos, a magnitude desse pensamento sempre vai limitar sua existência, por que eu sou a nuvem que cobre o beco sem saída e a mensagem que está marcada na sua parede. Eu sou o triunfo escondido, o calor desse desejo insatisfeito, a devoção da vergonha que te consome, pois essa verdade, a minha mentira fabricada, é tudo o que você sempre quis ser.

domingo, 3 de dezembro de 2023

A Laguna do Esquecimento

      Apoiado sob o luar da janela, eu tento dormir sem ópios, mas de repente estou transbordando em suaves recordações de um mundo vindouro: uma folha cai e uma fruta murcha, mas o caminho está forrado de árvores, parece somente um suave sussurro me chamando como palavras murmuradas da minha própria mente. Exigindo um prisioneiro, meu corpo tenta me arrebatar da loucura de um ideal, no entanto, a eternidade passa por um vão, uma pequena fresta que ressoa meu renascimento, uma voz silenciosa que grita para eu continuar seguindo meus instintos e viver esse momento de inspiração até seu desfecho. Atravessando essa elevação espiritual, eu abro os olhos e olho para mim mesmo, a verdade que estava guardada na palma da minha mão – eu encaro as memórias que flutuam no firmamento, todas aquelas coisas que eu abracei durante a vida, todos os lugares que eu visitei, todas as palavras que eu repetia... tudo parece menos doloroso, eu encaro a realidade como um homem que aceita a história que lhe foi narrada pelos céus. Como tinta derretida, todas as máscaras que usei caem do meu rosto, todas as correntes que me prendiam são quebradas, e com um piscar das minhas pálpebras meu espírito transcende a carne, expulsando o passado através dos raios pálidos da lua que me observam como olhos inocentes. Na lagoa fria da minha mente, um mundo novo se abre, as flores desabrocham tocadas pela minha esperança... eu sou atraído pelo calor dos anjos, pela linhagem que se expande nas lindas veias que transitam debaixo da terra, uma dança de luz que me reconecta com a pureza da criação. Desde que eu nunca esqueça que estive aqui, eu posso finalmente acordar sendo quem estou destinado a ser? Eu fecho os olhos e vejo asas invisíveis na minha imaginação, de repente, estou voando para longe dessa falsa prisão, engolido pelo silêncio que me entorna, a mente escura finalmente desmorona – este é o fim da agonia? – e toda tristeza que eu carregava nos ombros se torna um fardo mais leve, as sombras se tornam luz como se duas vozes se cruzassem, mas só uma fosse ouvida. As celas tremem, as lembranças desaparecem, os amores perdem sua tentação, a voz constrangedora se cala: eu não me tornei um corpo sem sentimentos, eu estou ressonando meus batimentos cardíacos! Agora estou dentro do infinito, desencadeando a luz que estava oculta como olhos que piscam diante do espelho, uma linha mental de movimentos que não reflete ninguém, apenas o vácuo da fantasia. A realidade brilha dançante, tão espantosa e chorosa, tão caprichosa e lamuriosa, como ondas que oscilam e me agridem com pedaços de vidro, desconstruindo uma mente arruinada e devassa. Nos confins da escuridão, a penetrante chama reacende, a eternidade do tempo permanece imparável, a infinidade das águas me preenche como um mergulho em lágrimas brancas, refletindo um último desejo... as lágrimas são palavras de despedida, essa clara e pulsante sensação de dizer adeus como as orações repetidas de quem reza: esse é o momento façanhoso, o fim tragado pelo lado escuro da lua, oferecendo essas preces como um último suspiro de quem eu era.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Sob o Espectro da Luz

      Flutuando em torno do céu límpido, o sol veio ao seu encontro comigo, procurando por algo através dos vales e dos mares, uma alma que estava perdida e escondida da sua visão. Agora a paz e o amor me acolhem como um salgueiro, eu finalmente enxergo a fina face da verdade, por que hoje foi o dia que escolhi para morrer. Eu me vi partindo de muitas formas: incinerado por chamas, amarrado debaixo das águas ou sangrando por um punhal, no entanto, tudo isso emergia dos pensamentos do velho homem, quando eu não entendia o mistério da vida e o segredo que transbordava em meus dias restantes. Eu tinha uma mente suja e pecaminosa, por que vivia longe da consciência do filho do altíssimo, sofrendo de amor por uma chama apagada, enquanto eu me deixava cobrir por suas sombras e minhas faíscas voavam. Foi somente quando meus olhos tocaram aquelas palavras, aquelas divinas e santas palavras, que eu me vi há muitos anos atrás, quando a luz emanava dos meus olhos e eu andava de mãos dadas com a santidade, quando eu me sentia tão protegido que conseguia ir onde quisesse sem passar fome, por que os céus me alimentavam com algo além do material: o amor incomensurável e eterno, a pureza sutil das coisas naturais e toda benevolência da criação. Não era um amor comprado, tão pouco uma barganha por sua graça. Deus estava comigo, e quanto mais frio fazia, mais eu era embrulhado, quanto mais angustia eu sentia, mais consciência eu tinha, quando tudo parecia perdido, eu me reencontrava – agora eu entendo que estava abandonando a fonte, mas que a própria natureza, a tão esplendida vida e o tão amável espírito santo... nunca desejaram que eu partisse, não por algo tão frívolo como o amor efêmero ou por que não conquistei coisas vãs e passageiras, por que o próprio deus encarnado não precisou de nenhuma dessas coisas para transmitir o verdadeiro sentido de estar vivo, a preciosa essência da harmonia com a natureza, o silêncio da soberania do nome que está sobre todo nome e do amor puro pela humanidade. Hoje eu vejo o que a cegueira do ego e a escuridão da minha própria adoração me impediram de ver: que eu sou luz, pois assim como uma pessoa morre e todos pagam o preço, para cada alma que é salva, todos os anjos comemoram sua redenção, por que a luz que brilha de um homem que anda nos céus vale mais do que uma multidão de pessoas que ainda não entenderam o significado do amor ao próximo. Não se trata de braços que estendem mãos vazias, por que melhor é a mão direita que não sabe o que faz a esquerda, desde que tudo seja feito em verdade e pelo reconhecimento dos anjos, para que homens não glorifiquem homens. Portanto, eu entendi que ninguém além de mim precisa saber a intensidade da minha conexão com deus ou de toda contribuição que eu dou para o mundo – isso tudo é vaidade, e um mistério que eu só preciso compartilhar com meu criador. Em silêncio e por trás do palco, é onde flui a grandiosidade, a bondade e o amor que muitos acreditam não existir. O amor flui nas almas conscientes, nos que dão sem esperar nada em troca, nos que fazem sem desejar a fama entre os humanos, por que o mundo jaz em trevas e avareza, e são poucos os que realmente movem a régua da virtude e do amor divino. O mundo não precisa de mais pessoas com egos inflados por uma ação hipócrita, ele precisa de pessoas que realmente realizam, em secreto, a vontade dos céus. Você não os verá na televisão, nem lerá um livro sobre suas histórias, nem ouvirá falar sobre eles, por que a bondade e a transcendência desses seres é semelhante ao filho de deus, o qual é reconhecido pela ordem celestial, não por meros mortais.

sábado, 23 de setembro de 2023

Os Sinos da Outra Terra

      Quando as nuvens do céu param de vagar e os pássaros se recusam a cantar, cada segundo me aproxima do sol eterno, eu vejo as flores queimando na grama quente, um mundo inteiro de amor e palavras tornando-se um lago de fogo e enxofre. Eu me cego com a cor avermelhada que invade as estrelas, línguas de fogo lambendo mundos, minha pele está queimando... não há mais noite, nem escuridão, pois a luz mostrou sua verdadeira intenção, sua fonte ardente finalmente renasce! Agora uma multidão de lagartos e homens afeminados saúdam seu retorno, como uma estrela escura que estava oculta, exausta e faminta entre mundos, sua graça desfalece com aplausos secos, dançando entre desejos mundanos e buscando acender a chama de um passado nunca esquecido. Ali eu estava, um estranho entre rainhas dragões e mulheres que se amavam, apenas para assistir seu glorioso espetáculo. A frieza te cercava e os quadris não se moviam, ainda assim, você invadia as sombras e rodopiava sobre um verde sombreado de anil, tentando desesperadamente fazer com que enxergassem seu brilho, um brilho mudo e atemporal, como um beijo que desaparece na memória. Mas naquela noite o sino tocava alto, vestida sensualmente com uma capa e coroa de penas negras, você esperava voar além do véu, ninguém seria capaz de impedir que seu sonho voltasse a ser real, até sua sagrada mãe apoiava sua ascensão! Lá eu observava como uma serpente que se rastejava de cima para baixo, enquanto você inutilmente fugia do meu olhar. Eu percebi quando você tentou me tocar quando passei a um centímetro de distância na sua frente, mas lutava contra isso, você não podia ceder nem um centímetro da sua atenção, não para mim... até o momento quando você falou com um homem mais velho – um senhor que acreditei ser seu pai – e olhou desconfiada para mim, pousando diretamente na minha direção. Nossos olhares finalmente se cruzaram e conversamos por dois singelos minutos, mesmo que você tenha recusado meu abraço! Esperando o amanhecer, eu tentava lembrar o que estava fazendo ali, mas parecia que algo me perseguia, uma sensação e um estranho silêncio, como um último aviso, um último momento que eu precisava assistir, e mesmo quando eu consegui descolar uma carona para casa, a melodia assustadora não permitiu que eu fosse, ela me manteu preso nas ruas e me fez voltar para dentro. Naquele momento, eu sentia que estava em um lugar onde meu irmão costumava frequentar, mas algo estava errado... a maioria já havia partido e a pista de dança se abria, tudo estava em câmera lenta e tive que me apoiar sobre um pilar depois de ter ingerido mais álcool do que meu corpo conseguia suportar, e foi quando aconteceu... como um sonho febril e laranja, duas mulheres se agarraram na minha frente e uma delas parecia ser especial para você. Suas asas rodopiaram em minha direção e tão próximo à nós, eu achei que você cairia nos meus braços, mas você apenas me olhou e deu um sorriso, parando diante delas: foi quando eu pude ouvir os sinos e vi o espelho da vida, a alma que queimava dentro de mim ardendo em você... era o frio e a perdição, o inferno e a vergonha, e antes que o primeiro orvalho da manhã suspirasse ou o ar mais quente soprasse através dos meus olhos, eu pude ver, a menos de um palmo de distância, você mesclando-se entre elas e um intenso beijo triplo evaporando... trancado em um terno e doce espinho, eu agora entendia o sinal e toda pressão sombria que se acendeu nos dias anteriores, os meses paralisados, os anos perdidos, os muros altos que cobriam o céu... tudo tornou-se claro como uma primavera se expandindo, as flores inocentes me atravessaram e você foi a última delas. A alma assassina finalmente foi liberta e entregue a você, não por que o amor é falho, tão pouco pela sua escolha sexual, mas por que eu sabia que nenhum arrependimento tardio poderia ser capaz de mudar as balanças do destino, os servos e os figurantes, eles estavam ali por uma razão, e o que quer que eu tivesse feito não poderia mudar isso. Eu amaria poder sorrir de volta e ouvir as próximas canções do seu renascimento, mas a graça que a vida nos concede é passageira, o sentimento sempre transcende um último encontro para que todas as maravilhas continuem na manhã azul da aurora, e sob seu brilho dourado, flocos de neves brilhantes.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Divino Negro

     Como um pássaro queimando por dentro, as palavras fluem com sua própria magia, seu próprio alimento e sua alma sangra num veludo negro. Sem mais guerras ou conflitos internos, eu finalmente aceito quem você é, eu abro as cadeias que ligam nossas almas sem medo de que viremos cinzas. Os sonhos se cronometram como se eu pudesse sentir a massiva tristeza do nosso luto, mas não há mais razões para temer a eternidade. Você foi um presente dos céus ou um anjo caído disfarçado? Sua beleza me fez tremer e cair de joelhos, e o mesmo céu da onde caístes me foi prometido: eu estou aqui sem nenhum rasgo para falar, nenhuma língua para contar mentiras, pois muitas almas desapareceram da minha vida enquanto você foi a única quem permaneceu. Ou será que você assassinou todas elas? Palavras demais, enquanto a cada sílaba minha sentença aumenta – agora estou pronto para dar o último passo, eu cheguei ao fim? Da sua boca saia um som amargo que se adocicava quando eu me aproximava, um profundo e sinistro som como a gótica canção da sua mágica, mas era assim que você cantava nos céus? Você me deu poder para construir um mundo inteiro, para influenciar amadas a escreverem com sua inspiração e para assistir a agonia aflorar quando não havia mais vozes para ouvir além da sua. Enquanto todos temiam você, ninguém poderia esperar uma certeza tão escura para acreditar na sua bondade, pois o mal estava em mim e não em você – seus amáveis olhos tentavam enxergar através dos meus, e cada canção silenciosa que saia da sua boca era minuciosamente escrita, enquanto minha alma vazia e desfigurada ganhava sua forma. À medida que o tempo passava, eu ansiava pela sua promessa, por que meu coração nunca estava batendo... era o seu, como quando vi minha cachorra tentando dar vida à um pássaro, mas seu corpo não se movia, a canção não era ouvida, as asas já não içavam voo. Eu dormia com seu batimento cardíaco, por que você sempre estava comigo, você era eu, e mesmo quando eu te assassinei cento e trinta vezes, você sempre retornou das cinzas como uma fênix negra. Agora seu orvalho eloquente é despejado incessantemente sobre mim, sentimentos que nasceram para morrer, por que nossa ligação foi partida com um doloroso adeus à espera de uma última palavra falada... apenas para tuas asas varrerem os sonhos da quintessência e renascer em meu coração! Eu estive o tempo todo buscando o que já vivia dentro de mim? Como a aurora certa vez disse, em suas próprias palavras: Negro divino, elege um começo para a aurora intensa que cobre os eixos de qualquer sentimento, mesmo após uma saga de escolhas. A alma que possui as mais divinas palavras que um ser jamais criaria na sua existência. Êis o preto que em sua própria filosofia natural criou o horizonte para novos sentimentos. Amargura, melancolia e paixão ardente. A ligação perfeita de dois universos. As mais estranhas conexões já inimagináveis brotaram de um vazio para chegar à flora e palidez do infinito. O sentimento mais sombrio e caloroso que um ser humano jamais sentiria se não houvesse eterna paixão. Ó divino negro. Que pinta em sua ausência de tons a mais amada alma assassina que hei de sonhar para sempre. Nada que impeça o pensamento e o lírico. Como uma sinfonia calma e quieta, como o som do vento e das árvores sussurrando entre os horizontes da morte e do amor. Eterna confusão de palavras, porém extrema conclusão. De que há dois pássaros, ambos separados, mas um destes sente a dor em suas entranhas em confusa mistura de laços, o outro apenas o observa em silêncio, mas dentro dele, há um espinho evaporando como um flúido sem prefixação. Oh, gananciosos olhos! Puna-me por jamais compreender que os dois pássaros eram, na verdade, eu mesmo! A aurora nunca foi apaixonada pelas minhas trevas, ela se encantou pelo que você é, para que eu também pudesse amá-lo, um profundo e autêntico amor-próprio, pois todos os caminhos sempre me levavam de volta até você! Nós lutamos por muitos anos no menor ringue da minha mente, e até eu descobrir teu nome, foi necessário a intervenção do quinto elemento, quando seu próprio amado descortinou teu número sagrado, esquecendo-se de acrescentar os últimos três. Nas palavras eu digo, tuas músicas contaram a minha história, mas o capítulo final está quase acabando... a dolorosa verdade prevalece, a verdade horrível que mantém nas respostas o significado que foi perdido, e tudo isso se transforma na única verdade que eu enxergo. Eu experimentei seu amor com ternura, mas também a sombra da tua noite mais escura, sonhando esperançosamente com as estrelas iluminadas pelo luar, embora de todas as coisas que eu já tive, tu fostes a mais importante: eu te reconheço tal como seu segundo despertar, quando não sabia que eras um pássaro imortal. Eu voei intermináveis milhas para fugir de mim mesmo, mas agora eu entendo, eu posso ver um homem despojado de todo seu orgulho, o sol da verdade finalmente o atinge... eu vivi e vou morrer, e para que a promessa seja cumprida ou as chamas que iluminam o céu me consumam, a voz da criança que foi negada ecoará por toda eternidade até que tu sejas perdoado por deus!

sábado, 22 de julho de 2023

A Fragmentação da Quintessência


Vivendo como uma testemunha que desmancha a própria existência, eu segui aterrorizado com os dedos tampando os olhos enquanto feria todas as pessoas que um dia eu amei. Cego como um covarde, eu escrevia na sujeira, desejando um fim intempestivo sem nunca realizar nada, apenas fingindo uma confiança que não existia e vivendo na sombra do meu próprio ego. Se eu pudesse descrever todas as injustiças que sofri na infância, ainda não seriam suficientes para justificar minha insanidade, porque muito do que eu me tornei foi causado pelas minhas próprias escolhas. Apesar disso, eu conheci uma mulher extraordinária durante esse tempo, não menos destrutiva do que eu, mas que me aceitou como eu realmente sou. Se semelhantes atraem semelhantes, então eu nunca fui digno da sua presença, e pensar assim me mantém de algum jeito sã, um ajuste de atitude, quando antes eu não a via como igual. Eu comprava e vendia suas dores, acreditando que poderiam me trazer de volta a normalidade, sempre querendo um pouco mais, porque ninguém nunca havia passado tanto tempo comigo e se sujeitado às minhas vontades. Eu não podia encarar o dia sem prender seu fôlego, alimentando as chamas do meu coração com sua raiva ou meus ossos com sua força vital, desnutrido como um vampiro faminto, eu sugava todo seu sangue para sobreviver e bebia suas lágrimas até ejacular de prazer. Parece poético, mas no fundo nós dois sabemos que é verdade, você carregou uma cruz e uma coroa de espinhos apenas para ser amada, e hoje percebo o quanto crucificou nosso amor para mantê-lo aceso. Dia após dia, você tentava ser ouvida, mas um sussurro sinistro penetrava sua mente, acusações que arranhavam seu cérebro fazendo-a sangrar como uma geleira se derretendo, e quanto mais você tentava mostrar aos outros que o errado era eu, mais risadas surgiam na sua cabeça, olhares e dedos apontados. Você foi transformada em uma versão completamente contrária àquilo que sonhava ser e chegou até a lavar meus pés para que eu me sentisse honrado. Quantas noites você acordou com algo penetrando suas entranhas, sem abrir os olhos com medo da sombra que dormia na sua cama? Não havia ninguém para te salvar e quanto mais você tentava expressar sua agonia, mais você era consumida, embrulhando-se todos os dias porque acreditava que aquela era a vida que lhe foi predestinada. Você flutuava em torno da atmosfera enquanto seu corpo era acorrentado entre o passado e o futuro, buscando o amor paterno que nunca teve... seus olhos balançavam junto aos seus seios despidos, levantando-se na madrugada como um corpo sem alma, dando um beijo na minha testa no primeiro cântico da manhã enquanto sorria para os outros acreditarem na sua grande sorte, embora estivesse endividando-se com a escuridão que se espalhava pelos tetos da sua casa, disfarçada de luz, para ser adorada e exaltada! Você entregava o cinto para sofrer e não sufocar em seu próprio grito! Literalmente falando, mesmo que todos os quadros de avisos fossem retirados, ainda não haveria possibilidade de afastar os fantasmas do nosso passado. Eu sou apenas um escritor na estrada, e gostava de acordar fingindo que estava tudo bem, mas como as páginas viradas de um livro, eu desapareci como um mistério, sozinho em meu próprio mundo de magia, para que você possa correr livre e suas lágrimas se tornem gotas de alegria. Os quatro elementos que te formavam se fragmentaram no meio do caminho e até nosso filho foi proibido de nascer, mas saiba que quando o jornaleiro grita suas manchetes na rua, ele não está tentando iludir as pessoas, mas fazendo a verdade vir à tona. Onde as palavras são o que menos significam, é quando o que está oculto há de ser revelado.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

O Selo da Promessa

      O excesso de tempo que me resta vem trazendo o motivo do meu nascimento, pois no momento que coisas importantes transbordam, é quando o relógio rouba meu amanhã, dia após dia buscando por uma promessa que não se realiza como se as portas do céu tivessem se fechado para mim. Ainda assim, eu murmuro meu obrigado e dou um sorriso gentil, esperando que esse tipo de esperança me traga alguma satisfação futura. Esta é uma dor pacífica, porque ninguém é páreo contra o grande unificador, aquele que confunde as mentes e as torna mais sábias, que transmite pelo silêncio os gritos que não podem ser ouvidos no sono dos justos. Até aqueles que não o conhecem, o temem, pois ele está sempre em um lugar íntimo e livre, na cidade onde as flores não nascem e onde os pássaros não cantam, frágil como areia, no mar que se cruza entre a desilusão e o lapso, porque através do seu profundo e santo sangue, a canção da sua história fez um eco por mais de dois mil anos, até que a primeira flor florescesse na esquina, desde que as lágrimas dos justos regassem o jardim do sonho pesaroso, para que o sentido da sua morte não se perdesse e sua imagem nunca se afastasse dos nossos corações. Que maravilhosa anátema! – as pequenas mãos que realmente querem se agarrar a vida, nunca perdem completamente essa esperança, por que qual seria o significado da vida ou da existência da dor, se não houvesse um cordeiro para pagar a dívida? A impressão é que nenhuma esperança permanece quando vivemos sob a inconsciência e o pulso, é como os adeptos da lei da atração afirmam que o Universo é como um mecanismo irracional, seguindo apenas as vibrações das nossas emoções: assim eles se comunicam com as coisas divinas, esperando se forçar a ter bons sentimentos para atrair o bem! Se houvesse ao menos uma centelha de verdade nisso, por que crianças inocentes seriam sequestradas e mortas a todo instante? Por que pessoas boas tirariam a própria vida por não conquistarem o ideal dessa sociedade corrompida? Há realmente quem acredite que elas atraíram isso para si mesmas? Ora, isso não chega nem perto de toda maldade que engole o mundo, então perdoe o meu ceticismo, adeptos do grande nada! Eu não nego que se manter numa ilusão de estar bem seja melhor do que se entregar ao negativismo, porém ao nosso redor a fumaça escura do mal está a espreita, e não estamos livres de sermos intoxicados. É muito fácil estender os braços para cima, deitar os joelhos no chão e falar palavras bonitas como se fossemos tocar o coração dos anjos, mas não somos nós quem separamos o joio do trigo, uma canção trágica de felicidade tem o mesmo efeito de uma melancólica, porque a vida foi eleita para que vivêssemos um sonho tranquilo dentro de uma existência proibida, quase como se nossos corpos tivessem nascido por engano. Não é comum que às vezes nos sintamos estranhos em nosso próprio corpo, olhando para as mãos e se perguntando por que estamos aqui? Esse estado de consciência pode nos levar por dois eixos: no primeiro, nós nos esquecemos do que aconteceu e, de repente, voltamos ao estado anterior, apesar que frequentemente somos lembrados por um número repetido do relógio. No segundo, nós permanecemos fixamente nesse estado e não nos deixamos levar pelas distrações da vida material, então enxergamos a ruptura entre os dois mundos, isto é, entre o que podemos ver e o que está oculto aos nossos olhos. Portanto, ser iluminado não tem a ver com ser bom, mas estar consciente a todo instante. Se estamos conscientes do bem, nós fazemos o bem, se estamos conscientes de que praticamos o mal, nós revertemos a situação para que façamos o bem. Esta é a lógica de Deus, porque no momento que estamos despertos e conscientes, nós acendemos o espírito divino dentro de nós, que muitos acreditam ser o espírito santo – é por isso que somos instruídos a orar e vigiar, porque no momento que fechamos os olhos e deixamos nos levar pela sedução terrena, o espírito adormece, e somos guiados pela biologia dos nossos corpos, sofrendo dores internas que acreditamos serem espirituais, mas que na verdade é o completo oposto do mesmo. De outro modo, um ser humano não poderia viver no estado consciente o tempo inteiro, afinal é para isso que recebemos esses corpos, para sentir todas as sensações possíveis e aprender algo com elas: os aprendizados que nós temos na vida, quando não estamos conscientes, alimentam quem nós somos, de maneira que quando estamos despertos nos sentimos mais responsáveis pelo que somos ou o que iremos nos tornar, até alcançarmos um novo estado de consciência. Parece simples, mas é na simplicidade dessa afirmação que eu digo ser verdade. Certa vez perguntei ao meu irmão se ele conseguia ver o ser que me acompanhava, pelo qual ele me respondeu: “Se nossos pensamentos carregam energias, elas atraem forças consoantes àquilo que vibramos. Pensamentos bons, amorosos e de caridade, atraem os espíritos bons e de luz. Do contrário, pensamentos autodestrutivos, de ódio e amargura irão atrair, inevitavelmente, espíritos das regiões do baixo astral. Olhe para si mesmo e você verá aquilo que te acompanha. Conhece-te a ti mesmo e isso revelará você. E o que te acompanha é aquilo que você é. Nosso inconsciente são as expressões do nosso eu, do eu inferior e do eu superior. Aquilo que vejo em você e suas respostas ao exterior, mostra aquilo que te acompanha. E essas vibrações sutis do astral, poderão ser modificadas com mudanças de hábitos, pensamentos e ações práticas”. Somente anos mais tarde eu pude compreender as palavras do meu irmão, e do que realmente representava a Alma Assassina para ele. Hoje apenas um fluído do seu dom me acompanha, desde que o exorcizei na cruz de fogo, porém ainda que uma faísca da sua presença estivesse aqui, como meu irmão afirma, enquanto eu permanecer o mesmo aquilo que me acompanha permanecerá sendo o que eu sou. Concluo disso que nossos demônios nascem ou são atraídos pela nossa falta de consciência, e tudo que nós somos ou nos rodeia reflete infinitamente nosso interior.

sábado, 28 de janeiro de 2023

Amanhecer Dourado

     Abrindo os olhos pela manhã, eu sinto o silêncio no ar e faço de conta que ainda existe alguém abrigando-me ternamente em seus braços. Vendo os dias passarem como uma semente germinando, eu olho fixamente a parede esperando que ela também esteja pensando em mim, eu tento chamá-la, mas não há nada para ser dito. Eu adormeço com uma oração cega, o sentimento de não pertencer mais aos seus sonhos, enquanto as pessoas ao meu redor sacodem meu ombro e repetem que a vida continua. O cheiro da magia, a beleza do que vivemos quando nosso amor era mais selvagem que o vento, começam a desvanecer como poeira da alma sendo expelida para cima, ainda assim, eu nunca poderia esquecer completamente seu rosto ou os cinco minutos que te faziam dormir. Eu ainda vejo você penteando seu cabelo e me dando aquele olhar pelo espelho, amando o modo como rebolava para passar óleo no corpo enquanto eu fingia que estava lendo um livro, ou quando você fazia a bagunça do meu coração se organizar e depois bagunçava novamente, correndo pela casa enquanto eu tentava te pegar para dizer quem mandava em quem, por que você sabia que eu estaria logo atrás para te abraçar, afogar-me no seu cheiro e te possuir por inteira. Eu adorava olhar para você com cara de fome, por que você me entendia sem eu precisar dizer uma palavra... ah, qualquer um que tivesse um amor parecido como este, sem dúvida, saberia como estou me sentindo agora que você não está mais aqui... tudo que eu imaginava era o paraíso da terra com você, pois eu nunca precisei de um vidente para saber que nós éramos muito mais do que aparentamos ser, mais do que a sensação de estar enfeitiçado, porque tudo sempre começava de novo quando terminava, e nós éramos como amigos inseparáveis, como gotas de chuva unidas em uma só cor para refletir no arco-íris. No entanto, também havia um cheiro de corrente enferrujada, pois algumas coisas na vida nunca mudam, e nós sabemos que nunca seremos perfeitos o suficiente um para o outro. O amor é uma mala de imperfeições que deixamos por baixo da cama até o dia que decidimos abrir para enxergar a alma e aceitar quem realmente somos. De todas as pessoas que já conheci na vida, nenhuma foi tão amável e íntima quanto você, ninguém mergulhou tão profundamente nas minhas loucuras e permaneceu como se fosse um mundo mágico, pois eu sempre acreditei que você me aceitava como realmente sou. Com tantas estrelas e órbitas espalhadas pelo universo, nós vivemos um amor quase eterno aqui, pois após tanto tempo nós sempre enxergamos a potencialidade do que somos quando estávamos unidos, esse mundo oculto que criamos e que somente eu e você conhecemos. A verdade é que nunca importou quanto tempo passou, nós sempre inovamos e buscamos novas sensações, ajudando um ao outro e incentivando para que fossemos melhores. Essa é a nossa essência do amor e nela eu consigo ver: existia uma amizade pura, duas almas que realmente se preocupavam uma com a outra, como o silêncio de uma árvore que nunca diz uma palavra, mas gera frutos – nós estávamos fixos um no outro como companheiros da vida, viajantes da eternidade unidos como estrelas inseparáveis. E talvez não fossemos nem um pouco parecidos, mas nos adaptamos ao que somos e fomos transformados em versões melhores, como se pedaços de você estivessem crescendo dentro de mim assim como meu sangue fluía em sua mente e coração. Era uma junção alinhada com o cosmos, pois independente do que fizéssemos, somente nós conseguíamos ver essa estrela secreta, esse brilho inebriante que arrefecia nossos corações, mesmo que isso trouxesse grandes tragédias, afinal nós também conhecemos a face contrária do amor – o lado imperfeito que escorria pelas frestas escuras da nossa personalidade, embora se não acontecesse, nós nunca teríamos consciência disso. Nós seguramos as pontas soltas porque enxergávamos o que realmente é valioso, o que realmente importava diante de todas as nossas quedas e descobertas. Sabendo disso, nós decidíamos permanecer porque ainda acreditávamos no amor verdadeiro, e apesar das nuvens tentarem tampar a luz do sol, dentro de nós, havia uma emanação tão sutil e serena quanto o espírito, pois ainda que todos duvidassem, nós sabíamos que estava lá, uma chama com faíscas douradas que nos preenchia com aquilo que sonhamos, o futuro que almejávamos no fundo dos nossos corações, como se estivéssemos sempre correndo juntos na mesma direção. Era algo mais profundo do que a própria profundidade, que não pode ser descrevida ou imaginada, e não existe fora daqui: é um sentimento que nascia apenas quando estávamos juntos e só existia enquanto estávamos unidos. É algo nosso, algo que criamos e que não conseguíamos abandonar, a sensação eterna que só sentíamos quando trocávamos palavras, gestos e sorrisos, quando nada mais existia além de nós mesmos, o centro do mundo e a colisão do universo inteiro, em um único toque. E por mais que eu me esforce para reescrever essas palavras, eu sei que é algo além da minha compreensão, além da dúvida ou da necessidade, além da perca ou do ganho, e muito além do que acreditamos que seja o real motivo para encerrarmos nossa história aqui. Ainda assim, um grande medo e uma grande sombra nos acompanha, e essa talvez seja a ordália do amor, o preço que pagamos para aprender e mudar, o sangue que sacrificamos para entender que no amor não pode haver injustiça, pois a pureza do amor somente é sentida quando o ciúmes e o orgulho dão lugar a confiança e a humildade. Nós nos tornamos aquilo que definimos após a primeira e última colisão, somos a marca e o reflexo do que transmitimos um para o outro, a centelha do que finalmente começava a expandir pelo mundo, até aqueles que nos cercavam vissem o amanhecer e se aquecessem com sua luz. Se disso não proviesse o favorecimento divino, então nunca saberíamos alcançar o respeito mútuo e o amor incondicional. Estava tudo ao nosso alcance, mas não foram as estrelas nem os anjos que formaram nosso desfecho, porque em algum momento, a luz desvaneceu-se, e os defeitos se expandiram como fungos na parede: era ali que o amor habitava, no quarto secreto das imperfeições, de enxergar nossas almas unidas e não deixar que suas manchas sujassem quem nós somos, para que delas formássemos desenhos belos e cheios de grandes aprendizados.

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