domingo, 5 de julho de 2015

Um Banquete para o Vaidoso

    Caminhando nas sombras da minha mente enegrecida, eu procurei um lugar para festejar. Um lugar para olhar as estrelas, um chão frio para se deitar, candelabros magníficos para iluminar seu olhar, dançando livremente no crepúsculo e erguendo sua taça para louvar o brilho da loucura que nos cega, pois a vida até agora tem sido um desperdício. Elas eram tão adoráveis, aquelas amadas e suas singelas palavras – uma tinha a pele aveludada e branca, a outra, uma virgem livre do pecado, a próxima me levava aonde os amantes vão para dormir e a última trouxe sensações infindáveis como noites quentes de verão. Mas dentro da luz nós desaparecíamos, jovens levados pela melodia de suas falhas com o pôr-do-sol em seus olhos, vivendo o amor enquanto suas almas fragmentadas gritavam e seus corpos voavam até que suas asas virassem cinzas numa queda sob o espaço vazio onde o amor costumava brilhar. Para forjar um futuro que eu poderia chamar de nosso, eu continuava quieto e calado, observando a chuva cair sobre elas, o vento sussurrava suas vozes como respirações geladas dentro de mim, sentindo suas ansiedades e medos à procura de um amor para abraçar, mas elas apenas viam um homem através de desertos cruéis da dor transformando seus dias escuros em noites claras. Sob a luz das estrelas elas brilhavam em solidão, a morte pousava sobre suas carnes como uma geada fora de hora cobrindo a mais doce flor do campo, e lá eu plantei minha semente, num rito para restituir a verdade, pois aquilo que adquirimos no momento em que alcançamos o que a vida tem a oferecer é o que nos torna únicos. É hora de pegar tudo o que eu deixei dentro do seu coração, a força que decide o curso do seu próprio destino, a fortuna, glória e triunfo... faça um pedido e adote uma posição, e eu prometo o mundo para você, o sol pintará em seu rosto como ouro dizendo que você não deve ter medo de viver. Pese o amanhã em suas mãos para acordar no ontem e atravesse as fronteiras do hoje adormecido, por que todos nós partiremos em breve, num momento de sobriedade, nós aprendemos a ver que não fomos feitos para durar pela eternidade. Esta é a natureza de um coração verdadeiramente vivo: em uma rápida olhada pela infância, eu me lembro do sorriso de uma mãe, onde as palavras do vento eram honestas e a sonoridade dos pássaros como beijos suaves em nuvens claras, sentado debaixo de uma árvore frondosa apreciando sua sombra e sentindo o cheiro da grama ainda com gotas de orvalho a evaporar, outrora o luar com auréolas reluzentes sobre flores belas e cheirosas, uma rosa silvestre negra desabrochando e mostrando que aqui era o meu lugar, mas às vezes temos que alterar os caminhos que planejamos, vivendo onde as estórias não são contadas como um sacrifício pelos dias passados. As almas não acordadas procuram por um álibi sob a luz rasa da noite, favorecendo a voz de um coração frágil em uníssono com o instinto da deidade, mas suas palavras envenenadas ecoam na cabeça como uma mosca infestada de poesia sussurrando seu anseio pela morte.

domingo, 28 de junho de 2015

Quando as Luzes se Apagam

   Plenamente acordado, no esplendor da noite eu sinto a companhia da cativante escuridão, onde todos os erros parecem estar certos e toda estrela se assemelha a um sol recém-nascido. Uma vez minha vida foi simples e serena, eu podia ouvir a melodia quase esquecida do silêncio, dançando numa frágil pele de criança enquanto o medo da nudez desaparecia, mas como um beijo do anoitecer os ventos congelantes varreram meu coração para longe da minha inocência, lançando-me para o sepulcro da mente como sombras saudando-me nas rachaduras do espelho cravado em minha íris, sombras malignas, com sinais de um amanhã inexistente, mantendo meus olhos sob a obscura luz ilusória, com águas nebulosas e geladas à minha volta, atravessando minha alma abandonada por deus... as águas que uma vez me abençoaram, agora queimam minha pele e varrem-me das margens rasas para um rio escuro e profundo, acenando minha abdicação enquanto engulo as águas da mentira e movo-me lentamente pelo âmago da luz nascente sobre o oceano onde minha vida jaz adiante. É aqui que isto deve acabar, eu desejaria retroceder no tempo, mas muito distante para dizer o que compartilhamos e tivemos de tão divino, uma voz lá de dentro brinca com minhas emoções e promete prazeres para escravizar meu coração, porém agora eu estou no controle de todas as coisas e serei absolvido do que fiz. “Fale meu amigo, você parece surpreso, eu imaginei que soubesse que eu viria disfarçado em asas de branco como um anjo, eu posso fazer seus sonhos se tornarem realidade, que belo par, eu e você, em uma jornada pela noite! Eu venho da luz celestial, eu tenho todos os álibis e qualquer forma de luxúria em você irá tremer ao meu toque, pois não importa se você esquecer nosso vínculo e seguir em frente, pense bem, sua alma será minha no dia que você morrer. Eu sou aclamado pelos anjos e banhado pelo luar, sou o verdadeiro discípulo da sua carne e até que não haja mais resistência, estou certo de que nos encontraremos novamente.” À crista de noites escurecidas, esta é a voz de sedução do caçador, cantando eternas lendas místicas como ecos sucumbidos de um paraíso negro lá nas alturas. Eu sento sobre estas rochas mais altas e observo as ondas se chocarem contra a costa, desejando poder abraçar o mar e olhar para seus olhos esperando por uma resposta, mas ninguém poderia entender esse sonho tão infantil, a dor e o sofrimento, a vontade de negociar outra assinatura, pois ele fala em enigmas e rimas, e suas palavras são como um alimento que nunca sacia. Como eu cheguei a querer você, assim como o solo anseia pela chuva, você nunca saberá o quanto sinto sua falta, ou o quanto eu temi... encontrando um caminho que criei à minha própria maneira, mas este é o preço que paguei pela minha escolha: você se tornou a prisão da minha mente para que eu aguardasse pela aparição das rosas selvagens. Vá e pinte a escuridão com a sua luz, apenas lembre-se de que eu me deitei sobre esta página, e há eras estou escrevendo um capítulo final, mas até que os meus olhos se fechem, eu sei que você voltará sussurrando o meu nome.

sábado, 16 de maio de 2015

Coração de Gelo

    As nuvens recaídas derramam uma chuva obscena desfazendo-se numa pintura sem moldura suavemente camuflada em peles alheias. Num batimento viciante e volúvel as ondas do céu encharcam meu corpo e ecoam a falsa esterilização dos meus olhos vazios olhando para o nada, encarando uma perda com frios arrepios sobre meu ego pulverizado e descendo uma correnteza interior enquanto empalideço numa bolha dormente flutuando entre folhas que me acariciam como dedos fantasmas fazendo cócegas e mordiscando. Os sons silenciosos me acalmam em formas e cores mudando de humor como pupilas dilatando suas tonalidades, emergindo em ventos que respiram minha vida escorregando num raso rio virgem sob uma canção escrita, imaginando qual o gosto da cor que vagamente se espalha nas coisas frágeis e puxa-me mais forte para esvaziar-se do sangue sujo como rosas num vaso branco absorvendo a doença que mastiga meu crânio. As horas passam devagar como um homem ferido nas linhas moventes do horizonte bebendo a água de uma miragem e comendo cacto com a boca sangrando, os vermes abrem uma fenda em sua barriga e um rosto pálido e cansado se move em risadas na sua mente, usando máscaras feitas para esconder seus grandes olhos brilhantes alimentando as mentiras de uma sanidade fraca. As luzes em seu olhar são como piscinas frescas atraindo os para-sóis gastos de um sol gelado e escurecido, como uma gelatinosa saliva derramando sobre sua língua coisas indizíveis, ele armazena o calor e o desejo de uma dor-prisma queimando suas narinas e derretendo seus lábios encobertos de cinzas enquanto a carcaça da sua personalidade muda é levada pela poeira dos seus sonhos congelados na realidade. É assim que rangendo os dentes e cuspindo uma avalanche de adrenalina, mais uma vez eu fecho meus olhos, mas a membrana fina não pode encobrir a marca que me confunde, fingindo não ver os raios de prata dançando no crescente frio que flutua e perfuma o ar – o limbo que costumava ser meu interior e aquecia minha respiração opressiva – em fragmentos de um flácido e cintilante vislumbre dos meus ossos cansados de viver entre sombras emitindo minha melancolia, despertando todos os dias como folhas em pedaços através de um vidro cor-de-rosa mergulhado dentro da minha carne em mil nervos abrindo fissuras com alfinetes espetados. Abandonado em uma consciência imóvel, as trevas preenchem meu olhar no alvorecer das estações, centenas de pensamentos sendo esquecidos e sinais perdendo seus significados, sem lembrar-se de onde estou nem da vida que passou diante dos meus olhos, descobrindo o quão pouco eu realizei por todos os meus planos negados e sofridos nas nuances de um segredo guardado em minhas recordações. A todos os meus amigos eu digo, essas são as últimas palavras que irei dizer e elas irão me libertar: vocês sabem, quem já está dormindo não sente mais dor. Então se algum dia vocês leem isto fiquem sabendo que eu gostaria de estar com todos vocês, mas meu corpo se foi, os meus cabelos se dissolveram nos ventos frios e o meu cheiro se espalhou pelo mar das almas falidas, a minha voz atormenta os camponeses para que se ergam contra os grandes engajadores que louvam a arquitetura da agressão e o meu olhar observa-os no manto negro da noite com o poder de um vazio resultante, sentindo o que as pessoas carregam em volta de seus ombros como cargas pesadas de carenagem, e no coração a dor agoniante que se intensifica ao ver todos aqueles demônios bebendo e dançando, eles cultuam e brindam ao senhor da noite enquanto seus corpos desalmados servem de banquete, exibindo pontualmente que é tarde demais para a humanidade, pois a calmaria apenas faz com que o agressor fique mais agressivo e somente o terror e a feiura revelam o que a morte realmente significa.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A Carta Negra


Sensual carta anônima

“Amada minha,
No flutuante lago sem forma da sua canção, sua voz atraiu-me amorosamente para dentro dos seus olhos.
A luz verde brilhava em seu rosto, enchendo os que te rodeavam com o mais belo brilho da meia-lua dolorida, amarga e triste.
Como a sombra de um amante faminto eu transava com seus olhos cantantes, arrepiando-me como um sentimento que transformava seu corpo em pecado.
Cada batida do seu coração era cansada, mas seus olhos efêmeros eram cobertos por uma esmagadora tristeza como rostos sujos de lama, amenizados pelo calor incandescente de um auxilio inconsolável.
Em silêncio eu observava numa nuvem de memória, meus olhos brancos e secos choravam um rio de escuridão, sentindo calafrios em cada verso da sua melodia até perceber que não havia espaço para mim, pois você sempre me tratou como uma doença mortífera.
Durante anos eu me perguntei, o que eu via em você ou nas outras amadas?
Fizeram-me entrar em colapso e esquecer de que as trevas ocultam a luz do conhecimento, arruinando minha vida com palavras torcidas e mentiras que me levaram direto para um mergulho no lago negro.
É imensamente hediondo da sua parte achar que esta carta foi escrita somente para satisfazê-la, afinal encantado pela aurora que emana da sua beleza, o que eram minhas palavras além de ilusões de um olho nu ou fantasmas deitando no piso do seu quarto?
Eu finamente vejo por que eu me apaixonei por você, agora eu vejo, o que você realmente significa para estes olhos vazios que estão olhando de volta para mim.
Com um lenço eu sinto a dor desta última ferida como uma falsa fixação nas suas costas segurando minha vida pela pele dos seus dentes.
O que me resta é limpar a mente de um sentimento morto para ser invadido pela mancha escura que escorre num quieto desespero em meus lascivos sonhos.”

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Folhas Brancas


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Pela janela eu posso ver as nuvens dançando enquanto o ar sopra e meu nariz congela.
De longe o sol está se pondo, vermelho com ouro, como deve ser, cuspindo sua luz para aonde as trevas nascem, e em algum lugar pode ser que você esteja pensando em mim.
Quando a noite começa você deseja um pouco de diversão, mas quando a festa termina você é a garota que ninguém pode possuir.
Sua tristeza descarrega altamente no céu enquanto seus pés soterram descalços na areia, ainda assim, como um fósforo acendendo sua raiva, tudo o que você quer é ser liberta como folhas varridas pelo vento.
Essa corrente que afugenta sua sombra é como um homem pagando seu imposto, tão ligado como uma tatuagem, a chuva de neve na sua pele nunca se desvanece, mas eu sei exatamente do que você precisa...
Como lágrimas traídas pelas luzes da noite, alguém tem tirado o brilho dos seus olhos e substituído por dor, fazendo-a sentir-se como se não fosse ninguém, porém onde demônios brincam à luz das velas, uma criança sempre se encharca de sangue – este segredo guardado atrás dos meus olhos é o que vai mudar sua vida e ser a última peça do seu quebra-cabeça.
Tome minha mão e junte-se a mim ao abraço do escuro, lembre-se do meu perfume e do meu toque, seja como uma noiva furiosa banhando-se no sangue do mar hipnotizante.
Todas aquelas cartas enviadas foram apenas o conteúdo que eu lia em seus olhos ansiosos: a carne salgada da sua doçura apertada gotejando e implorando para expelir novamente enquanto meigamente estremecia.
O dia está chegando em que a chuva limpará o que nos tornamos e os fluxos dimensionais da nossa realidade voltarão a se colidir enquanto os palhaços aplaudem.
Os pequenos momentos que nos rodeiam podem ser esquecidos, mas em cada instante que passa devagar eu dei minha alma inteira para alcançar seu sorriso, sabendo que onde há escuridão as estrelas brilham.”

Cronologia