sexta-feira, 17 de abril de 2015

Folhas Brancas


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Pela janela eu posso ver as nuvens dançando enquanto o ar sopra e meu nariz congela.
De longe o sol está se pondo, vermelho com ouro, como deve ser, cuspindo sua luz para aonde as trevas nascem, e em algum lugar pode ser que você esteja pensando em mim.
Quando a noite começa você deseja um pouco de diversão, mas quando a festa termina você é a garota que ninguém pode possuir.
Sua tristeza descarrega altamente no céu enquanto seus pés soterram descalços na areia, ainda assim, como um fósforo acendendo sua raiva, tudo o que você quer é ser liberta como folhas varridas pelo vento.
Essa corrente que afugenta sua sombra é como um homem pagando seu imposto, tão ligado como uma tatuagem, a chuva de neve na sua pele nunca se desvanece, mas eu sei exatamente do que você precisa...
Como lágrimas traídas pelas luzes da noite, alguém tem tirado o brilho dos seus olhos e substituído por dor, fazendo-a sentir-se como se não fosse ninguém, porém onde demônios brincam à luz das velas, uma criança sempre se encharca de sangue – este segredo guardado atrás dos meus olhos é o que vai mudar sua vida e ser a última peça do seu quebra-cabeça.
Tome minha mão e junte-se a mim ao abraço do escuro, lembre-se do meu perfume e do meu toque, seja como uma noiva furiosa banhando-se no sangue do mar hipnotizante.
Todas aquelas cartas enviadas foram apenas o conteúdo que eu lia em seus olhos ansiosos: a carne salgada da sua doçura apertada gotejando e implorando para expelir novamente enquanto meigamente estremecia.
O dia está chegando em que a chuva limpará o que nos tornamos e os fluxos dimensionais da nossa realidade voltarão a se colidir enquanto os palhaços aplaudem.
Os pequenos momentos que nos rodeiam podem ser esquecidos, mas em cada instante que passa devagar eu dei minha alma inteira para alcançar seu sorriso, sabendo que onde há escuridão as estrelas brilham.”

domingo, 12 de abril de 2015

Deite-se com as Trevas

    Entre os lençóis carmesim uma presença se espalha como uma febre escura, enegrecendo as paredes com braços reconfortantes numa radiante escuridão prata repousando inteiramente na calmaria de uma agitação exacerbada. O céu da meia-noite lança seu feitiço e o cheiro de alecrim doce desperta os amantes libidinosos debaixo da neve virgem ofegando entre árvores nuas e levando uma música libertina através da brisa de uma aura atraente. Como membros recém-nascidos de um bebê chiando a cada passo, os gemidos inexprimíveis enchem a terra com um suspiro recheado de vontades luxuriosas, vibrando entre olhos cheios de morte e seduzidos a entregar seus corpos para o apetite selvagem do prazer. Através de uma clareira encantadora em uma noite estranhamente serena com perfume no ar isto está apenas começando, a ficção chega quando os sinais de amor florescem as armas da sensibilidade e nos libertam da vergonha, mas é na realidade que sentimos a envenenada injeção como uma dádiva no céu escuro, escondendo entre arbustos de uma noite chuvosa os olhares das almas em pedaços se deitando na poeira de suas efígies enganadoras. O giro erótico dos súcubos começa quando você não consegue mais dançar, quando sua mente acelera no desejo de ouvir a canção sexual evocada e o incenso da pulsação penetra as silhuetas do seu corpo inabitado. Sob um lugar aonde nada é como pareceu uma vez, eu chamo seu nome e você vem como uma prostituta disposta a meu bel prazer, seu olhar de consolo inflama com a chama da ternura, seus desejos se erguem em pálidos membros frágeis tocando e esmagando com uma dança apressada, trazendo um sorriso cínico na névoa da hora mais escura da noite e inundada antes da primeira respiração do alvorecer. Com passos provocantes eu sinto você se aproximar e seu coração bombeando numa fome crescente por toques gelados, abrindo sua alma para entregar-me por completo e satisfazer seus desejos como um carneiro para o abate, deixando-me deslizar para dentro e rastejar por seu sangue como uma mancha de óleo no mar, emocionando sua carne fresca com beijos ardentes e provando a fruta doce da sua seiva drenada entre lençóis manchados. Debaixo do céu vermelho e da voz descontrolada do vento, eu sou o fogo que queima dentro do seu sangue e a tentação que não se afasta da sua cama, seus lábios frios se corrompem com a rubra mordida lambendo a maré da paixão obscura enquanto envolve a batida rítmica dos espasmos de êxtase... deixando os problemas fugirem e deslizando com facilidade dos meus pés para os joelhos, me possua e me sacie, deite-se comigo e compartilhe o sabor deste gozo queimando, vamos viver rápido e perigosamente com corações cheios e vozes altas, bêbados numa alegria desenvergonhada enquanto desvanecemos no ar com cheiro de almíscar e provocamos a picada envenenada da serpente do diabo.

domingo, 5 de abril de 2015

Sons da Natureza Escura

   Em ébrias sombras vermelhas do ocaso a gananciosa risada dos pecadores me envolve nos fluxos negros da impureza. Eles aparecem à noite, vindo de dentro, evitando a luz, suas vozes sussurram em minha cabeça como um frio hálito insaciável, mas para eles minha aparência é apenas um pedaço de suas imagens vinculadas por algum senso de silenciosas batidas, onde meu coração toca os viciantes acordes de suas almas alojadas no miasma como fúnebres melodias de um piano preenchendo meu corpo com manchas escuras muito surdo para sentir o machucado. A comovente voz da dor me enforca como palavras nunca ditas, nunca ouvidas, mas que num choque de arrepio precisam ser ditas: eles estão voltando no vapor dos meus pensamentos para me rodear como um enxame de sombras furiosas, crocitando como corujas sem olhos em busca de quem realmente eu sou, enquanto o que antecede meu despertar acompanha a boa forma odiosa de tranquilizar o que ficou na incisão do meu corpo pálido. Esta noite o céu está coberto como braços que se abrem espalhando a escuridão, um mundo adormecido no escuro onde poucos conseguem sentir a lenta batida do avanço fúnebre das forças das trevas, lambendo os rios onde o ar frio e arrepiante propaga seu odor lentamente nas planícies desertas e geladas em uma nuvem de poeira, recobrindo a terra com mares de sangue num som abafado de sinos chorando pelas almas escurecidas. Essa lassitude assombra minha mente triste como um gosto amargo de déjà-vu, mergulhando profundamente em agonias insuportáveis, grandes fontes de águas que vazam de olhos pretos fixos em mim – como esculturas idílicas de pedra ou rosas abrangidas do túmulo – eu piso neste anojo melancólico, corroendo minhas mãos coladas de sangue, mas realmente desejo nunca ter existido quando suas presenças congelam as veias do coração, o cheiro que inalam são como corpos inertes brincando de cavar o solo, os lagos dos céus me guardam como um doravante prisioneiro da penumbra em suas garras frias, uma célula aonde a luz não chega, espalhando meus sentidos num langor onde o rosto da morte me acaricia disfarçado de dor e farpas, tão fundo como o fluxo que alimenta os córregos ou a voz do poeta que persiste, este cemitério de olhares infames cumprimentando a meia-noite é onde sou lançado num túnel longo de ansiedades. Os olhos lívidos se apagam lentamente à minha volta, amedrontando o espectro do meu interior como infortúnios de um sofrimento ignorado para deslizar lentamente no clamor do silêncio em meandros de lembranças que já não tenho. Como o prazer elevando-se dentro de mim, meu espírito é levado a vagar pelos vivos, minhas lágrimas são como a chuva caindo ao redor da humanidade e sendo capaz de ler em cada mente a fuga por um sonho infinito, as marcas na minha face são os estigmas de uma confusão profana me consumindo... uma triste corda flutuando acima de uma pira funerária me chamando para abandonar um mundo onde sou mal compreendido, onde homens desejam esguichar sêmen cansados de censuras e mulheres se preocupam com a beleza de um corpo frio, pois ainda que dia após dia essas drogas nos façam sorrir para o espelho, os pecadores continuam a escorregar violentamente na estranha sensação de entrega e engolem o gosto amargo de seus egos insatisfeitos, conduzidos pelo ruído de satanás, aquele que a alça da porta gira e ninguém se cega por tamanha brancura, calmamente tragados por um ligeiro vento nos acariciando como a agonia de uma criança corrompendo sua inocência para se livrar das dores de um momento fúnebre.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Libélula

   Na faísca de um o sol poente os desertos de uma memória esquecida desaparecem no horizonte como vozes sem fôlego para dar, mas memórias são como palavras que fazem a ilusão, quando suas luzes dissolvem-se para beijar o vento elas repousam na poeira da sombreada lembrança onde os rasgos que pertencem ao frio rancor de uma vida encobrem as escolhas escuras. Como a neve caindo essas memórias ocultam-se em meus olhos vidrados, minhas palavras soam cansadas como uma suave carícia envolvendo o estranho calafrio das agonizantes mentiras desmanchando-se num nevoeiro vermelho-escuro e suspirando minha raiva enquanto vejo o entardecer através do que me assombra os sonhos. Entre os mais afetuosos momentos que consigo ter os ventos falam de lúgubres lares e trazem o choro distante do trovão partindo-se, com sombras flutuantes alcançando meu corpo, cobrindo-o como olhos de um fantasma, num sentimento de quando o tempo não parecia tão cinzento. Eu assisto a minha imagem desaparecer, adormecendo na voz de uma tempestade, enquanto as janelas se fecham e as memórias desvanecem como uma serena canção, mas nada pode me separar dos fragmentos escondidos da minha mente com os segredos que não posso guardar, o gelo percorre minhas entranhas sabendo que meu alter-ego está em você, envolvendo minha dor como fagulhas de uma mágoa, em seus olhos eu vejo a meia-luz de algo se mexendo enquanto a chuva cai e a esperança acorda a calmaria. O medo ecoa fundo e tão claro quanto à verdade debaixo dessa chuva, mas as águas nos despem antes de nos banhar em trevas, descansando suavemente, em sonhos tão azuis quanto o alvorecer da promessa que dorme em seus olhos. Eu sinto nosso fôlego noturno como espíritos dançando no frio, envolvendo a graça de um amor que vive sozinho em nossos corações, pois como olhos que se põem junto ao sol, aqueles sonhos que pareciam tão distantes estão nos cobrindo através de um nevoeiro silencioso e despertando docemente a esperança, uma vez mais sentindo a respiração do suave som onde o vazio repousa. Como macias asas de uma libélula soprando aos confins do céu, eu estou envolvido nesta amnésia, voando ao som de vagas nuvens cinzentas numa geada onde seu reflexo é lançado em meus olhos delineados com o negror da meia-noite, espantando pensamentos cinzas e adentrando diálogos melancólicos, porém a sensação que tenho é a de que uma bomba-relógio está prestes a explodir, tão escura quanto a voz do inverno e tão silenciosa quanto a chuva, sua explosão nos lançará em ventos deslizantes da mais cinzenta paixão, onde mãos pálidas oscilam em ritmo com a escuridão gotejante e sussurros depois da meia-noite ecoam até o azul alvorecer espalhando-se entre as brancas nuvens fragilizadas. Por um tempo desaparecendo rápido de nossas vistas, estamos encarando a mais fria verdade por baixo dos dias onde jaz a indiferença: um retrato de cegos vagando no vazio de espelhos refletindo suas visões como o caixão onde seus sonhos jazem. Os olhos do diabo nos observam, olhos escuros e nebulosos, esperando nossos egos desaparecidos se arraigarem com o tormento, mas sem suspiros nós continuamos correndo na chuva movendo-se entre os gritos do ar gelado enquanto as batidas de nossos corações fraquejam.

segunda-feira, 9 de março de 2015

A Ilusão do Subconsciente

   Em águas imóveis e frescas os olhos de tom avelã observam todo movimento que faço, eles perseguem meu desejo por ventos estranhos como uma mariposa em chamas dentro do pôr-do-sol. Perto da meia-noite todas as regras são esmigalhadas à poeira, uma vontade espalha-se como um flagelo ardente, enchendo meu coração com o ar da doce canção da realidade que não pode ser mobilizada, pois abaixo das nuvens nebulosas tudo se torna uma ilusão, meu corpo é aprisionado em meu próprio subconsciente, mergulhando profundamente em um mar de medo e sofrimento em busca da origem embutida num frasco de julgamento. Eu acordo dentro de um trem dos sonhos, a chuva cai preto e branco borrando tudo o que resta à vista, desmoronando através da minha vergonha intima, onde as sombras são domesticadas no escuro das noites vazias. A cidade me envolve no vento que sopra da tempestade com cores que derretem dentro de amarrações esbeltas, apalpando a névoa bem acima da minha mente, esperando que uma autoconsciência me salve, mas eu percebo que nós vivemos como baratas empilhadas num bueiro sujo e imundo, como pilhas que sobem até o céu em busca de respostas que possam exaltar nossos cadáveres com uma música dançante enquanto a escuridão fúnebre nos rodeia refletindo nossa carne que sangra até que nada reste, os ossos derretendo em um líquido quente e os corações cansados de viver em um mundo de densas trevas.  As pessoas fingem que estão vivendo, mas seus rostos escondem a morte de suas insanas imaginações, vestindo preciosos vestuários para disfarçar o medo de suas almas enterradas na tumba de uma mentira, pois a verdade é feita de loucura: não existe ouro nos céus nem cores cinzentas no inferno. Tudo o que sentem é profundamente em vão a menos que suas ações estejam de acordo com a bússola que aponta para o futuro, pois como esse monstro dentro de nós, todo comportamento já foi previsto e recriado, enquanto somos consumidos pelo encanto de uma miragem entre o crepúsculo e o dia de um universo desconhecido. Cada esquina tem sua estória, janelas como olhos que testemunham sem alma, vendo do que o silêncio é feito, por que não importa o que cultivamos de sabedoria e serenidade nessa vida, nunca seremos mais do quão pequenos somos. Eu sou uma parte disso e sei que o suspiro de minhas lembranças desaparecerá na multidão, sozinho no palco, nunca poderei fazer parte desta realidade ilusória, meus olhos lustrosos encaram profundamente o que o espelho me faz ver, livre para viajar pela existência de uma lâmpada que irradia numa concha opaca transbordando a dor e o vazio, os dias que eu gostaria de trazer de volta ou as flores que desabrocham sufocando o céu de horizontes sem praias, até mesmo quando seu deslumbre é tão fraco... eu posso sentir o calor de seus raios num fluido de estações desaparecendo, todas as coisas unidas como uma luz que beija meu rosto e invade toda a minha alma.

Cronologia