quarta-feira, 1 de abril de 2015

Libélula

   Na faísca de um o sol poente os desertos de uma memória esquecida desaparecem no horizonte como vozes sem fôlego para dar, mas memórias são como palavras que fazem a ilusão, quando suas luzes dissolvem-se para beijar o vento elas repousam na poeira da sombreada lembrança onde os rasgos que pertencem ao frio rancor de uma vida encobrem as escolhas escuras. Como a neve caindo essas memórias ocultam-se em meus olhos vidrados, minhas palavras soam cansadas como uma suave carícia envolvendo o estranho calafrio das agonizantes mentiras desmanchando-se num nevoeiro vermelho-escuro e suspirando minha raiva enquanto vejo o entardecer através do que me assombra os sonhos. Entre os mais afetuosos momentos que consigo ter os ventos falam de lúgubres lares e trazem o choro distante do trovão partindo-se, com sombras flutuantes alcançando meu corpo, cobrindo-o como olhos de um fantasma, num sentimento de quando o tempo não parecia tão cinzento. Eu assisto a minha imagem desaparecer, adormecendo na voz de uma tempestade, enquanto as janelas se fecham e as memórias desvanecem como uma serena canção, mas nada pode me separar dos fragmentos escondidos da minha mente com os segredos que não posso guardar, o gelo percorre minhas entranhas sabendo que meu alter-ego está em você, envolvendo minha dor como fagulhas de uma mágoa, em seus olhos eu vejo a meia-luz de algo se mexendo enquanto a chuva cai e a esperança acorda a calmaria. O medo ecoa fundo e tão claro quanto à verdade debaixo dessa chuva, mas as águas nos despem antes de nos banhar em trevas, descansando suavemente, em sonhos tão azuis quanto o alvorecer da promessa que dorme em seus olhos. Eu sinto nosso fôlego noturno como espíritos dançando no frio, envolvendo a graça de um amor que vive sozinho em nossos corações, pois como olhos que se põem junto ao sol, aqueles sonhos que pareciam tão distantes estão nos cobrindo através de um nevoeiro silencioso e despertando docemente a esperança, uma vez mais sentindo a respiração do suave som onde o vazio repousa. Como macias asas de uma libélula soprando aos confins do céu, eu estou envolvido nesta amnésia, voando ao som de vagas nuvens cinzentas numa geada onde seu reflexo é lançado em meus olhos delineados com o negror da meia-noite, espantando pensamentos cinzas e adentrando diálogos melancólicos, porém a sensação que tenho é a de que uma bomba-relógio está prestes a explodir, tão escura quanto a voz do inverno e tão silenciosa quanto a chuva, sua explosão nos lançará em ventos deslizantes da mais cinzenta paixão, onde mãos pálidas oscilam em ritmo com a escuridão gotejante e sussurros depois da meia-noite ecoam até o azul alvorecer espalhando-se entre as brancas nuvens fragilizadas. Por um tempo desaparecendo rápido de nossas vistas, estamos encarando a mais fria verdade por baixo dos dias onde jaz a indiferença: um retrato de cegos vagando no vazio de espelhos refletindo suas visões como o caixão onde seus sonhos jazem. Os olhos do diabo nos observam, olhos escuros e nebulosos, esperando nossos egos desaparecidos se arraigarem com o tormento, mas sem suspiros nós continuamos correndo na chuva movendo-se entre os gritos do ar gelado enquanto as batidas de nossos corações fraquejam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cronologia