quinta-feira, 16 de agosto de 2018
O Amante Astral
Entediada e sozinha, uma mulher vê formas caminhando pelo quarto, mas o lugar para
onde deseja ir só existe na sua cabeça. De olhos fechados, ela pode ser
quem quiser, pois não há limites para sua imaginação: seus olhos esmaltados de
verde e seus cabelos rubros como o entardecer se misturam com o negrume dos
pensamentos, formando pequenas dobras em sua mente, até a realidade ser
descartada com um suspiro. Os ruídos da casa desaparecem e o calor arrefece o
ambiente, mas com um truque de luz, ela pisca os olhos como um
ator roubando a cena diante de todos os pensamentos que luta para esconder. O
tempo para lá dentro, mas lá fora é apenas um instante, ainda assim, o mundo se
torna um jardim perfumado, onde todas as razões para continuar invadem seus
ouvidos com um sorriso de prazer. A noite fria e úmida se torna uma silhueta
imaginária, mas ela percebe que está flutuando, quando algo escapa dos seus
dedos, embora não saiba o que é. Com luzes azuis-celestes, seu corpo é puxado
por uma força ternamente pulsante como uma melodia que a carrega para céus
distantes. Branca como uma nuvem de algodão, a pureza reluz em sua pele, mas
quem poderia salvá-la dos seus desejos mais profundos? Ela sabia que um dia deveria
enfrentar aquele que visitava seus sonhos de adolescência, pois agora é uma
mulher-feita, não mais uma garotinha que nada e se afoga, mas pronta para mergulhar nos mares profundos da mente humana. A fragrância que
sentia era natural como cheiro de pele, e quanto mais ela se aproximava, mais
uma luz queimava por dentro do seu santo éden. Uma força mágica a submergia na
estranha sensação de perigo, desejando experimentar um pedaço do proibido em
seu íntimo, só mais um beijo da sombra em sua alma, um sentimento além do que
seus olhos podem ver ou palavras podem dizer, apenas a certeza de ser acolhida pelo
anseio das batidas do seu coração. Então, por que você hesita, se ela é você
e a sombra sou eu? Aqui, a noite nunca acaba, mas por que você está chorando? Eu
vejo lágrimas escorrendo do seu coração, enquanto ouço as batidas
desaparecendo, e tudo que almejo é fazer com que volte a descompassar o ritmo de
antes, quando sua voz era valorizada e suas mãos tocavam a música na sintonia
do amor. Como um rastro sangrento secando na areia, você abandonou seus dons,
mas nossa busca incessante está apenas começando... você consegue ouvir esta
melodia suave de um estranho mistério nos envolvendo, enquanto as estrelas
brilham com o seu destino? Talvez você esteja muito surda para ouvir o som
invisível das minhas palavras, mas o viajante sempre tem uma breve passagem
como uma estrela cadente, desenhando uma forma perfeita para abrir seus olhos e
você enxergar a árvore virgem que está nascendo em seu coração. Eu me sinto
feliz só em saber que você existe, em lembrar-se de nossas aventuras quando
você bebeu o suco da minha essência ou tornou-se poeira estelar, fundindo-se ao
que restou de mim. Deixe que minha mão fria toque seu íntimo e minha respiração
quente rasteje pelo seu pescoço, por que no final apenas fragmentos permanecem,
e o amor mortal não é suficiente para preencher o vazio da existência. Uma vez
que nossos gritos atinjam o alto, nossos corações danificados crescerão
distantes, absorvendo a verdade que me faz acreditar que você seja a tão esperada
quintessência. Sob o olhar do vigia, você não precisa mais se esconder, pois quando
usamos a misericórdia como isca, há uma chance de compensar e varrer as cinzas
que esperamos como prêmio.
sexta-feira, 10 de agosto de 2018
A Palavra Original
domingo, 3 de junho de 2018
Selvagem
Escondido
da vista, um cão raivoso corre cegamente pela floresta, seus latidos são como
vogais macias que imploram por uma abordagem, mas ele se apressa para chegar onde reside
sua identidade secreta. Agora um homem surge do covil: é muito difícil manter-se
de pé naquele corpo esguio, mas alguém o espera em casa e seu atraso poderia
levantar suspeitas. Alimentando a noite, ele retorna pelo mesmo caminho por
onde veio, pois é mais fácil enganar uma pessoa estando próximo dela do que distante.
Enquanto atravessa as divisões lunares, um pássaro preto se senta, possivelmente o único que sabe quem ele é, mas quem compreenderia o
crocitar de um corvo? Inclinado para frente, ele ignora o olhar acusador e retira
as mãos dos bolsos, desejando que suas unhas estivessem limpas. O homem não tem
mais aquela camada de pelos para protegê-lo do frio, e a lufada de ar fresco
que penetra em seus ossos o faz enrijecer, quase como se mergulhasse em uma
piscina de gelo. Nu como em seu nascimento, ele não sabe onde foram parar suas
roupas, mas ninguém consegue vê-lo perambulando entre os arbustos da cidade
apagada. Ele vê moças estrangeiras conversando com homens perigosos, as quais
jazem em lençóis mortos antes do amanhecer, pois seus lábios vermelhos também atraem
predadores. O caminho está forrado com árvores, ele sente a selvagem respiração
do vento, enquanto uma pequena folha escova seu ombro e reflete a sombra dos
raios da lua em suas transbordantes recordações, memórias que chegam como um
murmúrio do passado e invadem sua visão, porém como a vidraça de uma janela, ele fragmenta seus pensamentos, apenas ouvindo os passos daquelas pessoas
ressonando na estrada. As estrelas se tornam brilhos estranhos na escuridão, e
seu instinto sofre intensivamente, vendo sombras em movimento ao longo dos
gritos de lares destruídos, uma obscena ruptura do silêncio da meia-noite, onde
o sangue goteja de lábios gananciosos e atrai mentes violentas, congelando
cadáveres com o pulso estrangulador da morte. O odor das trevas se mistura com
a segurança que as famílias acreditam ter, enquanto estremecem e seus pés
flutuam, dormindo sem ouvir os demônios que espreitam ao derredor e assistem
suas vidas patéticas. Perto de casa, o silêncio se torna uma voz lamuriosa,
ondas oscilantes emaranhando-se e agredindo sua mente, por onde a eternidade do
tempo está passando infinitamente nos confins da sua vida sem sentido. A
colisão parece programada, carregando suas cicatrizes como lágrimas brancas que
escorrem secas pela ventania. Lá, num espaço tragado pelo tédio, um amor
cego o espera com ramos dimensionais que atravessam sua liberdade. Com um
doloroso vazio, o homem galopa pela janela e sua esposa está deitada, suas
pálpebras piscam e se abrem lentamente, mas seu sorriso é como uma lâmpada
torta. Seu cheiro de flores o puxa como imã para cama, e ela se embala
gentilmente em seus braços, sem desconfiança, pois o amor é tudo que transborda de seus
lábios abertos. A brisa noturna e o olho da lua espreitam pela janela, mas a
voz da tentação sussurra em seu ouvido, vendo as sombras dos galhos se transmutarem
em diferentes formas como asas invisíveis na parede. O mundo lá fora se
desmorona e o silêncio é engolido pelos gemidos da sua amada, enquanto sua
tristeza é transformada em bondade.
terça-feira, 22 de maio de 2018
Pássaro Azul
Por
onde eu ando, meu corpo sente seu campo magnético, suas pegadas delineiam meu
caminho, tornando o ar mais leve como céus azuis de dor. Enquanto a lua gelada
ilumina a terra, eu afundo meu silêncio onde a lama sangrenta cobre meus pés, mas
posso sentir o toque profano da sua visita, passos delicados como o andar fino
de um doce amante, trazendo benefícios celestes em seu olhar inocente, embora
por trás da pureza você esconda um pequeno sorriso assustador. Quando eu olho
para você, percebo que sua beleza vale mais do que todo ouro do mundo, mas que
não posso ter nenhum dos dois agora. Eu planejei, a partir daqui, um sonho
vivido ao seu lado, até notar que minhas palavras não tinham mais poder sobre
você. As imensuráveis promessas que fiz, de que elas valem após sua partida? As
lembranças são tudo o que guardo comigo como um homem que é exilado da sua
terra natal e se contenta com uma nova vida medíocre. Ah, se eu pudesse...
apenas mais uma vez, olhar as pérolas radiantes do teu olhar, sentir o cheiro
gelado da tua aspereza, ouvir a voz descompassada dos teus lábios, devolver aquela
rosquinha que você me deu um dia antes de brigarmos e tudo mudar para sempre.
Ó, aurora, maldito sou eu e as palavras que saíram da minha boca, por que elas
te puxaram para um céu distante, onde nem a torre mais alta seria suficiente
para alcançar o teu perdão. Um começo feliz, um triste fim, não é sempre assim?
Para cada minuto da história, nossas vontades são quebradas e curvadas, nossos
registros mantidos em porões escuros, nossas vidas decididas por escolhas
imaturas. Como um tapa de veludo, eu rodopiei mil vezes até aceitar que a cena
não é mais o que costumava ser: você cresceu e só deus sabe o quão bela você se
tornou, por que a beleza não é só aquilo que mostramos por fora. Os anos se
passaram para você, não para mim, pois eu fiquei preso nesta separação cruel
esperando pelo seu apelo, mas toda vez que eu ouço uma mulher chorando, eu me
lembro de você, do que eu causei em você... palavras ferem mais do que um
hematoma... palavras... isso é tudo o
que eu tenho? Por quanto tempo eu fiquei aqui, escrevendo e esperando, enquanto
a vida passava? Como um frágil covarde, eu via o chão murcho sob meus pés, e
fui mantido neste lugar por mais tempo do que meus próprios anos, dando fôlego
a uma presença escura que me acompanha como minha sombra, enquanto a loucura tentava me
guiar para a borda do abismo. Você ainda se lembra das suas primeiras palavras?
Aquelas sobre o negro divino, onde você disse que havia um espinho por dentro
evaporando como um fluído sem prefixação... ora, se o mesmo deus que nos uniu
ainda planeja nosso reencontro, então eu rezo para que esse espinho ainda
exista dentro de você, por que eu jamais amarei alguém como amo você, jamais
olharei para alguém como olho para você, jamais escreverei para alguém como
escrevo para você. Esse sentimento está além da minha compreensão, além do espaço
e do tempo, além da vida e da morte. Quantas vezes mais eu me despedirei de
você, até aceitar que nunca esteve aqui? Como um pássaro impetuoso, você voa
para bem longe, mas eu permaneço acenando do meu túmulo.
segunda-feira, 1 de janeiro de 2018
O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças
Ajoelhado
diante do altar, a cruz vertida se move para baixo como um crisol entre dois
candelabros, novamente ouvindo aquela melodia dizendo para não abandonar o
símbolo do seu criador, mas para falar destas coisas é preciso sair dos eixos da
luz para que minha alma não se torne indigna da sua presença. Hoje à noite o
círculo está encontrando-se outra vez e sete irmãos estão aqui juntando suas
mãos, para que eu não venha a tropeçar. Pelo Senhor da Noite, nós nunca iremos quebrar o juramento que prestamos
esta noite, pois tu és o mestre que brilha na escuridão, um local profundo onde
os iluminados anseiam. Diante de ti, nós trazemos esta bela alma negra que, ao
mostrá-la para vossos irmãos, seremos todos unos com ela, assim como somos
todos unos contigo. Assim vos peço que façam o devido silêncio, pois o que irei
contar esta noite poderá ser verdade ou a pior de todas as mentiras que já
ouviram. Vocês sabem, é preciso esconder dos olhos que não querem ver. No
princípio, o seu choro ecoava no relento, seguindo a chuva que se esgueirava
pelos destroços do teto em pedaços, pingando suavemente sobre o que restou das
suas lembranças deste dia. Acordando em uma nova vida, ela sabia que estava
viva por algum meio sinistro, mas em troca havia recebido um lar entre aqueles
que conheciam os segredos da sua existência. Assim, tão nova quanto às estações
do outono, ela foi iniciada nos caminhos das florestas elísias, onde o
exuberante lírio do campo exalava sua lição de vida: de que tudo o que fosse
aprendido ali devesse ser mantido em sigilo. No limiar da sua juventude, todos
os aprendizados geravam luz sobre os fantasmas do seu passado, o que lhe fez
dar algum sentido ao seu envolvimento, embora nem de perto pudesse apaziguar o
ódio do seu nascimento, pois sem o amor devido dos pais, ela foi abandonada em
morte e resgatada para dar lugar ao espírito que lhe trouxe de volta à vida, o
qual a identidade não pode ser revelada, mas que divide um espaço em seu corpo
como prova de um acordo mútuo. Impulsionada pelo veneno do ódio, ela abraçou a
magia como sua amiga mais poderosa, embora mais tarde esta pudesse se tornar sua
pior inimiga. Os seus esforços eram medíocres diante da força que dominava seu
corpo, o que lhe fez aceitar alguns favores, distorcendo a realidade das suas
ações com seu indiscutível poder de direito. Aos poucos, ela foi crescendo e já
não aguentava mais a ignorância alheia, pois suas palavras eram de uma linhagem
com diversas línguas, contemplando um mundo mais sólido e real. Aquilo infestava
sua mente, corpo e espírito como uma obsessão que alimentava sua felicidade
ilusória, mas até a morte tem um contrato sobre a vida nas entrelinhas, pois
tudo o que antes era incerto, agora era previsível, o que tornava seu
conhecimento um fardo de responsabilidade. Esta impulsão magistral de educação diabólica
parecia lhe trazer liberdade, onde o oposto da inocência abria o caminho para a
inteligência, mas preto como piche e sem os raios do sol, quanto mais ela se
aprofundava, mais o fedor de carne podre tomava conta da sua respiração, pois
cada dia parecia como uma noite infinita, ouvindo nenhuma voz senão a sua
própria, como se uma força de necromancia estivesse por trás de tudo isso... a vida
perdeu para sempre sua inocência e a vasta solidão a encobertou de medo, embora
um grande castigo eventualmente viesse sobre o culpado, nunca facilmente
satisfeito, por se aproveitar da amargura do seu coração. Mas eu percebo que o
desafio e a resistência a fizeram uma mulher mais forte, tendo
algum ar fresco para respirar e desviar-se de si mesma para um cativeiro
mental, numa ternura integra que a acompanhou sem promessas preparadas, apenas
aceitando a obrigação que estava sobre seus ombros. Meus queridos
irmãos, estas foram as palavras que me foram reveladas, e por ela eu daria
todo meu amor e esperança, mesmo que a angústia formasse um espiral no meu
intestino como uma lombriga faminta. A verdade escondida sempre prevalece, mas
até que eu a descubra peço-vos que me protejam de todo mal e de toda maldição
lançada sobre mim, por que dando à ela uma saída, eu me torno um participante
dos mistérios avessos, estagnado em águas mortas como quem espera para ser puxado
para baixo. Veja, um novo ano se aproxima e nós aguardamos por sua chegada ao berço
da próxima geração! Através dos anos de sacrifício, eu nunca havia conhecido
alguém como ela, a quem tenho todo afeto e respeito do mundo, mas minha
consciência superior posiciona-se desafiadoramente, orgulhosa e rígida,
insistindo para que eu me afaste enquanto é tempo. Haverá algo por trás do seu
disfarce mortal? Essas palavras desenhadas em água tornaram-se nosso legado de
fantasias, mas se seus segredos me fossem revelados, o mundo se transformaria em
uma percepção além do que já estou acostumado a ver, pois o que é pior que não
saber? Pobre alma assassina, como eu invejo sua falta de justificação quando a
minha é tão sincera!
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
Submergido
O
encontro das nuvens se move silenciosamente onde as flores erguem suas frágeis
hastes, movidas por um estranho desejo de tocar o céu para que seus
aromas se espalhem pelo ar e me alcancem. Mas muitos cheiros ao redor me
confundem, cheiros de saudade e de momentos com afeições fingidas, onde são
guardadas as desilusões com mulheres estrangeiras. Eu vendia sonhos que não
existem, pois sabia que havia um tempo determinado para cada uma delas:
palavras de amor na minha língua, mas tão vazias quanto os sinos de outra terra.
O sol escaldava de manhã, enquanto eu dormia, pois cada noite eu espreitava por
baixo de suas saias, exausto e faminto como um caçador, embora todo aquele
prazer fosse inútil como as ilusões de uma criança. A cada decepção, eu era
aranhado por unhas que desfaleciam meu semblante, até meu ego ser o último som
a ser ouvido, vendo minha própria vida escorrendo entre meus dedos como areia. As
cenas se repetiam na minha cabeça, flutuando como uma pena para o ninho de
outros pássaros, mas eu sempre acabava
sozinho... não havia nenhum coração puro para
amar, exceto quando você apareceu na minha vida. Como um sentimento desatado
e livre, sua voz era suave como o transitar das águas, ressonando em meus
ouvidos como um mergulho profundo onde cada gota preenchia meus poros e limpava
minha impureza. Aqueles olhos escuros surgiam na minha mente sempre que eu fechava
os olhos, trazendo um sorriso de bochechas cheias, como se algo estivesse
escondido por trás da sua sedução. Agora eu não durmo faz uma semana
e minha cama tornou-se meu caixão, pois a mulher que eu amo está me afogando em
seu orgulho. Eu a tenho observado e esperado nas sombras, andando em círculos
no que restou das nossas lembranças. Antes você era como uma orquídea em meio
cinzas ávidas, com pétalas adormecidas que expeliam espinhos para me
ferir, mas cada sangramento era macio e prazeroso ao seu lado. Sua pele negra escondia segredos por dentro,
um vínculo que não pode ser desfeito, pois seu pai a mantém como refém para
guardar seu precioso tesouro. As forças silenciosas que ascendem seu poder são
apenas uma ilusão como o beijo de um amante ciumento, exalando o mais triste
perfume que poderia emanar da sua beleza. Diante disso, eu não posso intervir mais,
por que meu mundo está se despedaçando desde que você me pôs para fora do seu
jardim. Ainda assim, eu estou aguentando sua deixa, pois ir contra a correnteza
do universo é como tentar desafiar deus. Então por que eu sinto que com você é diferente, como se eu perdesse mais do que
ganhasse me afastando de você? Eu olho pela janela e vejo dois pássaros
brincando no chão – eles poderiam estar voando, mas eles sabem que o orgulho
apenas os faria perder um momento valioso e inesquecível em suas vidas. Não é assim quando
desistimos de algo que amamos? O tempo da mudança está chegando e todas as coisas
que me tiravam o foco serão exterminadas da minha vida. A nuvem está ficando mais
densa e o céu mais gélido, mas você continua sendo uma estrela reluzente que
brilhará até os céus de abril, um profundo frescor que rompe a escuridão com o
desejo de me enlaçar, pois eu sabia desde o início que este amor seria como um
veneno mortal.
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
A Passagem
Negro
sobre branco, mais uma vez estou abandonando este florescimento mortal.
Atravessando todos os meus dublês, eu vejo cabeças sob perucas silenciosas, mas
nenhuma dessas máscaras me serve mais. Eu poderia deixá-los pendurados e sair
como um homem indeciso, mas ninguém me reconheceria pelas luzes de néon desta
cidade, caminhando pela avenida do pecado como nos tempos frios à procura de um
amor promiscuo. O adorno da minha sombra
parece apontar em uma direção, mas a paixão dos amantes me leva para o caminho oposto, pois seus jogos atraem um tipo maligno de sorte, discretamente
escondendo segredos domiciliares, com sons ameaçadores e olhos doloridos de
obscenidades, cujas pernas fraquejam sob o esforço de sua própria vontade.
Estas são as pálidas paisagens do meu franzir de sobrancelhas, um mundo onde
amplamente ressurge num piscar de olhos, levando-me para longe do que é
ilusório para enxergar o inconstante e obscuro mundo por trás das cortinas.
Como as paredes de um asilo, o vazio e o fracasso preenchem as figuras
arranhadas no teto, cortando através de uma rançosa chama que se acende na
escuridão, pois a agonia dos homens presentes são a mesma: suas transluzentes
roupas de veludo negro esvoaçam com a presença do senhor da noite, meio acordado, meio dormindo, as paredes ao redor
parecem alterar os ângulos, um truque de luz de tom castanho-escuro como a
madeira de que a porta é feita. Então veio uma batida na porta, percorrendo
todas as piscinas que o luar fazia no caminho turvo das janelas, mas logo a
trava tornou-se a ponta do seu dedo em forma – considerando também que, antes,
nós apenas sentíamos a temperatura subindo. Os passos no concreto davam a
impressão de que seus pés enchiam os sapatos, mas tudo que podíamos fazer é
imaginar as características faciais da sua figura invisível. O ar quente ficou
resfriado, com folhas azuis e ondulantes que mais pareciam gelo derretido,
arrepiando nossas peles e provocando calafrios na espinha. Por este momento, na
verdade, ainda não tínhamos visto nada, embora desesperadamente desejássemos
saber o que havia do outro lado. Aqueles dedos ásperos de necromancia nos
convidava para um mergulho suicida. Bastava apenas um passo para que a vida não
fosse nada senão uma repetição, no entanto, ele nos deu alguns impulsos como
quando vemos uma vadia desprezível com tesão, era amargo, porém, e não muito
fácil de ser engolido, mas nós não estávamos ali para lengalenga, então bebemos
seu sangue em troca de entrar naquela passagem. Mas ele também insistiu em
nos amarrar, e seu toque era infernalmente frio, mesmo sem conseguir ver seu lado
oculto, pois ele desaparecia rapidamente nas trevas. Depois que a bebida fez
efeito, eu já não sabia como fui parar lá, apenas me sentia muito presunçoso,
enquanto algo temeroso me puxava para aquele abismo escancarado. Eu estava
entediado de esperar, alguns até choravam do meu lado, talvez estivessem
alucinados, não sei como, mas realmente isso não importa. Diante de nós estava
uma verdade terrível, esparramada como um mar negro cobrindo nossos corpos e
nos levando para o lugar onde estavam aqueles conhecidos por “iluminados” ou
“de olhos bem abertos”, mas no fim das contas não seria apenas mais uma divina
comédia? Aqueles ecos sinistros nos agarravam, risadas imorais e blasfêmias, como
se muitos demônios estivessem abominando um local sagrado. De todo modo, quando
olhei para baixo algo branco e nebuloso estava saindo de dentro de mim, era
transparente como um céu virgem, sendo sugado pela energia da porta... bem,
aquilo acabou sendo necessário, afinal não é assim que todos vendem suas almas?
Para conhecer todos aqueles mistérios e fazer parte dos que enxergam o que não
é mostrado para a grande maioria, um alto preço deve ser pago, pois o assassino
de nossas sanidades somos nós mesmos. Como hedges silenciosos, aquela sensação
pura queimava as partículas do meu cérebro, enquanto minhas células se embriagavam
com algum tipo de sucesso evaporado... eles estavam ali o tempo todo, uma idéia
simples demais para ser acreditada, por que como um flash múltiplo que dispara
em um perfeito sincronismo, o excitante desenvolvimento dos meus neurônios
abriu-se para uma matriz de ângulos geometricamente flexíveis, um salto mais
alto do que efeitos especiais e com três vezes mais cores do que as próprias
contorções da arte, toda natureza parecia interligada por fios invisíveis, todos
os seres vivos... exceto nós, como se estivéssemos nos desvinculado da perfeita
harmonia e fossemos meras imaginações irreais. Agora eu sentia meus olhos
pesados: nós éramos estranhos em nossa própria terra? Hoje as minhas
preocupações desapareceram, mas no estado de um sonho suspenso, eu parei para
pensar se realmente estou acordado ou dormindo em um sono eterno.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
O Profundo Abismo do Eu Sou
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Um Amor Pelo Qual Morrer
De olhos fechados, meu corpo adormece e o peso do sono me afunda como areia movediça, levando-me para o mais profundo dos sonhos. A escuridão é rasgada por pequenas luzes que se misturam e rabiscam uma imagem irreconhecível. Como nuvens se formando no céu, meu quarto é redesenhado nebulosamente, de alguma forma eu pareço estar nele, mas meu corpo continua dormindo no escuro. Assim, eu sinto uma brisa quente entrando pela janela, um som noturno dançando no silêncio como um fio invisível me puxando para o desconhecido. Eu olho para meu antigo eu e não consigo imaginar por que desejaria voltar para aquele corpo, pois finalmente sinto-me livre para voar pelo infinito e conhecer a voz que chama pelo meu nome. Então uma força suave começa a empurrar-me a cada respiração e de repente já estou lá fora, olhando ao redor o que antes parecia invisível aos meus olhos comuns: árvores calmas e pássaros ansiosos pelo amanhecer, todos em uma harmonia iluminada por mil estrelas curiosas, com um grande olho branco e outro dourado.... seriam estes os olhos de deus? Sem destino ou arrependimentos, eu conduzo meu espírito adiante, enquanto o mundo parece dormir sob meus pés. Tão alto quanto poderia estar, eu tento enxergar de longe o lugar pelo qual estou destinado a ir, onde uma donzela descansa em seu leito, rezando por um amor pelo qual morrer. Em um piscar de olhos, meus pensamentos me levam até sua casa, mas minha presença não é sentida, apenas o vento que se intensifica à medida que eu me aproximo envolto de trevas, enquanto uma pétala de rosa pousa sobre o chão do seu quarto. Por mais frio que estivesse lá fora, agora eu me sinto aquecido, pois o calor que emana da sua pele equilibrou a temperatura e fundiu-se à frieza do meu ser, uma nuvem de sombra que paira sobre seu corpo. Movendo-se inquieta, você sabe que algo está errado, mas arrisca-se a fechar os olhos e deixar que aquilo te cubra por inteiro, uma sensação de está sendo engolida por um mar de escuridão. Aos poucos, meus dedos tocam sua pele e você arrepia-se com um suspiro, deixando que eu acaricie cada centímetro da sua nudez. Entregando-se ao deleite, você abre suas pernas para sentir o sopro da minha boca que chega perto o suficiente para envergar seu corpo e molhar suas partes íntimas. O vento gelado vai empurrando suas roupas sem dificuldade, até que nada reste, e eu possa cobrir seus seios com a ponta da minha língua. Ansiando à flor da pele, você morde seus lábios, perguntando-se está dormindo ou acordada. De todo jeito, você apenas acena com a cabeça, entregando sua pele sensível ao prazer, enquanto uma gota de suor desce pela sua espinha. Minha perversa língua é guiada pela sua barriga para preencher o vazio entre suas pernas, preparando-a para o que estar por vir, mas antes que você grite, eu te enforco ternamente, deixando-a muda e sem reação, para deitar meu membro enrijecido sobre seu ventre...em seguida, algo mais doce e virgem me seduz para penetrar profundamente, enquanto um fio de sangue escorre por suas pernas. Ainda assim, você insiste para eu continuar, apertando os lençóis ou tentando agarrar meus cabelos, mas não há nada lá… você geme para o nada, pois sabe que se abrir os olhos estará tudo acabado. A cada movimento, uma pontada de dor e prazer preenche seu corpo, mas de repente você começa a se mover por vontade própria, deixando-me possuí-la por inteira, até que a intensidade te faça delirar com meu sêmen explodindo em mil sensações entre sua maré de orgasmo. Como algo que você não consegue alcançar, você nunca esteve tão próxima do céu, mas quanto mais amor você sentia, mais eu desaparecia.
sábado, 23 de setembro de 2017
O Último Amanhecer da Aurora
Claros
como o sol, seus olhos me matam carinhosamente todos os dias. Neste boreal
indefinido, cada palavra é macia como pelo, cada momento um mistério insolúvel,
cada lembrança trás um segundo de delírio. Apenas pelo prazer do brilho, eu
sempre volto para este verdadeiro encontro interior com você. A serenidade de
flutuar em um mundo mágico onde somente você poderia me levar, torcendo-me de
volta ao lugar no qual eu sempre anseio retornar para por meu rosto de anjo entre seus braços reconfortantes. Através do espelho eu vejo você pentear
suavemente seus cabelos e cantarolar sua música preferida, porém eu também vejo
a frieza no seu olhar, casualmente escorrendo por sua pele trêmula como uma
lágrima do luar arrepiando seu corpo. Abaixo do céu esmeralda encontra-se uma
terra de linhas e porcelana, mas tudo isso dentro da sua cabeça, onde a verdade
negada se esconde por trás dos seus olhos. Assim, as formas de âmbar do sol
dançam na parede e o seu último amanhecer nasce trazendo o vento morno das
folhas de outono, nadando por sua pele e pousando sob suas bochechas, vendo
minhas palavras navegarem para fora da direção do ar, pois agora seus olhos
veem as estrelas antigas, onde nossas sombras se reformulam nas grandes ondas
brancas da saudade. Feche seus olhos e respire o verde esvoaçante da grama, daqueles
lugares perdidos onde seu espectro ainda dança preguiçosamente no eterno vazio.
Aqui nós caímos deliciosamente de uma nuvem e nos fundimos a uma gota de chuva,
sentindo o frio em nossos ossos, enquanto os olhos lacrimejam, nuvens brancas
bonitas e árvores suando como neve suja. Até nosso pecado, eu poderia vê-lo se
esvaindo para que nós encontrássemos a harmonia e paz de espírito, mas envoltos
por uma gelatina, nós sabemos que uma hora chegaremos ao chão e a queda será
impelida pelos nossos próprios vermes. Nós ouvimos o grito de alguém chamando
como quando o vento canta junto ao rio, rasgando o céu com figuras selvagens e
espalhando os pássaros por todos os lugares. Mas ainda não acabou, o sol
continua ardente como seus desejos, trazendo as cinzas do entardecer... e para
sua surpresa, você olha para os números do telefone e não reconhece nenhum,
pois seus pensamentos foram distorcidos pelas visões do mundo vindouro. Mesmo
assim, você continua procurando por um nome, um nome que você deseja muito
lembrar, mas que foge da sua memória. Todas as cores azuis do céu escurecem e
você se vê sozinha em um mundo caótico, perguntando-se por onde anda toda
aquela elegante e charmosa voz mansa que estava próxima de você, mas que seu
orgulho afastou para longe... e como fogo nas veias, você sente todos os poemas
que ignorou queimando na sua pele, todas as palavras verdadeiras que eram
destinadas a você. Então a cortina cai e você vê muitos rostos aplaudindo,
sorrisos estranhos e olhos pervertidos, todos apaixonados pela máquina fria que
você se tornou. Com uma reverência chula, você se despede e sai correndo pelas
ruas, ainda procurando pelo que você não sabe o que é, mas que parece tão
palpável, tão próximo quanto sua própria sombra. Agora você sabe aonde deve ir,
mas de repente a lua já está no alto, uma pérola prateada te observando com um
olho fulminante, trazendo o anoitecer que você tanto temia. Sua lanterna se
apaga e a escuridão te cobre, apenas luzes fracas e ruídos distantes da cidade.
Você se sente amarrada ao mundo, sem nenhum som na cabeça, cuspindo trevas por
onde anda. Mas lá estava... um rosto na multidão, estava ali bem perto de você,
você saiu correndo sorrindo com aquela sensação das cores colidindo, passando
por cima de todas aquelas marionetes, irradiando a luz fraca da lua e sentindo
o ar frio da noite dançando em sua calcinha de renda, só mais alguns passos e
você não precisaria mais fugir do seu destino... então veio o aperto, tudo
ficou em câmera lenta e as batidas do seu coração finalmente pararam... sombras
escuras e mãos negras te puxando para baixo, as pessoas te olhando com um ar
de desprezo, mas você manteve seu olhar fixo em mim, enquanto sua alma era
levada para o esquecimento.
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