segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Coração Manchado


   Esta noite encontro-me sonolento e frio. Abaixo das nuvens nebulosas meu coração é tocado por uma estranha melodia. Em aflitos tons de cinza alguém desaparece nos nevoeiros e apenas flashes da sua aparência permanecem, congelado na frieza da minha alma, como se me levasse ao mesmo destino. A estrada parece estar se encerrando por trás e os sinais me levam a um caminho que não posso ver, imagens distorcidas da minha vida e pensamentos obsessivos que me chamam aos corredores sufocantes, ventos estranhos soprando meu castigo iminente, um vínculo imortal, vazio na extremidade do que permanece como o cadáver de um demônio. Essa agonia dissolve-se em um brilho no vácuo da sombra de um segundo, um indesejado estado de espírito, que me faz ver como no interior da minha mente o destino é somente uma forte expectativa. Onde está a luz? Apagou-se e minha mente tornou-se vazia como uma caverna, escura como um túmulo nefasto, queimando, tornou-se cinzas, e as cinzas voam com o vento para arrancar o meu fôlego, sufocado, estou perdendo a vida, perdendo meu lindo vermelho, meu escuro sangue deixando minhas veias... sem ameaças, sem medos, esse lindo vermelho é tudo o que vejo, pingando... estou sangrando e me sinto bem, só um corpo pingando até a morte, só uma alma achando seu caminho. Olhando para o céu e a lua cheia, do jeito que sussurro minhas últimas palavras, elas parecem desaparecer, uma vez que tomei minha decisão há muito tempo atrás. Ninguém sabe quem eu sou, ninguém me perderá. Tão esquecido como águas geladas de um córrego, sou apenas metade em meu corpo e posso sentir, a alma assassina morrendo... eu suponho que não há ninguém igual a ela, mas não posso deixar que controle o meu corpo, nem a minha mente, nem a minha língua, como você esteve perto de mim a vida inteira. Deu-me sentimentos profundamente fortes, mas o que esperava ganhar? Eu suponho que você esteja muito bonito adormecendo e deixando de viver, alma assassina, agora eu posso viver como realmente devo, matando a mim mesmo para voltar à vida. Mestiço da luz e escuridão, ela respondeu, você não pode ser o que não é. Então, dentro de mim, minha alma adormeceu e por um instante pude sentir-me tão morto quanto uma rocha sólida, antes que ela tomasse sua parte e desfizesse o nosso contrato. Assim disse a alma assassina: corre pássaro, sem as tuas asas. Corre, corre, um pouco mais. Haverão céus para te consolar ou asas para que possa voar? Os meus olhos ardiam, desafiando-a, sem olhar para trás, eu corri o máximo que meus pés aguentavam, mas de alguma maneira ela parecia ainda mais próxima. Sua voz soava caótica como sua cor: corre, mensageiro do medo avistado! Reza ao pai, vagando na loucura que reside. Corre, perdido, perdido! A verdade doía tanto, agora, os anos perdidos eram como ruínas possuídas, rastejando em uma assombrosa mentira. No fim, ela voltou para dentro de mim. Morto, conseguia sentir. Somos um, a voz demoníaca cantava, somos um, somos um, a dor silenciosa sem luz, somos um, somos um, somos um. Foi assim que a alma assassina calou-se, mas eu não saberia dizer quem estava morto. Eu ou ela?

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ruínas do Anoitecer Rubro

    Luzes fracas me levavam pelas sombras dos flashes azuis, o encanto da noite me persuadia em olhares estranhos, na sensação de que a veria em meio ao desconhecido. A lua parecia infeliz e seu frio, por não sentido, o calor descia por minhas roupas negras e não sabia quando me depararia com a intensa aurora, vestida de prata, adentro as clareiras de luzes agitadas, uma estrela liberta através do céu na plenitude da noite. Naquele festival, eu sabia que a encontraria, atravessando ao invisível toque como uma sombra entre a perdição, escondendo seu olhar com uma longa mancha vermelha, sem notar minha presença. Sua alma frágil e pura se misturava entre a partida e a tristeza, as palavras que saiam eram desarmadas e desesperadas, mas lá estava sua verdadeira aparência na escuridão, os olhos que não podem esconder a dor, fingindo o amanhã enquanto encharcava-se em brasas com inflamáveis anseios. Profunda como o mar, sua raiva era expressa através de declarações de um passado acortinado por céus funerários, atravessando o pôr-do-sol como jamais fizera antes. As palmas da indiferença eclodiam provocantes, os ventos assombravam os céus vermelho-sangue numa corrente inspiradora de ascendência ao gênesis, em devaneios elísios, queimando com o brilho confuso das almas, dançando com os ventos sobre pecados tenebrosos – onde fica escondido um segredo pálido – liberalmente em um vasto crepúsculo debaixo de toda vergonha, e todos eram suas próprias veias de obscuridade. Minha aparência cinzenta, minha pele branca e meus olhos frios, apenas observava, um isolamento perfeito e transparente, tremendo, balançando e emocionado, desabando numa terra maravilhosa de drogas, incapaz de se mexer ou falar, incapaz de se preocupar, apenas por desejar tomá-la pela mão e desaparecer daquela valsa negra do ocaso.
    Ao redor da lua, ela vinha com seu vestido flutuando em seu precioso éden, onde jaz profundamente seu amado, amarrado e perdido no seu encanto, um cadáver como eu, girando sob a cadeira à espera do seu sereno e áspero corpo com o véu retirado, para deleitar seus assíduos gêmeos do prazer, sua respiração abafada em um grito, caindo... profundamente, em sua teia, os fios se emaranhando conforme sua vontade: paralisada e entorpecida, as palavras como arrepios, crescendo em uma frenética intimidade. Seu perfume como a neve, derretendo meu inverno interior e encontrando purezas nos intensos desejos, mas a noite é maldita e ainda chove, e ela não está aqui... apenas vozes gritantes soando em meus ouvidos, barulhentas e nubladas... fazem-me ver que manter o silêncio trouxe-me um longo alívio, atrás de mim a raiz de um passado em poeiras e cinzas, onde a dança das estátuas congeladas unem-se em lágrimas, faces inexpressivas estagnadas no vazio, apenas esperando uma gota de sangue na correnteza para lavar a dor e aceitar os arrepios do horizonte sombrio como palavras profundas que ferem através de um vidro translúcido. Na luz da alvorada, quando a manhã chora e suas teias brilham como fios de prata, o passado é esquecido sob o túmulo abaixo das flores e minha alma é liberta de sua aurora. Este é o meu lado piedoso, “uma sombra lançada sobre meu coração”, escurecendo nossas gélidas lamentações, serenas como um córrego congelado desejando uma luz prateada, com o anoitecer em meus olhos, levando escritas sangrentas sobre tua beleza pálida que flui através da escuridão indesejada.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O Choro dos Pássaros

   Como o céu lá no alto, nenhum início e nenhum fim, as nevascas começam a soprar através do vento e os dias passam como uma corrente do mar fluente, me pergunto se os ventos ouvem a sua voz; vozes que soam como o silêncio e as ouço com o coração. As ouço com a alma, sofrendo a cada palavra por nem sempre saber o que dizem. O céu está cinzento e pesado, uma calmaria que curvou minha mente às divagações. Deleitado e encantado com o seu poema, brevemente sonhei que a sentia como nos dias de outrora, então uma enfermidade caiu sobre mim, quando as cordas se tornaram pontos na minha boca. Eu ouço seu chamado, sua voz tão clara, porém não a compreendo, eu olho o lugar que costumávamos passear pensando nos tempos passados e no frio da sua partida. Na escuridão da noite as flautas soam com a ventania trazendo sensações arrepiantes, sentimentos que inflamam dentro de você, como folhas vermelhas que espalham-se deixando o lar e tudo que conhecem para trás. A escuridão permanece em meu coração antes que o sol possa brilhar outra vez, enquanto cada flor encara e assiste, e o impetuoso vento noturno me leva para os cheiros que sentia quando estava ao teu lado. Tão frio, seus dedos gelados ao redor do meu pescoço parecem implorar para eu provar e ver, sabendo que sua vinda perverterá todas as respostas... eu odeio saber que eu falhei com você... minhas palavras parecem tão vazias, meus lábios falam em vão como assobio nas águas... mas de que vale cobrir todo o vazio interior com desejos irreais que deturpam as memórias? Esqueça as vozes que você escuta, elas não são nada agora, mas você ainda pode reconhecer as feições do meu rosto. Sua imagem está fragmentada em minha mente, você sempre pareceu dizer que para convalescer a partir da mágoa vazia, alguém tinha de gritar profundamente, mas acho que sou um homem louco como o fio em torno dos meus ossos, construindo paredes de sonhos solitários em pinturas sobre o chão. Embora não haja estação neste lugar chamado solidão, eu gasto todo meu tempo pensando em você, pois para satisfazer seus pensamentos, lancei uma sombra avermelhada entre estas palavras para mudar sua mente e coração. Agora estão acabadas as minhas razões, o relógio pesa no sentido contrário, estou quase sem segredos para saciar seus ouvidos sedentos, estou contando os segundos entre a distração e o momento, apenas para dizer, respire esse amor e salve-o à medida que voamos juntos.

sábado, 24 de maio de 2014

Memórias Cor-do-céu

    A lenda diz que dois amantes dançavam entre espuma e corais; a noite era bela e as crianças gritavam sua loucura. Através do espelho das águas, o casal apaixonado à beira-mar despertava paixões em um sussurro mortífero, soando o coro violoncelista das cerimônias de um ritual antigo. Essas cenas passam em volta da minha mente, mas antes de levar-lhe à fantasia, deixe-me dizer as palavras que tingiram sua realidade: você perdeu seu destino, sua mente era a verdade tentadora. A julgar por sua vida ser um sonho imperfeito, seus segredos ainda estão em minha mente, na noite perdido, eu vi um caminho escuro e nele você estava chorando. Seu coração está a ficar frio e seu brilho da cor do gelo. De acordo com a história, você é a amante de pele jovem e bonita e sua mão se excita com a morte. Além da obscuridade há um lugar onde seus gritos tornam-se o silêncio completo, este é o segundo amante, em que você não pode confiar, quando os seus conselhos são mentiras. Você confia em... memórias... mantendo estreita a sua despedida, a sensação de onde está o céu, agora? Basta ver os olhos dela, quando morreu sua liberdade, dizendo: “Oh, você vem despido, seu silêncio tenta controlar minha mente. Não pare! Você despe meu corpo enquanto eu lambo seus segredos, nós estamos matando nossa solidão, eu sinto que você está tão quente. Não pare! Nunca! Não pare!”. Aquela noite, nós éramos estes amantes, mas em suas mãos uma adaga apunhalou minha tristeza no equinócio de outono, a lamentação de meus ossos estremecia seu corpo. A brisa da liberdade beijava seus sonhos e tomava meu conhecimento, numa cama gasta com seu tempo. Ainda assim, vivia por você, meus dias, minhas noites, estas águas tão escuras iluminavam meu amanhã, até o dia em que você se afogou presa no seu medo. Aquele verme te traiu cinco vezes, com os olhos no chão, mantinha segredos escondidos. O fim de uma canção! As sombras o receberam em baixo, a voz rouca balançando, com a sentença. Ele sente tamanho vazio quando a chuva borra suas lágrimas, e ela dar-lhe um último beijo... folhas caem, e você vai para aquela rua, sem saber seu caminho. O verão está quase no fim, o sofrimento foge de seus corações e o tempo é lento demais para te impedir de encontrar outro. Tarde demais, tarde demais! Quando poderei olhar esses olhos... eu estou ansioso para sentir seus lábios, mas você esqueceu-se de mim. Em minha tristeza lamento, por causa da raiva que me superou, eu me enchi de timidez e as árvores prestam atenção, testemunhando o amor e seus mistérios.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Tentação


    Perdidamente caminhava naquelas ruas escuras à procura de um lugar secreto. A visão da noite levava-me por muitas portas trancadas, mas era o caminho cheio de escadas e vozes em um corredor sem vida... esperando chegar a tempo para vê-la passear nos jardins da lua. Seus olhos eram misteriosos cristais de ametista e seus cabelos, cachos castanholas. O vento batia em seu vestido trazendo-me a beleza da sua chama pela lei, tão inteligentes eram seus passos que se apressavam a fugir do poético desconhecido. Desta e outras luas, era esse o meu anseio de conhecer sua verdadeira motivação, a ternura do seu sorriso desvanecendo minhas forças e impedindo-me de encontrar a sua voz, de voar na brisa de um céu rubro como uma lua de sangue desejando acordar com a alegria de que o tempo nunca existiu ou que a esperança seria revivida na serenidade da sua presença. O seu olhar tornou-se o meu pensamento do dia, tentando ouvir na ventania os sons do seu lábio rosado e petrificado, tão cheios de desejos esquecidos. Ser levado pelo cheiro que emana dos teus cabelos cacheados, levando-me às graciosas fantasias da sintonia com a lua crescente, aonde as paredes brancas vêm do mais íntimo para absorver minhas palavras sem resposta: uma garota livre vivendo em harmonia com sua juventude, mas sou eu como um lobo vagando na escuridão, sem rumo e sem esperança. Os fantasmas que falam na minha cabeça são como um espectro que desconhece seu próprio relento, vendo o entusiasmo que uma criança faz ao acordar mais um dia da sua existência, caminhando pela grama recém-cortada numa manhã sem sol e ainda cego para acreditar em iradas memórias. O frio das mãos e do coração, o cérebro tão enfraquecido, descansando dentro de futuros arruinados, isto é, da parte de trás do além – a voz interior que não consegue lembrar meu próprio nome. O tempo passa e ainda estou escondido na mais valiosa cripta da alma, clamando aos céus por uma nova chance de recomeçar, de sentir o paraíso da existência mais uma vez. As cores do meu pecado tornaram-se escuras manchas que cegam minha visão como se tudo o que eu tocasse passasse a se corromper e ser encoberto pela escuridão dos meus anseios, como se eu estivesse separado da dimensão da vida e fossem poucas as pessoas que me vissem. Essa é a sensação que trago em meu caótico e atormentado coração, de não fazer parte do seu mundo e ser visto como uma sombra nas árvores.
    Quando a vi passar nos jardins da lua o arco-íris do céu mergulhou no preto e branco da nitidez dos meus olhos, os prédios ficaram coloridos e tudo à minha volta ganhou a cor de gelo brilhante. Durante a noite tentava te encontrar para sentir essa mesma energia, enxergar uma misteriosa luz surgindo das nuvens em tua direção guiando-me ao desconhecido. Eu precisava chegar mais perto e esperava sua porta se abrir todas as noites, escondendo minha presença nos cantos que me permitia te olhar de longe como uma neblina invisível borrando sua imagem do meu pensamento, assim a escuridão do meu coração era preenchida pela radiante luz do seu sorriso. Muito acima onde as águias voam no céu eterno ou abaixo onde as serpentes se rastejam para sobreviver, percebo que há algo dividido entre o puro e impuro: o amor verdadeiro e a cobiça. Mas como posso amá-la se sequer sei quem você é? Como posso cobiçar quando você não possui amante? Sendo assim, estou livre da lei do pecado, onde mulheres passadas me levavam à tentação de suas inocências como uma névoa avermelhada e fingida, com o espírito de luxúria e dor, algemadas ao pedaço de carne que o mal respira. O vislumbre através do seu sussurro me libertou das correntes da maré negra como uma lua negra pairando sobre a lamúria ou como árvores cantando cânticos apaixonantes de deuses antigos. O inverno brilhou nos galhos tortos, gelando minha língua na noite pálida... e o silêncio caiu sobre minha alma com vapores brancos. As rosas negras do meu interior são como dentes de uma serpente desejando beber seu sangue, são como a neve que cai sobre o mar, como a fumaça que passeia sobre a brisa, como a geada que se derrete diante do sol. Agora as estrelas negras sobem e muitas luas circulam através do silêncio da noite, através do lado escuro da montanha, onde campos de fogo aguardam o despertar da alvorada. Você consegue entender o que eu quero dizer? Nós nunca parecemos significar uma palavra do que dizemos, nunca permanecemos tempo suficiente para enxergar o que o outro quer nos mostrar. Estes seis meses profundos desde que a vi pela primeira vez, uma neve de primavera caia sobre mim, sentindo-me como uma criança recém-nascida batizada em fogo e gelo, eu aceitei a realidade de quem eu sou, com veias inchadas o meu prazer tornou-se a minha dor, mas essas palavras não saem de mim, a dor que dilacera meus membros e alma, aí há sabedoria. Você é diferente de nós e jamais fará parte desse mundo, sensibilizada pelas torturas de sua raiva, uma vida perfeita que não posso fazer parte. Fora da água é onde você está, onde o vento atinge sua velocidade e arrepio, e as tempestades da loucura te levam acima dos que governam essa terra. Tão grandiosas quanto o céu, elas foram embora desse lar! O lar que carregava seus destinos, seus amores, suas mortes...

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