segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Atração Perigosa


   Um dia a luz me trouxe você. Não foram minhas roupas enegrecidas ou meus olhos polidos de sílex, eu recordo-me bem daquela noite, a luz divina que acendeu no meu peito e a fez aparecer, brilhando como uma lua de outono, a água em seus olhos dizia que estávamos ligados. Naquele dia, o poder divino trouxe-me você por algum motivo, abriu meu coração para lindas palavras surgirem em antigos escritos de sangue, palavras leves como uma névoa ancestral destinadas à você. Aurora, a sua doçura era como um câncer, mas sendo eu libra, via o modo como a obscuridade desapareceu com a sua chegada, como nosso laço era fiel comparado ao arco-íris que retorna para manter sua promessa. Esta noite a razão da luz é novamente recuperada, um despertar onde o gelo brilhará numa grande explosão de sentimentos despedaçados em nuvens de chuva. Nesta tão sonhada noite nossas correntes se partirão e livremente voaremos como pássaros felizes, resgatando os nossos dias escuros e frios, os dias em que a nossa essência era manifestada com um único sorriso inalcançável, tão verdadeiro, assim por muito tempo esperando através da possessão. Este é o dia escolhido, o último passo para minha iluminação, o estado de expectativa que atravessará todos os seus círculos espirituais, mas não seja eu um lugar aonde a luz nunca chegou, agora eu entendo de quem é essa luz, em profundidades além dos meus gritos e pensamentos encobertos, gritos que caem caladamente e pensamentos como pressões em veias sufocantes... a luz divina que nunca se apagou em meus olhos, milhares de cores pintando a sua paisagem, libertando-me do espaço que borrava meu rosto pálido como uma água fria que me cobre. Ó, amada minha, este é o meu poema de lamento... eu confiarei nessa luz e saberei que em poucos dias ele não estará mais entre nós. Sete luas, lembra? Em sete dias você retornará e dará um sinal de amor verdadeiro. Sete dias para que eu possa me enforcar em minha própria loucura.

sábado, 4 de outubro de 2014

Fria Primavera

   Em meus templos pingam orvalho negro, lentamente, os meus lábios bebem o frescor da pedra azul em obscuras interpretações. À noite, quando ando nos caminhos escuros, minha figura parece pálida, quando tenho sede, bebo a água branca da lagoa, o gosto da minha triste infância. As nuvens escuras formam um céu perfeito, a chuva começa a cair e sinto o vento tempestuoso em meu rosto, correndo num relâmpago brilhante em sua direção. Amada minha, veja, eu estou chegando, e espero que você esteja sabendo. Esse é apenas o começo de uma nova promessa que nos unirá para sempre, mas por mais que eu escreva mentiras obscuras como o mar da meia-noite, você não conseguirá enxergar a verdade. O meu poder está voltando e as aureolas das minhas mãos congelam em um profundo azul... sinto tão claramente a sua pele branca e os seus lábios vermelhos cantando como uma sereia do anoitecer, nadando em escuridão. Na noite profunda, eu a roubarei e sumirei da sua consciência como poeira, falando suavemente na sua mente, minhas suaves e escuras asas flutuarão cobrindo-a com a minha sombra, então você olhará para cima, dizendo: “ó, belas trevas, o meu amante me espera”, mas aqueles que estão à sua volta não te ouvirão, eu serei os teus ouvidos, os teus olhos e o teu deleite, sentindo o ar quente da luxúria preenchendo o seu ser, chamando tão amavelmente os débeis sonhos que tecem a noite em um mundo onde a alma se movimenta livremente... esta é a escuridão de que tanto falo, não são os demônios que você acha que me perseguem, garota tola, o que sabes tu dos que cobrem a praça às três horas da madrugada? Ou dos que selam o coração em uma sintonia com o ódio? Pergunto, por que não vê o humano que há em mim ao invés do diabo? Agonizado, não há ninguém ao meu lado na hora da minha queda, pois eu não sou o que você procura, antes, você dizia: “sou apaixonada pelas trevas que há em você”, mas não há trevas em mim, as trevas estão ao nosso redor esperando escurecer seus olhos, esperando que as esperanças se percam e abandonem o seu destino como um vento sonoro em becos escuros, por favor, você consegue entender minha profunda dor? Consegue ver o quão real é a luz fraca que queima em meus olhos? Você fugiu da minha vida como cartas escritas na areia, mas sequer me conhecia, sequer se importou com o que carrego em meu coração, com um sorriso falso dizia que tínhamos um laço, com um sentimento vazio clamava pelas minhas palavras, mas tão instável quanto o céu que se torna claro e negro, os seus desejos desapareceram, o seu amor murchou-se e você tornou-se leviana, dançando com sua alma em um enxame de vaga-lumes. O que posso fazer? Eu fecho meus olhos, abrangendo o poder da vida, sempre acreditando que somos mais do que podemos ver, que os limites invisíveis jazem dentro de nossas mentes... o passado me assombra, fragmentos de memórias que perturbam o meu espírito, tristezas tão profundas como os oceanos cinzentos dos meus olhos, ainda assim, um raio de luz queima através da minha insanidade como uma esperança ardente, esperando que o seu retorno transcenda a lúgubre aurora.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Esperanças Esquecidas

   Na beleza dourada do amanhecer ou nas sombras que atravessam as árvores, eu vejo um rosto sereno com tons sussurrantes de clareiras como a visão de um abraço agonizante. As luzes veladas como diamantes me fazem flutuar através do céu, vendo a vida muito abaixo da minha mente, respirando a serenidade e a verdade, encontrando meu caminho para voar livre dos confinamentos do tempo. Como a alvorada que emerge eu ouço ecos e vozes me chamando, mas não permito que a obscuridade me engula: eu levito, fitando meu cadáver inanimado à deriva em direção ao que agarra minha sanidade, escondendo-me desta terrível realidade... receios de memórias que voltam a me inundar, embora haja uma teimosa mente atrás destes olhos frios buscando o sentido da canção da vida lentamente enquanto tropeça no tempo estendido. Olhando para este mundo através dos meus olhos, eu procuro sentir algum fervor que me leve para longe do que estou acostumado a ver, mas as rodas da vida giram sem mim, o sonho continua me carregando em momentos perdidos que se foram. Entre fantasmas, alucinado em minha consciência, o intenso pulso estrangulador da morte aperta-se sobre mim, em meus ossos eu já não sinto frio, meu sofrimento cresce com o aumento da culpa afundando-me no solo úmido em sintonia com a terra. Desaparecendo até que o espelho da morte reflita o significado da minha vida, caminho sem destino e hipnotizado, essas mensagens masoquistas que vão para dentro da minha alma, chorando através de anos sem defesas subconscientes, em frações de segundos me fazendo acreditar numa pacifista e satisfatória realidade, quando a verdade pode ser tão cruel quanto à natureza corrompida da minha liberdade. Assim, como cheguei até aqui? Flutuando em lugar nenhum para se esconder, sinto como se a vida nunca tivesse sido o que realmente é. Minha tristeza é fria, mas isso não me impede de respirar, tentando encontrar um caminho para o exterior conversando com uma parede da minha mente, uma viagem no interior onde os elos se rompem e me levam à outra realidade astral, numa harmonia serena, sonhando e acordado, os ventos ficam silenciosos, a respiração mais lenta, os lábios se movem, mas não consigo ouvir o que estão dizendo – a escuridão arranca as cinzas da minha alma pelo mais profundo amor dissolvido em emoções construídas por um silêncio eterno... aquele rosto de verão, confortavelmente entorpecido, da aurora em chamas ardentes. Bem fundo ansiando, eu sinto meu coração queimando por ela, esse belo sentimento que navega pelas nuvens do meu corpo como uma sombra. Lá, olhe, o carvalho se inclina sobre o rio como uma pessoa que se curva, chorando pelo amado... você pode polir sua alma mas não pode ver como nós sempre passamos dentro e fora para um pouco de infinidade do espaço em branco. Enxugue as lágrimas de ontem, suas lembranças congeladas, deixe a criança autônoma dentro de você retomar, uma fria brisa abaixo dos seus pés lhe levando ao entusiasmo das cicatrizes secretas, sonhando com a luz do nascer do sol, e de repente... tudo se encaixa, o céu... o mar... as folhas que desprendem das árvores e o vento espalha, então você percebe que a luz nunca esteve tão distante. Aqueles momentos desperdiçados não voltarão e nós nunca os sentiremos novamente, mas sempre comigo, você aparece diante dos meus olhos, um suspiro enfraquecido do que algum dia o pôr-do-sol deixou em nossos corações.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Coração Manchado


   Esta noite encontro-me sonolento e frio. Abaixo das nuvens nebulosas meu coração é tocado por uma estranha melodia. Em aflitos tons de cinza alguém desaparece nos nevoeiros e apenas flashes da sua aparência permanecem, congelado na frieza da minha alma, como se me levasse ao mesmo destino. A estrada parece estar se encerrando por trás e os sinais me levam a um caminho que não posso ver, imagens distorcidas da minha vida e pensamentos obsessivos que me chamam aos corredores sufocantes, ventos estranhos soprando meu castigo iminente, um vínculo imortal, vazio na extremidade do que permanece como o cadáver de um demônio. Essa agonia dissolve-se em um brilho no vácuo da sombra de um segundo, um indesejado estado de espírito, que me faz ver como no interior da minha mente o destino é somente uma forte expectativa. Onde está a luz? Apagou-se e minha mente tornou-se vazia como uma caverna, escura como um túmulo nefasto, queimando, tornou-se cinzas, e as cinzas voam com o vento para arrancar o meu fôlego, sufocado, estou perdendo a vida, perdendo meu lindo vermelho, meu escuro sangue deixando minhas veias... sem ameaças, sem medos, esse lindo vermelho é tudo o que vejo, pingando... estou sangrando e me sinto bem, só um corpo pingando até a morte, só uma alma achando seu caminho. Olhando para o céu e a lua cheia, do jeito que sussurro minhas últimas palavras, elas parecem desaparecer, uma vez que tomei minha decisão há muito tempo atrás. Ninguém sabe quem eu sou, ninguém me perderá. Tão esquecido como águas geladas de um córrego, sou apenas metade em meu corpo e posso sentir, a alma assassina morrendo... eu suponho que não há ninguém igual a ela, mas não posso deixar que controle o meu corpo, nem a minha mente, nem a minha língua, como você esteve perto de mim a vida inteira. Deu-me sentimentos profundamente fortes, mas o que esperava ganhar? Eu suponho que você esteja muito bonito adormecendo e deixando de viver, alma assassina, agora eu posso viver como realmente devo, matando a mim mesmo para voltar à vida. Mestiço da luz e escuridão, ela respondeu, você não pode ser o que não é. Então, dentro de mim, minha alma adormeceu e por um instante pude sentir-me tão morto quanto uma rocha sólida, antes que ela tomasse sua parte e desfizesse o nosso contrato. Assim disse a alma assassina: corre pássaro, sem as tuas asas. Corre, corre, um pouco mais. Haverão céus para te consolar ou asas para que possa voar? Os meus olhos ardiam, desafiando-a, sem olhar para trás, eu corri o máximo que meus pés aguentavam, mas de alguma maneira ela parecia ainda mais próxima. Sua voz soava caótica como sua cor: corre, mensageiro do medo avistado! Reza ao pai, vagando na loucura que reside. Corre, perdido, perdido! A verdade doía tanto, agora, os anos perdidos eram como ruínas possuídas, rastejando em uma assombrosa mentira. No fim, ela voltou para dentro de mim. Morto, conseguia sentir. Somos um, a voz demoníaca cantava, somos um, somos um, a dor silenciosa sem luz, somos um, somos um, somos um. Foi assim que a alma assassina calou-se, mas eu não saberia dizer quem estava morto. Eu ou ela?

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ruínas do Anoitecer Rubro

    Luzes fracas me levavam pelas sombras dos flashes azuis, o encanto da noite me persuadia em olhares estranhos, na sensação de que a veria em meio ao desconhecido. A lua parecia infeliz e seu frio, por não sentido, o calor descia por minhas roupas negras e não sabia quando me depararia com a intensa aurora, vestida de prata, adentro as clareiras de luzes agitadas, uma estrela liberta através do céu na plenitude da noite. Naquele festival, eu sabia que a encontraria, atravessando ao invisível toque como uma sombra entre a perdição, escondendo seu olhar com uma longa mancha vermelha, sem notar minha presença. Sua alma frágil e pura se misturava entre a partida e a tristeza, as palavras que saiam eram desarmadas e desesperadas, mas lá estava sua verdadeira aparência na escuridão, os olhos que não podem esconder a dor, fingindo o amanhã enquanto encharcava-se em brasas com inflamáveis anseios. Profunda como o mar, sua raiva era expressa através de declarações de um passado acortinado por céus funerários, atravessando o pôr-do-sol como jamais fizera antes. As palmas da indiferença eclodiam provocantes, os ventos assombravam os céus vermelho-sangue numa corrente inspiradora de ascendência ao gênesis, em devaneios elísios, queimando com o brilho confuso das almas, dançando com os ventos sobre pecados tenebrosos – onde fica escondido um segredo pálido – liberalmente em um vasto crepúsculo debaixo de toda vergonha, e todos eram suas próprias veias de obscuridade. Minha aparência cinzenta, minha pele branca e meus olhos frios, apenas observava, um isolamento perfeito e transparente, tremendo, balançando e emocionado, desabando numa terra maravilhosa de drogas, incapaz de se mexer ou falar, incapaz de se preocupar, apenas por desejar tomá-la pela mão e desaparecer daquela valsa negra do ocaso.
    Ao redor da lua, ela vinha com seu vestido flutuando em seu precioso éden, onde jaz profundamente seu amado, amarrado e perdido no seu encanto, um cadáver como eu, girando sob a cadeira à espera do seu sereno e áspero corpo com o véu retirado, para deleitar seus assíduos gêmeos do prazer, sua respiração abafada em um grito, caindo... profundamente, em sua teia, os fios se emaranhando conforme sua vontade: paralisada e entorpecida, as palavras como arrepios, crescendo em uma frenética intimidade. Seu perfume como a neve, derretendo meu inverno interior e encontrando purezas nos intensos desejos, mas a noite é maldita e ainda chove, e ela não está aqui... apenas vozes gritantes soando em meus ouvidos, barulhentas e nubladas... fazem-me ver que manter o silêncio trouxe-me um longo alívio, atrás de mim a raiz de um passado em poeiras e cinzas, onde a dança das estátuas congeladas unem-se em lágrimas, faces inexpressivas estagnadas no vazio, apenas esperando uma gota de sangue na correnteza para lavar a dor e aceitar os arrepios do horizonte sombrio como palavras profundas que ferem através de um vidro translúcido. Na luz da alvorada, quando a manhã chora e suas teias brilham como fios de prata, o passado é esquecido sob o túmulo abaixo das flores e minha alma é liberta de sua aurora. Este é o meu lado piedoso, “uma sombra lançada sobre meu coração”, escurecendo nossas gélidas lamentações, serenas como um córrego congelado desejando uma luz prateada, com o anoitecer em meus olhos, levando escritas sangrentas sobre tua beleza pálida que flui através da escuridão indesejada.

Cronologia