quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Uma Vinda da Escuridão

   Em uma manhã abrangente uma mente perturbada acorda de seu declínio, os olhos benevolentes se abrem ainda minguados pela noite fúnebre e brilham como serpentes de fogo abraçando seu despertar. Há um lugar perdido debaixo das folhas caídas onde a esperança pousa e enfraquece o dia, levando-me numa ansiedade vil pelo caminho onde a discórdia sacramenta meus anos desperdiçados, incendiando meu coração num transe de uma chuva intemporal. Avante e adiante eu continuo andando por essa nevasca que cai, perambulando perdido e solitário para o mundo traiçoeiro atrás da minha porta: a vida se parece com mil rostos cansados virando as costas para todos os meus sentimentos. As brasas ardentes esmorecem, consumidas pela escuridão como uma estrela irradiante perdendo seu fulgor, morrendo lentamente nos cantos escuros da minha mente dolorida. Eu sempre me senti tão atraído pela melodia do violino que toca os ecos da vida gentilmente passando, dormindo como se estivesse envolvido pelos braços de uma irmã e acordando muito tardio para se deslocar no tempo, em uma viagem só de ida para a estação final. O ruído constante das minhas ambições obsoletas e das minhas palavras infectadas desaparecendo, é o toque do silêncio mostrando como estou me aprofundando cada vez mais nas correntes que minha loucura me aprisionou, onde as trevas crescem sobre as manchas cinzentas que carrego dentro de mim. Posso sentir a presença fria que respira o cansado som do meu coração, mantendo meu sono em velhas épocas ascendentes, onde o desejo de que a vida seria boa algum dia ainda se mantinha permanente, mas quando as imagens estão se movendo entre as memórias, as coisas que parecem resistir se congelam e depois se quebram como uma pedra de vidro lançada ao mar, mergulhando na vacuidade da escuridão. Seja como for que isto acabe, a sensibilidade do que eu sentia foi rompida pela sentença da minha boca, agora túmulos silenciosos me esperam lá fora, a brecha do caixão se abre como uma criança gelidamente me encarando com olhos cheios de tristeza, esperando meu eterno descanso. Em faces quiescentes delineando meu caminho, meu corpo se une com um céu sereno, iluminando o retrato de uma noite solene, quando fui erguido violentamente pelas águas do amor como marcas de unhas por toda minha pele, então encontrei o tranquilo frio da escuridão interior, com os nomes das amadas desenhados acima das árvores... que já não é mais encontrado, pois o forno de seus valores foram queimados e seus rostos desapareceram da minha memória, visitando meus pesadelos adelgaçantes quando minha abstinência regressa como sanguessugas numa doença incurável, amaldiçoando-me com ondas que tampam minha respiração. Enquanto continuo assistindo este teatro negro do amor, eu sussurro, docemente, em seus ouvidos. Eu estou vendo suas muralhas se desintegrando, seus olhos de gelo derretendo em lágrimas e sua mente sendo penetrada pelos sussurros da realidade sombria. O dia está chegando, minha pálida aurora, em que sua frágil imagem deixará de existir junto à minha, a fragrância do orvalho da manhã será sentida no silêncio de um céu de inverno, tão claro e limpo, para que seu nome seja gravado na pedra do meu maçante coração. Nesse oásis de tranquilidade você morará em meus olhos como uma memória preciosa, sentindo de perto minha alma fria e meu coração batendo numa paixão ardente e melancólica por você. O vapor das coisas que perdi em minha mente se tornarão difíceis de encontrar, mas todas as coisas que eu acreditava que fossem verdade mostrarão ser apenas o que jaz na sombra de cada vislumbre de luz que deve desaparecer.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A Dança dos Sete Véus


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Olhando pelas ruas eu achei a sua silhueta e acordei molhado em sua lembrança.
Enquanto invoco estas palavras numa página enegrecida, através de um destino realinhado eu vou encontrar uma maneira de trazer você de volta.
Os sinos soam como milhares de canções badalando o grito de uma morte prematura, mas quando nos encontramos eu soube que elas eram para você.
Eu estou a caminho de lugares que só você tem visto, dentro do baú onde residem suas tentativas para lutar contra este desejo incansável.
Tão puro como um céu boreal e tão macio como o beijo de um fantasma, eu quero sentir pela última vez seus olhos de graça me encarando quando nossas almas se tocarem, assim o primeiro véu será tirado, o véu da ilusão, o segundo, o véu da inocência, o terceiro, o véu do orgulho.
Todos esses anos alcançando o que ampliaria meu horizonte numa busca perpétua pelo seu coração, agora fazem meus ossos tremerem, esclarecendo meu amor absoluto e fazendo com que todas as minhas realizações brilhem neste sonho vitalício.
Eu sinto o aroma do seu cabelo e vejo seus olhos de esmeralda fechados, deitada sobre um epitáfio à deriva no espaço, deixando sua pele numa cor mais brilhante do que o cinza comum.
O quarto véu será o da sua dignidade, o quinto, da sua liberdade, o sexto, de uma prostituta inocente, mas o sétimo véu sou eu... quero protegê-la e feri-la, minha querida, pois conheço a verdade por trás de você – não há nada além de medo.
Risos ecoarão enquanto você saborear os meus gritos, guardando cuidadosamente suas mentiras inquestionáveis, jamais esquecerei a dor e a sujeira que tive de engolir, a alma que você estuprou e as lágrimas do passado que se tornaram o ódio do amanhã.
Você realmente não se preocupa quando a vingança está em você mesma?
O seu âmago será como o vento que sussurra a brisa e ruge a tempestade do mar, até que o solo oceânico se torne a sua sepultura.”

sábado, 31 de janeiro de 2015

Rosas Pretas


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Atrás da sua máscara eu vejo medo em seus olhos, um frágil coração de vidro.
Lágrimas negras estão escorrendo pela sua face, afugentando seus pesadelos em noites inquietas.
Olhe para o seu amado morto, todas as doces promessas que ele fez se desintegram na poeira, ele beijou seu corpo de prata e cheirou seu sangue morno, mas não pode escuta-la agora.
As coisas que você tem se tornaram como a cor da noite, como uma canção feita por você, uma alma envenenada pelas lâminas da desilusão.
Seu olhar vazio congelou suas esperanças, mas uma parte de mim ainda vagueia sem rumo em seus pensamentos, sugando o sangue de seus lábios ferventes e lambendo as feridas da sua pele trêmula.
Não tenha medo, este é o nosso futuro, ouça esse som das águas refletindo o sorriso do destino, limpando as manchas de nossos corações como olhos que se movem pelas paredes.
Este é o dia em que todos os seus sonhos se tornam realidade, as lágrimas que tem chorado não são nada comparado ao que tenho reservado para você.
Você dançará como jamais dançou antes, sentirá como a fragilidade de uma flor ao vento, sorrirá como um veludo de estrelas desafiando a escuridão...
No fundo da sua alma arderá o fogo da paixão, despertando todas as faculdades mentais e enchendo seu corpo de luxúria, seus lábios quentes tentados pelo jogo dos prazeres proibidos.
Eu tenho te visto no fim desta noite brilhando como paredes pintadas de branco, suas pegadas são como nuvens de neve silenciosas, correndo por lugares secretos com cheiros adocicados.
Descendo em eterna profundidade, todas as coisas amáveis que você sempre sonhou irão envolvê-la como você nunca imaginou antes, e assim seu interior será entregue à resignação silenciosa.
Feche seus olhos uma última vez e sinta a vida transbordando uma nova esperança que renasce, desvanecendo seu passado como um corpo de rosas perdido na memória.”

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Lamento do Amante

    Uma fraca luz se movia suavemente por um campo coberto pela grama recém-nascida e ecoava seus gemidos de consolação, enchendo de tristeza os pássaros que lá sobrevoavam. Nos céus negros as nuvens abraçavam o silêncio vagando por cenários desolados, reunindo os poderes da lua gótica como estrelas que brilham num vale de relâmpagos, mas perdida era aquela que lamentava sob a árvore solitária por seu amado. Lá no fundo de mim, eu sabia que a encontraria ali, vendo o tempo chorar lento como uma lamentação, queimando meu coração preto com uma chama inspiradora que aliviava meu desejo por uma dolorosa aflição que crescia como um lânguido brilho lunar banhando minha pele com silenciosos ventos e canções suspirantes, ventos que estabelecem a sinistra doçura dos tempos cheios de magia, semeados com canções desconhecidas e arranjos melancólicos, em uma música hipnotizante e prefixa, isto é, a poesia do amante embriagado pelo triste som da sua perda. No ébrio da solidão eu já não temo os majestosos reinos da morte, pois penosamente na brisa da manhã a tranquilidade acaricia meu rosto como um manto de veludo, um sol ainda quente colorindo o céu, com prados brilhando numa luz dourada na véspera da morna voz do verão, em esmeraldas enfeitiçadas pela mordida da penumbra do anoitecer. É através desse lugar obscuro, o qual chamo de solidão, que as folhas vermelhas cobrem meu corpo e pintam com o gelo os tons decorativos da minha angústia, viajando pelos sonhos infindáveis onde um pássaro noturno canta seu lamento, voando numa chuva gentil de lágrimas que continuam a cair quando a noite chama pelo seu nome. É como uma má conexão entre os opostos, como a vida inteira sem você sob um canteiro de flores tentando alcançá-la com um sentimento sem limites nem regras, aliviado por que a inocência ainda está lá. Com amor ardente você iluminava meu céu como as chamas que lambem meu corpo, você se apaixonava sem se preocupar com o amanhã e atravessava anéis de diamantes com aparências ousadas, cantando nos festivais da noite e desfilando em seus lindos trajes reluzentes... até o momento em que o mundo virou as costas para você e deixou-me aproximar-se, acendendo este escuro amor secreto como um selo sobre o seu coração. Mas um coração vazio é sempre frio como pedra, como luzes de neon vagarosamente sombrias arrastando a aurora, você carregou toda minha alegria, apenas para ter em seus braços uma corrente de flores murchas, amores que nunca encontrarão a verdade sobre você ou conhecerão aquela que se esconde atrás de um sorriso tímido, não verão a luz que queima no seu olhar nem sentirão seu cheiro que abastece a noite. Do jeito que meu corpo vibra quando estou com você, diria que meu coração é errante, pois você é a coisa mais magnificamente linda que eu já amei neste mundo, o jeito como você me olha, me faz desejar você mais perto, quando você balança a cabeça para sorrir, eu desejo que a noite se torne manhã e brilhe como num sonho rosa, com cheiro de chuva distante e gosto de água térmica, movendo devagar pelas ondas e gargalhadas do vento, como o beijo de um homem cego, um silêncio repentino com seu rosto girando na poeira, esperando que o dia se vá. “Eu te amo”, diz os meus olhos negros perolados, “perdão”, diz a minha sombra num sussurro suave, permanecendo imóvel embaixo da profunda saudade enquanto as luzes se apagam e ouço a escuridão respirar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Descanso no Suicídio


Sensual carta anônima

“Amada minha,
Por um longo tempo eu tive o sentimento de que você estava despertando meus sentidos, mas agora quando estou muito longe para conseguir pensar, eu continuo encontrando apenas a outra parte de mim.
Debilmente como alguém que assume o controle, a alma mestre está assinando com a mão egoísta o contrato para possuir minha mente, inteira.
Olhe para as sombras nas paredes, o sopro que foge para fora do candelabro queimando até as cinzas, assim como essa vela eu estou perdendo minha vida.
Nos dias claros observei o nascer do sol e as cores que ele trazia, esperando pelo pássaro negro que era meu anjo por dentro, mas ele nunca retornou.
Assim, aqui estou, mas não posso explicar-me, pois penso que escrevi mil palavras e nenhuma delas poderia dizer o que eu sinto.
Durante a madrugada eu enxergo rosas pretas e folhas brancas, tão pálidas quanto seu rosto, e suas pétalas sobem à luz, desvanecendo profundamente em meus sonhos, balançando minhas memórias como a água gelada que corre em seus olhos.
Neste naufrágio, com minha alma tempestuosa possuída pela vontade de lhe encontrar, eu espalho sementes para desenrolar meu próprio desfecho.
Mas embora eu saiba que tudo isto seja em vão, o tempo passa e ainda estou respirando através dessa caverna sem a intervenção da luz.
Todos parecem tão distantes de mim agora, todo esse tempo eu estive me escondendo no escuro?
Minha alma se transformou em cinzas e o meu otimismo, em dor, desenhando a cortina com a lâmina nascente.
Quando a noite abraça a orla com suas mãos frias e escuras, ó, não se desespere, eu sou a tua luz na alegria e na tristeza, eu sou a tua fantasia, diz a alma mestre, cante por todos os amores que você perdeu, por todos os amigos em que você costumava confiar!
Na beleza de uma realidade distorcida, eu continuo dançando com as sombras em um caos tranquilo, vendo em meus olhos apenas o rígido pesar da obscuridade.”

Cronologia