sexta-feira, 9 de maio de 2014

Tentação


    Perdidamente caminhava naquelas ruas escuras à procura de um lugar secreto. A visão da noite levava-me por muitas portas trancadas, mas era o caminho cheio de escadas e vozes em um corredor sem vida... esperando chegar a tempo para vê-la passear nos jardins da lua. Seus olhos eram misteriosos cristais de ametista e seus cabelos, cachos castanholas. O vento batia em seu vestido trazendo-me a beleza da sua chama pela lei, tão inteligentes eram seus passos que se apressavam a fugir do poético desconhecido. Desta e outras luas, era esse o meu anseio de conhecer sua verdadeira motivação, a ternura do seu sorriso desvanecendo minhas forças e impedindo-me de encontrar a sua voz, de voar na brisa de um céu rubro como uma lua de sangue desejando acordar com a alegria de que o tempo nunca existiu ou que a esperança seria revivida na serenidade da sua presença. O seu olhar tornou-se o meu pensamento do dia, tentando ouvir na ventania os sons do seu lábio rosado e petrificado, tão cheios de desejos esquecidos. Ser levado pelo cheiro que emana dos teus cabelos cacheados, levando-me às graciosas fantasias da sintonia com a lua crescente, aonde as paredes brancas vêm do mais íntimo para absorver minhas palavras sem resposta: uma garota livre vivendo em harmonia com sua juventude, mas sou eu como um lobo vagando na escuridão, sem rumo e sem esperança. Os fantasmas que falam na minha cabeça são como um espectro que desconhece seu próprio relento, vendo o entusiasmo que uma criança faz ao acordar mais um dia da sua existência, caminhando pela grama recém-cortada numa manhã sem sol e ainda cego para acreditar em iradas memórias. O frio das mãos e do coração, o cérebro tão enfraquecido, descansando dentro de futuros arruinados, isto é, da parte de trás do além – a voz interior que não consegue lembrar meu próprio nome. O tempo passa e ainda estou escondido na mais valiosa cripta da alma, clamando aos céus por uma nova chance de recomeçar, de sentir o paraíso da existência mais uma vez. As cores do meu pecado tornaram-se escuras manchas que cegam minha visão como se tudo o que eu tocasse passasse a se corromper e ser encoberto pela escuridão dos meus anseios, como se eu estivesse separado da dimensão da vida e fossem poucas as pessoas que me vissem. Essa é a sensação que trago em meu caótico e atormentado coração, de não fazer parte do seu mundo e ser visto como uma sombra nas árvores.
    Quando a vi passar nos jardins da lua o arco-íris do céu mergulhou no preto e branco da nitidez dos meus olhos, os prédios ficaram coloridos e tudo à minha volta ganhou a cor de gelo brilhante. Durante a noite tentava te encontrar para sentir essa mesma energia, enxergar uma misteriosa luz surgindo das nuvens em tua direção guiando-me ao desconhecido. Eu precisava chegar mais perto e esperava sua porta se abrir todas as noites, escondendo minha presença nos cantos que me permitia te olhar de longe como uma neblina invisível borrando sua imagem do meu pensamento, assim a escuridão do meu coração era preenchida pela radiante luz do seu sorriso. Muito acima onde as águias voam no céu eterno ou abaixo onde as serpentes se rastejam para sobreviver, percebo que há algo dividido entre o puro e impuro: o amor verdadeiro e a cobiça. Mas como posso amá-la se sequer sei quem você é? Como posso cobiçar quando você não possui amante? Sendo assim, estou livre da lei do pecado, onde mulheres passadas me levavam à tentação de suas inocências como uma névoa avermelhada e fingida, com o espírito de luxúria e dor, algemadas ao pedaço de carne que o mal respira. O vislumbre através do seu sussurro me libertou das correntes da maré negra como uma lua negra pairando sobre a lamúria ou como árvores cantando cânticos apaixonantes de deuses antigos. O inverno brilhou nos galhos tortos, gelando minha língua na noite pálida... e o silêncio caiu sobre minha alma com vapores brancos. As rosas negras do meu interior são como dentes de uma serpente desejando beber seu sangue, são como a neve que cai sobre o mar, como a fumaça que passeia sobre a brisa, como a geada que se derrete diante do sol. Agora as estrelas negras sobem e muitas luas circulam através do silêncio da noite, através do lado escuro da montanha, onde campos de fogo aguardam o despertar da alvorada. Você consegue entender o que eu quero dizer? Nós nunca parecemos significar uma palavra do que dizemos, nunca permanecemos tempo suficiente para enxergar o que o outro quer nos mostrar. Estes seis meses profundos desde que a vi pela primeira vez, uma neve de primavera caia sobre mim, sentindo-me como uma criança recém-nascida batizada em fogo e gelo, eu aceitei a realidade de quem eu sou, com veias inchadas o meu prazer tornou-se a minha dor, mas essas palavras não saem de mim, a dor que dilacera meus membros e alma, aí há sabedoria. Você é diferente de nós e jamais fará parte desse mundo, sensibilizada pelas torturas de sua raiva, uma vida perfeita que não posso fazer parte. Fora da água é onde você está, onde o vento atinge sua velocidade e arrepio, e as tempestades da loucura te levam acima dos que governam essa terra. Tão grandiosas quanto o céu, elas foram embora desse lar! O lar que carregava seus destinos, seus amores, suas mortes...

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