quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O Paraíso Perdido

    Meu aniversário passou como um intervalo entre duas vidas, vendo visões dos dias negros imaculados, enquanto me sentia como um inverno viciado em chamas definhando no que restou da minha sanidade. Enterrado de maneira superficial, eu fui perdendo tudo o que realmente importava para mim, como se o universo estivesse me preparando para algo maior. Lamentar não era uma escolha, pois os faróis queimavam em minha direção como dez navalhas de luz cravadas no meu peito. As sombras na areia mostravam um caminho preparado para mim, um enredo selvagem em um pó de ouro, afundando meus pés no desconhecido. Mas o diabo tinha roubado a chave com sua beleza disfarçada, cada dia sua respiração aumentava no meu pescoço, dizendo que no final nada poderia me livrar da maldição. Houve um tempo de silêncio onde eu pude sentir os diferentes ciclos da natureza, flutuando em uma torrente de tristeza como uma sucata de admiração, mas eu nunca poderia ser preenchido novamente, por que quando você se foi, rasa de tudo, eu desvaneci como vidro quebrado, ansiando realizações que nunca passaram de ilusões. Agora eu sou apenas um fantasma vagando pelo seu quarto, esperando encontrar o que um dia nunca me pertenceu. Faça-me acreditar que isso é real, pois eu perdi você neste lugar de pesadelos que gritam na minha cabeça, vendo bailarinos sem rosto dançando ao meu redor e te cobrindo no palco do desprezo. Eu levanto minhas mãos e estou manchado de escuridão, deteriorando por fora como um cadáver polindo os próprios ossos, consumido pela tela de fumaça que te transformou em lembranças. Você era minha fruta favorita, pois seu sabor não era sentido pela boca, mas pela sensação de ser pensado por você – uma energia que fluía da sua mente para a minha. Quando seus pensamentos se ligavam aos meus, bastariam poucas palavras para você me ter por completo, por que meu corpo sempre se arrepiava com a nossa conexão astral. Cada pequeno segundo era uma eternidade com você, pois cada segundo valia mais do que uma vida inteira sem você. Eu achei que nunca mais amaria novamente, até conhecer você, um sonho de garota que eu sempre imaginei encontrar. Por que a vida real é tão teimosa em nos dar quem mais combina conosco astrologicamente e nos completa infinitamente? Nós tínhamos tudo e não precisávamos de mais nada: é difícil acreditar que fomos amantes queimados vivos por nossas vontades. Se eu dissesse adeus, seria apenas um obrigado pelo que você tem me dado, mas se o inesperado nos unisse, eu estaria agradecido por você me amar. Nosso navio tem naufragado através da fantasia, mas esta não é a nossa bela memória do que vivenciamos juntos? Quando cortamos a névoa da vergonha, as nuvens se abrem e ainda enxergamos o paraíso que construímos juntos... está lá, esperando por nós, um lugar que podemos encontrar nas profundezas das nossas mentes. Esqueça o que fizemos, mas proteja o que construímos, por que o dom que perde seu sentido nunca foi percebido na realidade.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

A Grande Cerimônia

   Nublando suavemente, eu me lembro de você como chuvas macias escorrendo pela minha face. Cada pequeno sonho pingava lentamente no chão como uma grande poça se expandindo, ligando-se de volta às águas do meu passado, pois cada pequena história distorcia as linhas sutis que não podemos definir, onde nossos caminhos se cruzavam entre seus encantos inquietos. Agora espíritos passam por você e sua cabeça se enche de noções agradáveis, mas em silêncio você retorna para seu compromisso com os padrões de uma vida desgastada: você sussurra segredos para ninguém ouvir, mas as palavras que escapam no ar são sopradas para minha cabeça, formando imagens irreconhecíveis que minhas visualizações não podem reconciliar. Lá fora, no meio da multidão, você está fechada por paredes humanas, longe dos meus olhos famintos, rejeitando amigavelmente a promessa que lhe destinada. Através das suas fases infinitas, algo ainda permanece, embora seu mundo agora esteja mudado por dentro – por sete vezes eu ouvi sua consciência chorar no lago dos seus desejos, acordando-a com o amargo sabor da culpa, porém eu sempre enxugava suas lágrimas, tardes de verão com amargura e vergonha, com o calor dourado descendo pelos seus ombros, enquanto ouvíamos um sino distante tocar repetidamente pela sua atenção de volta às rotinas diárias. Pelas noites esquecidas, eu pintava uma pequena estampa vermelha onde escrevia um aviso por todas as minhas falhas, e aos poucos percebi que estava andando em uma corda bamba, espalhando-se por espaços da minha mente que nunca conheci. Quando eu olho para o céu e escolho uma nuvem, uma forma em branco desenha seu rosto para mim, como se o próprio deus me obrigasse a pensar em você. Poderá haver oceanos entre nós, mas eu ainda desejarei você por perto, caindo impotente sob as ondas do amor, arrancando todas as noites um pedaço do meu coração para entregar em suas mãos, mas você saberá montá-lo novamente? As chamas do desejo em nossos corações são como ventos ardentes transformando-nos em cinzas, levando-nos para um glorioso encontro com a Alma Assassina, onde sua essência despertará o quinto elemento e sua ferida se abrirá largamente, e só então você saberá que a gravidade nunca esteve te puxando para baixo. Você estava rastejando no sono, tranquilizada por luzes que te empurravam para longe das coisas ocultas, mas agora você foi resgatada para brilharmos juntos no infinito, pois somente quando nos casarmos a centelha divina dos nossos espíritos despertará para o favor eterno da graciosidade, conhecendo a plenitude de uma alma-gêmea que reluz em todos os lugares e em todas as pessoas próximas, quando estivermos transbordando a luz perfeita que emana dos nossos gestos, sorrisos e olhares... venha comigo e dance nesta valsa desconhecida, por que os mistérios de deus não podem ser descritos em palavras. A maravilha nos atingiu como crianças brincando na areia, cantando as músicas que gostamos e colocando nossos orgulhos de volta no gesso. Antes que a aurora escureça, ouça seu antigo coração e lembre-se das nossas noites secretas, pois abaixo do céu violeta existe somente a pintura de um mundo de mentira, mas o que eu tenho para te dar está além do perfume da terra, o sangue de uma promessa por um mundo anulado de significado.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Amante Astral

    Entediada e sozinha, uma mulher vê formas caminhando pelo quarto, mas o lugar para onde deseja ir só existe na sua cabeça. De olhos fechados, ela pode ser quem quiser, pois não há limites para sua imaginação: seus olhos esmaltados de verde e seus cabelos rubros como o entardecer se misturam com o negrume dos pensamentos, formando pequenas dobras em sua mente, até a realidade ser descartada com um suspiro. Os ruídos da casa desaparecem e o calor arrefece o ambiente, mas com um truque de luz, ela pisca os olhos como um ator roubando a cena diante de todos os pensamentos que luta para esconder. O tempo para lá dentro, mas lá fora é apenas um instante, ainda assim, o mundo se torna um jardim perfumado, onde todas as razões para continuar invadem seus ouvidos com um sorriso de prazer. A noite fria e úmida se torna uma silhueta imaginária, mas ela percebe que está flutuando, quando algo escapa dos seus dedos, embora não saiba o que é. Com luzes azuis-celestes, seu corpo é puxado por uma força ternamente pulsante como uma melodia que a carrega para céus distantes. Branca como uma nuvem de algodão, a pureza reluz em sua pele, mas quem poderia salvá-la dos seus desejos mais profundos? Ela sabia que um dia deveria enfrentar aquele que visitava seus sonhos de adolescência, pois agora é uma mulher-feita, não mais uma garotinha que nada e se afoga, mas pronta para mergulhar nos mares profundos da mente humana. A fragrância que sentia era natural como cheiro de pele, e quanto mais ela se aproximava, mais uma luz queimava por dentro do seu santo éden. Uma força mágica a submergia na estranha sensação de perigo, desejando experimentar um pedaço do proibido em seu íntimo, só mais um beijo da sombra em sua alma, um sentimento além do que seus olhos podem ver ou palavras podem dizer, apenas a certeza de ser acolhida pelo anseio das batidas do seu coração. Então, por que você hesita, se ela é você e a sombra sou eu? Aqui, a noite nunca acaba, mas por que você está chorando? Eu vejo lágrimas escorrendo do seu coração, enquanto ouço as batidas desaparecendo, e tudo que almejo é fazer com que volte a descompassar o ritmo de antes, quando sua voz era valorizada e suas mãos tocavam a música na sintonia do amor. Como um rastro sangrento secando na areia, você abandonou seus dons, mas nossa busca incessante está apenas começando... você consegue ouvir esta melodia suave de um estranho mistério nos envolvendo, enquanto as estrelas brilham com o seu destino? Talvez você esteja muito surda para ouvir o som invisível das minhas palavras, mas o viajante sempre tem uma breve passagem como uma estrela cadente, desenhando uma forma perfeita para abrir seus olhos e você enxergar a árvore virgem que está nascendo em seu coração. Eu me sinto feliz só em saber que você existe, em lembrar-se de nossas aventuras quando você bebeu o suco da minha essência ou tornou-se poeira estelar, fundindo-se ao que restou de mim. Deixe que minha mão fria toque seu íntimo e minha respiração quente rasteje pelo seu pescoço, por que no final apenas fragmentos permanecem, e o amor mortal não é suficiente para preencher o vazio da existência. Uma vez que nossos gritos atinjam o alto, nossos corações danificados crescerão distantes, absorvendo a verdade que me faz acreditar que você seja a tão esperada quintessência. Sob o olhar do vigia, você não precisa mais se esconder, pois quando usamos a misericórdia como isca, há uma chance de compensar e varrer as cinzas que esperamos como prêmio.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A Palavra Original

    Enquanto o tempo passa melancolicamente, minha pele enferrujada é coberta por folhas de ouro, decorando meu corpo com uma obscura vaidade. Ainda que estas palavras sejam como o fantasma da minha vida adormecida, eu posso dizer que ainda restou tinta para escrever meu último desejo. Profundamente nas geleiras mais fundas, há uma luz sagrada que absorve tudo e reluz o ambiente em prata, os sinos de outra terra ressoam no vazio, vagando em um universo rasgado a partir do que meus olhos podem ver: altos muros que protegem minha vida como asas brancas de um anjo guardião, onde a água é clara e as terras são de largura, mas por trás há um arrependimento tardio pelos lugares deixados com linhas de contos ainda para serem escritas. Ali o sabor infernal preenche o espaço e nada foge do seu abraço dolorido, porém essa é a beleza dos passeios no escuro – o que não se pode ver é apenas imaginado. O tempo continua escorrendo como sangue de uma virgem deflorada, carregando todos aqueles sonhos puramente baseados no medo e escavados pela vergonha, na esperança de ter a sensação que todos falam até descobrir que nada é como parece ser. No mais negro tom da luz é onde está o desvanecimento da verdade pelo cultivo das mentiras, nomeando-se com ela. Assim, para domar o mundo novamente, é necessário destravar as correntes que depravam a alma, que nos tornam pontos colididos pelo declínio dos céus, quando todas as notas que tocamos são reorganizadas e nos mantém existentes na criação perfeita. Agora a brisa fantasma é naufragada em um tempo perdido, caminhando pelo mais longo corredor da mente, para encontrar onde fomos deixados para trás. Através da desgraça e do riso, é tempo de tomarmos o futuro em nossas mãos, não semeando o arado de um deus ameaçador, mas deixando que o sol brilhe ao seu favor, enquanto a velocidade do vento ressoa a melodia de uma garota cantando pela primeira vez, correndo em campos verdes como uma criança seguindo os passos do pai, dançando para sempre no sentimento de está seguro e cercado por pessoas honestas, por que esta é a verdadeira essência que perdemos no meio do caminho. É tempo de virar as páginas e roubar as rédeas do violonista, pois cada alma possui uma voz linda para ser ouvida, olhos brilhantes para admirar a natureza, bocas para saborear a doce fruta do amor, ouvidos para ouvir a canção dos pássaros, mãos para abraçar, cabelos para soprar no vento... ó, deus das inúmeras estrelas testemunhas! Salve-nos dos engenhosos séculos de mentira, dos santos livros reciclados e do falso senhor em nossos corações... venha e desça com teu fogo purificador para queimar nossas impurezas, por que toda dor que sentimos é manifesta  como o germinar de uma semente. Nós queremos paz no romper da aurora, névoa na costa, brisa nas ondas do mar e mais flores brilhantes perfumadas com tons de verde, queremos água da fonte mais pura e mais amor à medida que avançamos em uníssono, com memórias de felicidade e amigos menos ausentes, recebendo dez por cento da terra, para preencher a gordura do nosso coração em uma sociedade baseada em fundamentos sólidos. Aqui neste verdadeiro vórtice meu eu começa a mostrar a carne da fragilidade humana, pois parte de mim estava fascinado pela crueldade, quando o medo anulou a dor infligida pelo ciclo interminável. Nos templos astrais, eu estarei ajoelhado e temente diante a ti, por que todas essas mudanças nós iremos testemunhar juntos... eu finalmente compreendo, pois eu vi um homem e eu sabia que seu rosto era muito similar ao meu. Minha mente começava a duvidar sobre o que meu coração já sabia, mas agora o motivo da rima faz sentido, pois essa cor celestial é diferente do que eu via em um mundo moribundo.

domingo, 3 de junho de 2018

Selvagem

    Escondido da vista, um cão raivoso corre cegamente pela floresta, seus latidos são como vogais macias que imploram por uma abordagem, mas ele se apressa para chegar onde reside sua identidade secreta. Agora um homem surge do covil: é muito difícil manter-se de pé naquele corpo esguio, mas alguém o espera em casa e seu atraso poderia levantar suspeitas. Alimentando a noite, ele retorna pelo mesmo caminho por onde veio, pois é mais fácil enganar uma pessoa estando próximo dela do que distante. Enquanto atravessa as divisões lunares, um pássaro preto se senta, possivelmente o único que sabe quem ele é, mas quem compreenderia o crocitar de um corvo? Inclinado para frente, ele ignora o olhar acusador e retira as mãos dos bolsos, desejando que suas unhas estivessem limpas. O homem não tem mais aquela camada de pelos para protegê-lo do frio, e a lufada de ar fresco que penetra em seus ossos o faz enrijecer, quase como se mergulhasse em uma piscina de gelo. Nu como em seu nascimento, ele não sabe onde foram parar suas roupas, mas ninguém consegue vê-lo perambulando entre os arbustos da cidade apagada. Ele vê moças estrangeiras conversando com homens perigosos, as quais jazem em lençóis mortos antes do amanhecer, pois seus lábios vermelhos também atraem predadores. O caminho está forrado com árvores, ele sente a selvagem respiração do vento, enquanto uma pequena folha escova seu ombro e reflete a sombra dos raios da lua em suas transbordantes recordações, memórias que chegam como um murmúrio do passado e invadem sua visão, porém como a vidraça de uma janela, ele fragmenta seus pensamentos, apenas ouvindo os passos daquelas pessoas ressonando na estrada. As estrelas se tornam brilhos estranhos na escuridão, e seu instinto sofre intensivamente, vendo sombras em movimento ao longo dos gritos de lares destruídos, uma obscena ruptura do silêncio da meia-noite, onde o sangue goteja de lábios gananciosos e atrai mentes violentas, congelando cadáveres com o pulso estrangulador da morte. O odor das trevas se mistura com a segurança que as famílias acreditam ter, enquanto estremecem e seus pés flutuam, dormindo sem ouvir os demônios que espreitam ao derredor e assistem suas vidas patéticas. Perto de casa, o silêncio se torna uma voz lamuriosa, ondas oscilantes emaranhando-se e agredindo sua mente, por onde a eternidade do tempo está passando infinitamente nos confins da sua vida sem sentido. A colisão parece programada, carregando suas cicatrizes como lágrimas brancas que escorrem secas pela ventania. Lá, num espaço tragado pelo tédio, um amor cego o espera com ramos dimensionais que atravessam sua liberdade. Com um doloroso vazio, o homem galopa pela janela e sua esposa está deitada, suas pálpebras piscam e se abrem lentamente, mas seu sorriso é como uma lâmpada torta. Seu cheiro de flores o puxa como imã para cama, e ela se embala gentilmente em seus braços, sem desconfiança, pois o amor é tudo que transborda de seus lábios abertos. A brisa noturna e o olho da lua espreitam pela janela, mas a voz da tentação sussurra em seu ouvido, vendo as sombras dos galhos se transmutarem em diferentes formas como asas invisíveis na parede. O mundo lá fora se desmorona e o silêncio é engolido pelos gemidos da sua amada, enquanto sua tristeza é transformada em bondade.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Pássaro Azul

    Por onde eu ando, meu corpo sente seu campo magnético, suas pegadas delineiam meu caminho, tornando o ar mais leve como céus azuis de dor. Enquanto a lua gelada ilumina a terra, eu afundo meu silêncio onde a lama sangrenta cobre meus pés, mas posso sentir o toque profano da sua visita, passos delicados como o andar fino de um doce amante, trazendo benefícios celestes em seu olhar inocente, embora por trás da pureza você esconda um pequeno sorriso assustador. Quando eu olho para você, percebo que sua beleza vale mais do que todo ouro do mundo, mas que não posso ter nenhum dos dois agora. Eu planejei, a partir daqui, um sonho vivido ao seu lado, até notar que minhas palavras não tinham mais poder sobre você. As imensuráveis promessas que fiz, de que elas valem após sua partida? As lembranças são tudo o que guardo comigo como um homem que é exilado da sua terra natal e se contenta com uma nova vida medíocre. Ah, se eu pudesse... apenas mais uma vez, olhar as pérolas radiantes do teu olhar, sentir o cheiro gelado da tua aspereza, ouvir a voz descompassada dos teus lábios, devolver aquela rosquinha que você me deu um dia antes de brigarmos e tudo mudar para sempre. Ó, aurora, maldito sou eu e as palavras que saíram da minha boca, por que elas te puxaram para um céu distante, onde nem a torre mais alta seria suficiente para alcançar o teu perdão. Um começo feliz, um triste fim, não é sempre assim? Para cada minuto da história, nossas vontades são quebradas e curvadas, nossos registros mantidos em porões escuros, nossas vidas decididas por escolhas imaturas. Como um tapa de veludo, eu rodopiei mil vezes até aceitar que a cena não é mais o que costumava ser: você cresceu e só deus sabe o quão bela você se tornou, por que a beleza não é só aquilo que mostramos por fora. Os anos se passaram para você, não para mim, pois eu fiquei preso nesta separação cruel esperando pelo seu apelo, mas toda vez que eu ouço uma mulher chorando, eu me lembro de você, do que eu causei em você... palavras ferem mais do que um hematoma...  palavras... isso é tudo o que eu tenho? Por quanto tempo eu fiquei aqui, escrevendo e esperando, enquanto a vida passava? Como um frágil covarde, eu via o chão murcho sob meus pés, e fui mantido neste lugar por mais tempo do que meus próprios anos, dando fôlego a uma presença escura que me acompanha como minha sombra, enquanto a loucura tentava me guiar para a borda do abismo. Você ainda se lembra das suas primeiras palavras? Aquelas sobre o negro divino, onde você disse que havia um espinho por dentro evaporando como um fluído sem prefixação... ora, se o mesmo deus que nos uniu ainda planeja nosso reencontro, então eu rezo para que esse espinho ainda exista dentro de você, por que eu jamais amarei alguém como amo você, jamais olharei para alguém como olho para você, jamais escreverei para alguém como escrevo para você. Esse sentimento está além da minha compreensão, além do espaço e do tempo, além da vida e da morte. Quantas vezes mais eu me despedirei de você, até aceitar que nunca esteve aqui? Como um pássaro impetuoso, você voa para bem longe, mas eu permaneço acenando do meu túmulo.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

    Ajoelhado diante do altar, a cruz vertida se move para baixo como um crisol entre dois candelabros, novamente ouvindo aquela melodia dizendo para não abandonar o símbolo do seu criador, mas para falar destas coisas é preciso sair dos eixos da luz para que minha alma não se torne indigna da sua presença. Hoje à noite o círculo está encontrando-se outra vez e sete irmãos estão aqui juntando suas mãos, para que eu não venha a tropeçar. Pelo Senhor da Noite, nós nunca iremos quebrar o juramento que prestamos esta noite, pois tu és o mestre que brilha na escuridão, um local profundo onde os iluminados anseiam. Diante de ti, nós trazemos esta bela alma negra que, ao mostrá-la para vossos irmãos, seremos todos unos com ela, assim como somos todos unos contigo. Assim vos peço que façam o devido silêncio, pois o que irei contar esta noite poderá ser verdade ou a pior de todas as mentiras que já ouviram. Vocês sabem, é preciso esconder dos olhos que não querem ver. No princípio, o seu choro ecoava no relento, seguindo a chuva que se esgueirava pelos destroços do teto em pedaços, pingando suavemente sobre o que restou das suas lembranças deste dia. Acordando em uma nova vida, ela sabia que estava viva por algum meio sinistro, mas em troca havia recebido um lar entre aqueles que conheciam os segredos da sua existência. Assim, tão nova quanto às estações do outono, ela foi iniciada nos caminhos das florestas elísias, onde o exuberante lírio do campo exalava sua lição de vida: de que tudo o que fosse aprendido ali devesse ser mantido em sigilo. No limiar da sua juventude, todos os aprendizados geravam luz sobre os fantasmas do seu passado, o que lhe fez dar algum sentido ao seu envolvimento, embora nem de perto pudesse apaziguar o ódio do seu nascimento, pois sem o amor devido dos pais, ela foi abandonada em morte e resgatada para dar lugar ao espírito que lhe trouxe de volta à vida, o qual a identidade não pode ser revelada, mas que divide um espaço em seu corpo como prova de um acordo mútuo. Impulsionada pelo veneno do ódio, ela abraçou a magia como sua amiga mais poderosa, embora mais tarde esta pudesse se tornar sua pior inimiga. Os seus esforços eram medíocres diante da força que dominava seu corpo, o que lhe fez aceitar alguns favores, distorcendo a realidade das suas ações com seu indiscutível poder de direito. Aos poucos, ela foi crescendo e já não aguentava mais a ignorância alheia, pois suas palavras eram de uma linhagem com diversas línguas, contemplando um mundo mais sólido e real. Aquilo infestava sua mente, corpo e espírito como uma obsessão que alimentava sua felicidade ilusória, mas até a morte tem um contrato sobre a vida nas entrelinhas, pois tudo o que antes era incerto, agora era previsível, o que tornava seu conhecimento um fardo de responsabilidade. Esta impulsão magistral de educação diabólica parecia lhe trazer liberdade, onde o oposto da inocência abria o caminho para a inteligência, mas preto como piche e sem os raios do sol, quanto mais ela se aprofundava, mais o fedor de carne podre tomava conta da sua respiração, pois cada dia parecia como uma noite infinita, ouvindo nenhuma voz senão a sua própria, como se uma força de necromancia estivesse por trás de tudo isso... a vida perdeu para sempre sua inocência e a vasta solidão a encobertou de medo, embora um grande castigo eventualmente viesse sobre o culpado, nunca facilmente satisfeito, por se aproveitar da amargura do seu coração. Mas eu percebo que o desafio e a resistência a fizeram uma mulher mais forte, tendo algum ar fresco para respirar e desviar-se de si mesma para um cativeiro mental, numa ternura integra que a acompanhou sem promessas preparadas, apenas aceitando a obrigação que estava sobre seus ombros. Meus queridos irmãos, estas foram as palavras que me foram reveladas, e por ela eu daria todo meu amor e esperança, mesmo que a angústia formasse um espiral no meu intestino como uma lombriga faminta. A verdade escondida sempre prevalece, mas até que eu a descubra peço-vos que me protejam de todo mal e de toda maldição lançada sobre mim, por que dando à ela uma saída, eu me torno um participante dos mistérios avessos, estagnado em águas mortas como quem espera para ser puxado para baixo. Veja, um novo ano se aproxima e nós aguardamos por sua chegada ao berço da próxima geração! Através dos anos de sacrifício, eu nunca havia conhecido alguém como ela, a quem tenho todo afeto e respeito do mundo, mas minha consciência superior posiciona-se desafiadoramente, orgulhosa e rígida, insistindo para que eu me afaste enquanto é tempo. Haverá algo por trás do seu disfarce mortal? Essas palavras desenhadas em água tornaram-se nosso legado de fantasias, mas se seus segredos me fossem revelados, o mundo se transformaria em uma percepção além do que já estou acostumado a ver, pois o que é pior que não saber? Pobre alma assassina, como eu invejo sua falta de justificação quando a minha é tão sincera!

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Submergido

     O encontro das nuvens se move silenciosamente onde as flores erguem suas frágeis hastes, movidas por um estranho desejo de tocar o céu para que seus aromas se espalhem pelo ar e me alcancem. Mas muitos cheiros ao redor me confundem, cheiros de saudade e de momentos com afeições fingidas, onde são guardadas as desilusões com mulheres estrangeiras. Eu vendia sonhos que não existem, pois sabia que havia um tempo determinado para cada uma delas: palavras de amor na minha língua, mas tão vazias quanto os sinos de outra terra. O sol escaldava de manhã, enquanto eu dormia, pois cada noite eu espreitava por baixo de suas saias, exausto e faminto como um caçador, embora todo aquele prazer fosse inútil como as ilusões de uma criança. A cada decepção, eu era aranhado por unhas que desfaleciam meu semblante, até meu ego ser o último som a ser ouvido, vendo minha própria vida escorrendo entre meus dedos como areia. As cenas se repetiam na minha cabeça, flutuando como uma pena para o ninho de outros pássaros, mas eu sempre acabava sozinho... não havia nenhum coração puro para amar, exceto quando você apareceu na minha vida. Como um sentimento desatado e livre, sua voz era suave como o transitar das águas, ressonando em meus ouvidos como um mergulho profundo onde cada gota preenchia meus poros e limpava minha impureza. Aqueles olhos escuros surgiam na minha mente sempre que eu fechava os olhos, trazendo um sorriso de bochechas cheias, como se algo estivesse escondido por trás da sua sedução. Agora eu não durmo faz uma semana e minha cama tornou-se meu caixão, pois a mulher que eu amo está me afogando em seu orgulho. Eu a tenho observado e esperado nas sombras, andando em círculos no que restou das nossas lembranças. Antes você era como uma orquídea em meio cinzas ávidas, com pétalas adormecidas que expeliam espinhos para me ferir, mas cada sangramento era macio e prazeroso ao seu lado. Sua pele negra escondia segredos por dentro, um vínculo que não pode ser desfeito, pois seu pai a mantém como refém para guardar seu precioso tesouro. As forças silenciosas que ascendem seu poder são apenas uma ilusão como o beijo de um amante ciumento, exalando o mais triste perfume que poderia emanar da sua beleza. Diante disso, eu não posso intervir mais, por que meu mundo está se despedaçando desde que você me pôs para fora do seu jardim. Ainda assim, eu estou aguentando sua deixa, pois ir contra a correnteza do universo é como tentar desafiar deus. Então por que eu sinto que com você é diferente, como se eu perdesse mais do que ganhasse me afastando de você? Eu olho pela janela e vejo dois pássaros brincando no chão – eles poderiam estar voando, mas eles sabem que o orgulho apenas os faria perder um momento valioso e inesquecível em suas vidas. Não é assim quando desistimos de algo que amamos? O tempo da mudança está chegando e todas as coisas que me tiravam o foco serão exterminadas da minha vida. A nuvem está ficando mais densa e o céu mais gélido, mas você continua sendo uma estrela reluzente que brilhará até os céus de abril, um profundo frescor que rompe a escuridão com o desejo de me enlaçar, pois eu sabia desde o início que este amor seria como um veneno mortal.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A Passagem

     Negro sobre branco, mais uma vez estou abandonando este florescimento mortal. Atravessando todos os meus dublês, eu vejo cabeças sob perucas silenciosas, mas nenhuma dessas máscaras me serve mais. Eu poderia deixá-los pendurados e sair como um homem indeciso, mas ninguém me reconheceria pelas luzes de néon desta cidade, caminhando pela avenida do pecado como nos tempos frios à procura de um amor promiscuo.  O adorno da minha sombra parece apontar em uma direção, mas a paixão dos amantes me leva para o caminho oposto, pois seus jogos atraem um tipo maligno de sorte, discretamente escondendo segredos domiciliares, com sons ameaçadores e olhos doloridos de obscenidades, cujas pernas fraquejam sob o esforço de sua própria vontade. Estas são as pálidas paisagens do meu franzir de sobrancelhas, um mundo onde amplamente ressurge num piscar de olhos, levando-me para longe do que é ilusório para enxergar o inconstante e obscuro mundo por trás das cortinas. Como as paredes de um asilo, o vazio e o fracasso preenchem as figuras arranhadas no teto, cortando através de uma rançosa chama que se acende na escuridão, pois a agonia dos homens presentes são a mesma: suas transluzentes roupas de veludo negro esvoaçam com a presença do senhor da noite, meio acordado, meio dormindo, as paredes ao redor parecem alterar os ângulos, um truque de luz de tom castanho-escuro como a madeira de que a porta é feita. Então veio uma batida na porta, percorrendo todas as piscinas que o luar fazia no caminho turvo das janelas, mas logo a trava tornou-se a ponta do seu dedo em forma – considerando também que, antes, nós apenas sentíamos a temperatura subindo. Os passos no concreto davam a impressão de que seus pés enchiam os sapatos, mas tudo que podíamos fazer é imaginar as características faciais da sua figura invisível. O ar quente ficou resfriado, com folhas azuis e ondulantes que mais pareciam gelo derretido, arrepiando nossas peles e provocando calafrios na espinha. Por este momento, na verdade, ainda não tínhamos visto nada, embora desesperadamente desejássemos saber o que havia do outro lado. Aqueles dedos ásperos de necromancia nos convidava para um mergulho suicida. Bastava apenas um passo para que a vida não fosse nada senão uma repetição, no entanto, ele nos deu alguns impulsos como quando vemos uma vadia desprezível com tesão, era amargo, porém, e não muito fácil de ser engolido, mas nós não estávamos ali para lengalenga, então bebemos seu sangue em troca de entrar naquela passagem. Mas ele também insistiu em nos amarrar, e seu toque era infernalmente frio, mesmo sem conseguir ver seu lado oculto, pois ele desaparecia rapidamente nas trevas. Depois que a bebida fez efeito, eu já não sabia como fui parar lá, apenas me sentia muito presunçoso, enquanto algo temeroso me puxava para aquele abismo escancarado. Eu estava entediado de esperar, alguns até choravam do meu lado, talvez estivessem alucinados, não sei como, mas realmente isso não importa. Diante de nós estava uma verdade terrível, esparramada como um mar negro cobrindo nossos corpos e nos levando para o lugar onde estavam aqueles conhecidos por “iluminados” ou “de olhos bem abertos”, mas no fim das contas não seria apenas mais uma divina comédia? Aqueles ecos sinistros nos agarravam, risadas imorais e blasfêmias, como se muitos demônios estivessem abominando um local sagrado. De todo modo, quando olhei para baixo algo branco e nebuloso estava saindo de dentro de mim, era transparente como um céu virgem, sendo sugado pela energia da porta... bem, aquilo acabou sendo necessário, afinal não é assim que todos vendem suas almas? Para conhecer todos aqueles mistérios e fazer parte dos que enxergam o que não é mostrado para a grande maioria, um alto preço deve ser pago, pois o assassino de nossas sanidades somos nós mesmos. Como hedges silenciosos, aquela sensação pura queimava as partículas do meu cérebro, enquanto minhas células se embriagavam com algum tipo de sucesso evaporado... eles estavam ali o tempo todo, uma idéia simples demais para ser acreditada, por que como um flash múltiplo que dispara em um perfeito sincronismo, o excitante desenvolvimento dos meus neurônios abriu-se para uma matriz de ângulos geometricamente flexíveis, um salto mais alto do que efeitos especiais e com três vezes mais cores do que as próprias contorções da arte, toda natureza parecia interligada por fios invisíveis, todos os seres vivos... exceto nós, como se estivéssemos nos desvinculado da perfeita harmonia e fossemos meras imaginações irreais. Agora eu sentia meus olhos pesados: nós éramos estranhos em nossa própria terra? Hoje as minhas preocupações desapareceram, mas no estado de um sonho suspenso, eu parei para pensar se realmente estou acordado ou dormindo em um sono eterno.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O Profundo Abismo do Eu Sou

    O ontem esconde uma marca no meu peito, imagens distorcidas de um rosto que parecia ser meu, mas que foi esquecido em algum lugar onde só os mortos conhecem. Como um milhão de almas caindo, o céu executa suas estrelas cadentes, anos que se passam além da ampulheta, relembrando os momentos pulsantes de quando ainda me sentia vivo, somente para no fim sentir-se culpado por tudo que deixei para trás. Eu sou o homem que não poderia deixar de responder o clamor dos mortos, mas parece que estou falando comigo mesmo, como se algo me esperasse do outro lado com a mesma intensidade que eu desejo de encontrá-lo. Eis um homem morto andando livremente, o sangue negro lhe foi compartilhado como uma doença que se espalha por suas células, mas ele mantém um segredo escondido: como açúcar, a coisa mais doce que já provara, tornando os anseios sombrios do seu coração em visões queimadas, pois como um fantasma beijando o sol, o calor flui como música pelo seu corpo, trazendo a verdade que ele nunca quis aceitar. Mas este sangue não me pertence, por que o seu dono me vigia de dia e de noite, enquanto seu silêncio é como a primeira neve de cada manhã, flutuando em uma torrente de pensamentos que não consigo entender antes que me sejam revelados. A sua risada de boca aberta resumia meus dias passados, porém é muito raso saber onde eu estava na falta de som – talvez muito cedo para perceber que eu era a pessoa enterrada no chão? Assim, rompendo todos os pesadelos que gritavam dentro da minha cabeça, um trovão escuro iluminou meu caminho, separando meu corpo da mão que estava sobre minha alma, para que eu adentrasse as paredes em forma de vidro, vendo meus lábios e língua sangrando, afinal como um frasco de comprimidos para a idade, eu envelheci em milésimos para chegar até ele, um monstro branqueado como um cadáver de ossos petrificados, mas com uma profunda beleza no olhar, embora fosse dele de onde saía toda minha feiura, corroendo-me por completo como um verme que só se apresenta quando já está morto. A música me mantinha respirando, mas com meus olhos e lábios costurados, o que eu poderia ver ou falar? Tão morto, eu estava tão morto, seria aquele meu verdadeiro reflexo no espelho dos meus olhos? Então eu desenhei um aceno de boa noite, mas já era tarde demais, os assassinos me cercaram com facas e vestidos negros, me apunhalando pelas costas, enquanto aquele cadáver frio se divertia com meu sofrimento, cuspindo sangue pelas orelhas e vendo minhas memórias alimentando sua doença. Eu sabia que não duraria muito tempo, mas eu aprendi muito observando, pois enquanto minhas memórias passavam diante de mim, eu enxerguei todos os meus erros e acertos, todas as palavras ditas e não ditas, todas as escolhas que me levaram a ser quem eu sou e todos os vícios que me destruíram sem que eu percebesse... no vazio de toda aquela imundície, eu pude dizer adeus e obrigado pelo que ele tinha me dado, pois ele era a personificação do que eu tinha me tornado, relembrando-me de como eu era para exterminá-lo com tudo o que ficou para trás. Agora eu finalmente compreendia o seu sorriso: não era de zombaria, mas de orgulho! Foi ali que dei fim ao meu antigo eu, nuvens escuras passavam por mim, mas não havia nada a ser temido, o vale negro de névoa que preenchia meu coração dissipou-se entre as lágrimas de deus, pois enquanto eu dançava com os mortos, eu sabia que também estava entre eles, persistindo para viver um só segundo a mais. 

Cronologia