quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O Lugar Onde Pertenço

Sensual carta anônima

“Amada minha,
Durante a noite os meus olhos filmam você dormir, esquecendo-se de te amar, eles adoram seu corpo pintando as cores mais belas da sua nudez.
Como uma virgem aquecendo seu amante sua voz se move lentamente me chamando, cenas de azul escuro e marcas de garras nas minhas costas, o sangue se alojando na minha cabeça...
Nós tivemos nomes mais íntimos, nomes profundos e verdadeiros, mas que nunca nos permitimos desfrutar, pois eles eram sangue para mim e poeira para você.
Quando você chegava muito perto de se sentir a salvo, eu me tornava a sombra debaixo da sua cama, ouvindo seus gemidos e palavras sonolentas, enquanto minha boca saboreava o vinho que a brisa dos seus sentimentos trazia.
Você sempre foi tão interessada em correr na frente deixando lascas do tempo e espaço para trás, mas a grama que cresce rápido e cobre suas pegadas uma hora se fecha em silêncio e suas rotas desertas são apagadas.
Não há luz e nem caminho de volta, apenas a beleza da sua juventude te fazendo rir como uma mulher apaixonada, vivendo numa ilusão vazia naturalmente como o vento – a viagem construída no interior dos seus sonhos – sabendo que não importa o que aconteça, eu sou o seu câncer, sua praga e sua cura.
Eu sou o lugar e o motivo no qual, eu e você temos que morrer, pois enquanto você encara seus medos e finge ver seu rosto verdadeiro, você sabe que há uma figura que se esconde na escuridão.
Esta figura dorme dentro do seu útero e vive dentro da sua pele, esperando pelo dia que você despertará para sermos levados ao lugar onde pertencemos. ”

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Mil Olhos e mais Um


   Mais leve do que a brisa do pôr-do-sol uma serena voz de esperança soa como poros harmônicos movidos pela natureza, inundando meu ser num translúcido lago em branco e transbordando como linhas de aprendizagem dos elementos divinos, num efeito tão congelante que meu corpo jaz dormente em sua magnificência. Tudo o que sempre quis e sonhei está se desintegrando, o som dos tambores chamando e o brilho da juventude sendo atirado para fora da escuridão, uma contagem, branca e desenhada, com paisagens pálidas rasgando além das minhas simulações da mente, amplamente num lugar conhecido como o espelho da minha alma, onde discretamente meus segredos são revelados e a música ninar soturna é tocada... sons ameaçadores e selvagens descrevendo a triste poça sangrenta escancarada nos pincéis que mancham a realidade, num solene lugar cheio de sonhos molhados desafiando-me a tocar a chama tremulante do deleite sombrio, sem se acovardar na viagem profundamente interior do último olhar frio da noite, sentindo o estalido arrepio sob os pássaros medonhos e o solo cantante das nuvens espirituais, levando-me numa torção de sombra como frágeis fagulhas estilhaçando-se no universo para contemplar a plenitude. Correndo com os pés fundos na neve, eu sinto que estou dentro de um sono cinza neutralizando meus olhos para enxergar novos horizontes, sabendo que algo estava faltando enquanto eu apenas brincava com o tempo. Ao meu redor, sinto os vestígios do esplendor enviado pelos tenebrosos olhos que brilham como o raiar do sol, uma energia infinita e imensurável, crepitando sobre o telhado, mas isso não é a chuva, embora para mim deveria ser como uma encharcada e sombria cortina aveludada que pendura-se sobre mim, guiando meus sentimentos para longe desse mundo ignorante. Eu assistia a neve caindo de olhos fechados, esperando por uma chance para me redimir dos dias em que a negação se tornou como a cova de toda esperança, não obstante, um doce néctar sob meus lábios, dançando a valsa da escuridão enquanto provava minha amarga existência. Vejo agora como é o latejar de uma vida mecânica, após um esplêndido banquete transformado pela eterna beleza das esferas negras, habitei no tempo em que o relógio me mostrava cada fardo situado na minha sombra, roupas para noite, mas feitas apenas para sujar a noite, pois em meu rosto não havia nada, somente o vazio da isca noturna num veludo de trevas. Posso dizer que o tempo é um abismo profundo como mil noites e um passo a mais que nada vale no ritmo da calma meia-noite, por que o curso mais terno dos lamentos e dos longínquos suspiros da felicidade são compartilhados numa silenciosa mistura, na qual a luz está escondida, gentilmente, na serena e harmoniosa natureza. O orvalho perfumado que floresce é um reflexo momentâneo das formas instantâneas em que os elementos filtram-se através da fumaça do ar e seu cheiro é sentido como palavras ditas silenciosamente, evocando pensamentos como traços de translucidez acendendo a diurna seráfica que as mentes imaturas demoliram, mas eu digo isso por razões à mim esquecidas, numa consonância que ouso expressar pela graça de deus, e ainda assim cego e vislumbrado pelo sol lá no alto, de onde vem uma brisa errante e de boa vontade, transformando minhas palavras numa disfarçada oportunidade de passar adiante o conhecimento que os perdidos julgam sem valor, pois na tortura que os envolve numa prisão embriagante, seus olhos estão quase mortos, eles ficam na escada rindo de seus erros.

domingo, 5 de julho de 2015

Um Banquete para o Vaidoso

    Caminhando nas sombras da minha mente enegrecida, eu procurei um lugar para festejar. Um lugar para olhar as estrelas, um chão frio para se deitar, candelabros magníficos para iluminar seu olhar, dançando livremente no crepúsculo e erguendo sua taça para louvar o brilho da loucura que nos cega, pois a vida até agora tem sido um desperdício. Elas eram tão adoráveis, aquelas amadas e suas singelas palavras – uma tinha a pele aveludada e branca, a outra, uma virgem livre do pecado, a próxima me levava aonde os amantes vão para dormir e a última trouxe sensações infindáveis como noites quentes de verão. Mas dentro da luz nós desaparecíamos, jovens levados pela melodia de suas falhas com o pôr-do-sol em seus olhos, vivendo o amor enquanto suas almas fragmentadas gritavam e seus corpos voavam até que suas asas virassem cinzas numa queda sob o espaço vazio onde o amor costumava brilhar. Para forjar um futuro que eu poderia chamar de nosso, eu continuava quieto e calado, observando a chuva cair sobre elas, o vento sussurrava suas vozes como respirações geladas dentro de mim, sentindo suas ansiedades e medos à procura de um amor para abraçar, mas elas apenas viam um homem através de desertos cruéis da dor transformando seus dias escuros em noites claras. Sob a luz das estrelas elas brilhavam em solidão, a morte pousava sobre suas carnes como uma geada fora de hora cobrindo a mais doce flor do campo, e lá eu plantei minha semente, num rito para restituir a verdade, pois aquilo que adquirimos no momento em que alcançamos o que a vida tem a oferecer é o que nos torna únicos. É hora de pegar tudo o que eu deixei dentro do seu coração, a força que decide o curso do seu próprio destino, a fortuna, glória e triunfo... faça um pedido e adote uma posição, e eu prometo o mundo para você, o sol pintará em seu rosto como ouro dizendo que você não deve ter medo de viver. Pese o amanhã em suas mãos para acordar no ontem e atravesse as fronteiras do hoje adormecido, por que todos nós partiremos em breve, num momento de sobriedade, nós aprendemos a ver que não fomos feitos para durar pela eternidade. Esta é a natureza de um coração verdadeiramente vivo: em uma rápida olhada pela infância, eu me lembro do sorriso de uma mãe, onde as palavras do vento eram honestas e a sonoridade dos pássaros como beijos suaves em nuvens claras, sentado debaixo de uma árvore frondosa apreciando sua sombra e sentindo o cheiro da grama ainda com gotas de orvalho a evaporar, outrora o luar com auréolas reluzentes sobre flores belas e cheirosas, uma rosa silvestre negra desabrochando e mostrando que aqui era o meu lugar, mas às vezes temos que alterar os caminhos que planejamos, vivendo onde as estórias não são contadas como um sacrifício pelos dias passados. As almas não acordadas procuram por um álibi sob a luz rasa da noite, favorecendo a voz de um coração frágil em uníssono com o instinto da deidade, mas suas palavras envenenadas ecoam na cabeça como uma mosca infestada de poesia sussurrando seu anseio pela morte.

domingo, 28 de junho de 2015

Quando as Luzes se Apagam

   Plenamente acordado, no esplendor da noite eu sinto a companhia da cativante escuridão, onde todos os erros parecem estar certos e toda estrela se assemelha a um sol recém-nascido. Uma vez minha vida foi simples e serena, eu podia ouvir a melodia quase esquecida do silêncio, dançando numa frágil pele de criança enquanto o medo da nudez desaparecia, mas como um beijo do anoitecer os ventos congelantes varreram meu coração para longe da minha inocência, lançando-me para o sepulcro da mente como sombras saudando-me nas rachaduras do espelho cravado em minha íris, sombras malignas, com sinais de um amanhã inexistente, mantendo meus olhos sob a obscura luz ilusória, com águas nebulosas e geladas à minha volta, atravessando minha alma abandonada por deus... as águas que uma vez me abençoaram, agora queimam minha pele e varrem-me das margens rasas para um rio escuro e profundo, acenando minha abdicação enquanto engulo as águas da mentira e movo-me lentamente pelo âmago da luz nascente sobre o oceano onde minha vida jaz adiante. É aqui que isto deve acabar, eu desejaria retroceder no tempo, mas muito distante para dizer o que compartilhamos e tivemos de tão divino, uma voz lá de dentro brinca com minhas emoções e promete prazeres para escravizar meu coração, porém agora eu estou no controle de todas as coisas e serei absolvido do que fiz. “Fale meu amigo, você parece surpreso, eu imaginei que soubesse que eu viria disfarçado em asas de branco como um anjo, eu posso fazer seus sonhos se tornarem realidade, que belo par, eu e você, em uma jornada pela noite! Eu venho da luz celestial, eu tenho todos os álibis e qualquer forma de luxúria em você irá tremer ao meu toque, pois não importa se você esquecer nosso vínculo e seguir em frente, pense bem, sua alma será minha no dia que você morrer. Eu sou aclamado pelos anjos e banhado pelo luar, sou o verdadeiro discípulo da sua carne e até que não haja mais resistência, estou certo de que nos encontraremos novamente.” À crista de noites escurecidas, esta é a voz de sedução do caçador, cantando eternas lendas místicas como ecos sucumbidos de um paraíso negro lá nas alturas. Eu sento sobre estas rochas mais altas e observo as ondas se chocarem contra a costa, desejando poder abraçar o mar e olhar para seus olhos esperando por uma resposta, mas ninguém poderia entender esse sonho tão infantil, a dor e o sofrimento, a vontade de negociar outra assinatura, pois ele fala em enigmas e rimas, e suas palavras são como um alimento que nunca sacia. Como eu cheguei a querer você, assim como o solo anseia pela chuva, você nunca saberá o quanto sinto sua falta, ou o quanto eu temi... encontrando um caminho que criei à minha própria maneira, mas este é o preço que paguei pela minha escolha: você se tornou a prisão da minha mente para que eu aguardasse pela aparição das rosas selvagens. Vá e pinte a escuridão com a sua luz, apenas lembre-se de que eu me deitei sobre esta página, e há eras estou escrevendo um capítulo final, mas até que os meus olhos se fechem, eu sei que você voltará sussurrando o meu nome.

sábado, 16 de maio de 2015

Coração de Gelo

    As nuvens recaídas derramam uma chuva obscena desfazendo-se numa pintura sem moldura suavemente camuflada em peles alheias. Num batimento viciante e volúvel as ondas do céu encharcam meu corpo e ecoam a falsa esterilização dos meus olhos vazios olhando para o nada, encarando uma perda com frios arrepios sobre meu ego pulverizado e descendo uma correnteza interior enquanto empalideço numa bolha dormente flutuando entre folhas que me acariciam como dedos fantasmas fazendo cócegas e mordiscando. Os sons silenciosos me acalmam em formas e cores mudando de humor como pupilas dilatando suas tonalidades, emergindo em ventos que respiram minha vida escorregando num raso rio virgem sob uma canção escrita, imaginando qual o gosto da cor que vagamente se espalha nas coisas frágeis e puxa-me mais forte para esvaziar-se do sangue sujo como rosas num vaso branco absorvendo a doença que mastiga meu crânio. As horas passam devagar como um homem ferido nas linhas moventes do horizonte bebendo a água de uma miragem e comendo cacto com a boca sangrando, os vermes abrem uma fenda em sua barriga e um rosto pálido e cansado se move em risadas na sua mente, usando máscaras feitas para esconder seus grandes olhos brilhantes alimentando as mentiras de uma sanidade fraca. As luzes em seu olhar são como piscinas frescas atraindo os para-sóis gastos de um sol gelado e escurecido, como uma gelatinosa saliva derramando sobre sua língua coisas indizíveis, ele armazena o calor e o desejo de uma dor-prisma queimando suas narinas e derretendo seus lábios encobertos de cinzas enquanto a carcaça da sua personalidade muda é levada pela poeira dos seus sonhos congelados na realidade. É assim que rangendo os dentes e cuspindo uma avalanche de adrenalina, mais uma vez eu fecho meus olhos, mas a membrana fina não pode encobrir a marca que me confunde, fingindo não ver os raios de prata dançando no crescente frio que flutua e perfuma o ar – o limbo que costumava ser meu interior e aquecia minha respiração opressiva – em fragmentos de um flácido e cintilante vislumbre dos meus ossos cansados de viver entre sombras emitindo minha melancolia, despertando todos os dias como folhas em pedaços através de um vidro cor-de-rosa mergulhado dentro da minha carne em mil nervos abrindo fissuras com alfinetes espetados. Abandonado em uma consciência imóvel, as trevas preenchem meu olhar no alvorecer das estações, centenas de pensamentos sendo esquecidos e sinais perdendo seus significados, sem lembrar-se de onde estou nem da vida que passou diante dos meus olhos, descobrindo o quão pouco eu realizei por todos os meus planos negados e sofridos nas nuances de um segredo guardado em minhas recordações. A todos os meus amigos eu digo, essas são as últimas palavras que irei dizer e elas irão me libertar: vocês sabem, quem já está dormindo não sente mais dor. Então se algum dia vocês leem isto fiquem sabendo que eu gostaria de estar com todos vocês, mas meu corpo se foi, os meus cabelos se dissolveram nos ventos frios e o meu cheiro se espalhou pelo mar das almas falidas, a minha voz atormenta os camponeses para que se ergam contra os grandes engajadores que louvam a arquitetura da agressão e o meu olhar observa-os no manto negro da noite com o poder de um vazio resultante, sentindo o que as pessoas carregam em volta de seus ombros como cargas pesadas de carenagem, e no coração a dor agoniante que se intensifica ao ver todos aqueles demônios bebendo e dançando, eles cultuam e brindam ao senhor da noite enquanto seus corpos desalmados servem de banquete, exibindo pontualmente que é tarde demais para a humanidade, pois a calmaria apenas faz com que o agressor fique mais agressivo e somente o terror e a feiura revelam o que a morte realmente significa.

Cronologia