sábado, 19 de março de 2022
Adeus Eterna Vida
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022
Lágrimas do Âmago
Cego para o destino dos homens, o céu cinzento abrange minha visão para caminhos desconhecidos, esse eco que se alimenta do meu coração sob a linha tênue entre o amor e a miséria. Contemplando o vazio, minha alma tenta descansar para pagar a dívida, a mesma força que mata o tempo e todos os sentimentos que eu acreditava sentir por você. Agora as formas podres do destino se dissolvem no tempo e estamos virados do avesso, mas você se move pelo desespero, retirando as peças que nunca se encaixavam, porque antes que teus olhos se fechassem, eu não estava mais lá, afogando-me em poças de sangue e dissabores, o mesmo sangue que tua coragem assassinou aquele que cuidou de ti durante os mais tenebrosos dias da tua existência. Um punhal de trevas, a mesma a alma do inferno e, por três vezes, tu não hesitou em disparar na minha direção – você encarnou todos os anos da maldição em uma impiedosa atitude, como se eu fosse a carne destinada para os hematomas do teu sofrimento. Mas enquanto teus olhos estavam cegos, os meus estavam bem abertos, e quanto mais eu pedia para você parar, mais você era dominada pela depressão, até que a escuridão te cobriu e o tempo se tornou uma mentira. A conexão das nossas almas foi dissipada com um eco no universo, estremecendo mundos e estrelas dissidentes, embora em cada toque que eu te dava, em cada palavra que saia dos meus lábios, em cada olhar que durava milênios em um segundo, você era observada pela alma divina: você estava morrendo, mas não havia necessidade de morrer, ainda assim, a violência tomou sua forma, e em teus olhos eu não via mais amor... eu via a morte! Enquanto nossos sonhos eram desfeitos, você foi facilmente atraída para os mistérios do sobrenatural, e até abriu portas que deveriam estarem trancadas, mas quanto mais você se desprendia de si mesma, mais você se esquecia de quem era. Você consegue decifrar essa escuridão que carrega em seu corpo? Essa necessidade que te devora em achar que o mundo deve algo para você, enquanto carrega nos lábios um grosseiro sorriso de medo, acreditando que tudo foi fundamentado pela sua bondade. Quantas vezes você precisa errar para entender que o orgulho é uma porta maciça escondendo por trás uma pequena e imprevisível morte? Abra sua alma e um sopro de luz trará essa liberdade para você, pois a cor do seu coração te dará força para sorrir como campos verdes ao sol, e a música do seu espírito será dividida em sons que se harmonizam, para libertar seus sentidos com o perfume estonteante dos desejos secretos do seu coração. Vá em frente e deixe fluir a luz brilhante que trava seu rosto: como uma vela negra se apagando, eu deslizo meus dedos no vazio e sinto sua pele com cheiro de saudade, negando meu amor apenas para te proteger, pois as feridas abertas serão o remanescente do que o sentimento afirma.
quinta-feira, 9 de setembro de 2021
No Vale das Flores Mortas
terça-feira, 27 de abril de 2021
A Beleza do Fundo
À beira do
infinito e onde as estrelas nascem, uma silhueta negra se faz acima das nuvens
de prata, anunciando sua chegada como um segundo sol nascendo no horizonte, escurecendo
os prados do universo diante da mística luz que emana do seu interior. Traços
tão obscuros, sua beleza repele as leis do tempo, com olhos faiscantes numa
fantasia de gigantes luzes espectrais. Mas o que a move por dentro é o que move
tudo ao seu redor, levando-a por uma escada dourada para o lugar onde você sempre
quis alcançar, embora abaixo de si haja apenas um palco de sonhadores olhando
para um sol estranho. Veja como as folhas descansam aos seus pés, você consegue
sentir-se plena onde está? Consegue suportar a luz que queima na sua pele? Talvez
você tenha se curvado antes do vento, quando deveria ter esperado tocar a melodia
natural da vida. Agora nuvens raivosas te cercam e você nunca se sente segura no
topo, pois os holofotes desapareceram, e todos sabem que sua ascensão foi
construída por cima das ruínas do primeiro sol. No entanto, imagine que nós estejamos
no meio de um tabuleiro de xadrez: quando uma rainha é sacrificada para capturar
o rei, quem é que vence, quando o rei já antecipou sua morte? O caminho do rei
poderia está incompleto, mas antes da sua última jogada, ele para de fugir e se
aproxima de quem o atacou, pois sabe que mantendo os seus vivos é que lhe dará uma chance de xeque-mate. Em outras palavras, você não pode ocupar uma casa que não
foi conquistada pela sua consciência, pois assim como um rio corre fácil quando
os vales estão dormindo, a clareza de um rastro solitário na areia poderá guiá-lo
novamente até o oceano. Grande mistério, porém extrema conclusão, de que o luar
esconde a rima em dias longínquos de outrora, quando as falsas miragens ainda escondiam
a face da morte! Em esferas distantes do destino, todas as noites tranquilas se
tornam um peso em seus ombros, pois você nunca esquecerá de todo seu esforço para
sair das trevas ao infinito de luz, onde os sonhos estavam mais próximos da
realidade e você não precisava sangrar para conquistar uma memória viva. Um
olhar pungente de profunda tristeza, vestindo-se com um veludo de culpas e
ignorando a verdade que sempre parava para ouvir num impasse de sentimentos que
aliviavam sua dor e arrependimento. A força motriz dentro de você não se deixou
levar pela esperança, mas pela rebeldia do amor, que nasce do egoísmo e da vaidade.
Pois de que vale se vestir da imagem mais bonita, quando quem está ao seu lado
está feio e moribundo? Você esqueceu que quem te acompanha é seu maior reflexo?
O orgulho vem sempre antes da queda, um caminho em círculos que nunca nos
permite fugir do que mais tememos. Para que sejamos felizes e sua auréola
brilhe com o esplendor da quintessência, você não pode destruir o que te forma,
pois tudo o que faz parte de mim também faz parte de você. Destruindo-me, você
se apaga, pois a prova da paciência é o que guarda nosso eterno amanhecer. A
essência da vida sempre nos levará em um fascinante encontro com a beleza do
nosso interior, um perfume ardente em nossos espíritos vivendo a pureza do que
sentimos, onde cada beijo estremece o silêncio e todo equilíbrio da vida. À
beira do abismo e onde as estrelas morrem, a camuflagem deve ser rasgada, e os
quatro elementos que te formam preservados como as engrenagens de um relógio
transcendente, pois os pensamentos que nos habitam devem nos manter unidos como
uma melodia em uníssono, como a música divina que nossas vontades expressam e nossas almas cantam durante as noites eternas.
terça-feira, 6 de abril de 2021
Aurossência - A Escura Face do Amor
Escrito vermelho na parede, eu conto cada palavra como estrelas e luas sangrando no céu, mantendo minha cabeça erguida enquanto continuo me apegando fortemente a esta sensação, pois como uma cobra que fala através de mim, estas palavras são sussurradas num poço cármico de sentimentos que transcendem a razão. Eu sei que você sabe, essa corrente abismal não está mais presa ao meu corpo, mas profundamente ao que restou da minha alma, uma sombra que eu não posso mais sentir, pois dentro dessas paredes de pele eu desfaleço. Eu sei que não é tarde demais e que ainda há amanhã, mas tente fechar seus olhos e sonhar com uma visão sentimental, uma visão que eu poderia sentir e recusar simplesmente desaparecer. Minha mente está doente e cansada de uma maneira difícil de admitir, por que como uma mancha que eu não posso retirar dos olhos, todas as cores da vida tornaram-se como uma cena de dois amantes brincando em câmera lenta com o prazer fora de suas mentes para preencher o vazio existencial: seus olhos são como a sombra do sol, entregando-se à impureza da imoralidade, enquanto recebem um abraço frio da noite até que não reste nada além de uma casca oca e exausta. Esta é a melhor descrição para o diabo negro, aquele que não importa quem você seja, haverá sempre uma fruta saborosa para derreter seus olhos e abrir involuntariamente sua boca. Não há como fugir disso, pois o inferno não irá congelar para ver você atravessar – nós somos o próprio gatilho em nossas cabeças, o próprio uísque em nossas veias, o próprio companheiro no escuro! Isso não te faz pensar que o tal diabo se assemelhe ao amor e ao quanto nós nos submetemos a ele? Pois somente o amor preenche esse espaço impreenchível, esse buraco que foi cavado pelo nosso próprio ego de achar que somos especiais. Como um homem que aprende aceitar as recompensas pequenas pela sua escravidão salarial, do mesmo modo, a paixão nos cega para aceitar as migalhas do amor, aceitando as atitudes de uma pessoa que vai contra nossos valores e princípios apenas para manter o fiapo da chama que a ilusão acende. Isso acontece por que estamos comprometidos com nossos papéis de subserviência, vivendo sob o estresse enquanto negamos a realidade da miséria. É muito semelhante a um homem que se cala diante da inevitabilidade ou da retificação da sociedade: o bem comum é enfiado goela abaixo, enquanto o inimigo comum é o bom senso! Em outras palavras, a figura de uma sala escura vale mais do que conhecer seu vazio quando a luz é acesa. Esta verdade que todos esquecem corre sempre fora dos trilhos como sonhos quebrados que reaparecem de vez em quando, porém quando finalmente acordamos, nos perguntamos o que estamos fazendo aqui e por que nossa vida parece tão sem sentido! Dê-me, então, um minuto para explicar, antes de achar que estou me referindo a você. Eu estou pendurado em um momento, um vácuo do tempo onde nada me satisfaz, por que algo se perdeu no meio do caminho, uma cicatriz que não se cura como o corte na minha mão que fica mais profundo à medida que o sangue flui... o mesmo sangue que espalhei pelas paredes da sua casa. Você entende o que é tentar assassinar o amor para fazer todas essas vozes se calarem? Foi exatamente o que eu fiz, pagando o preço de sangue, mas eu jamais faria algum mal a você... quando alma da morte guiou-se em sua direção, a força do amor me parou, a mesma força que eu tentava destruir! Ali eu descobri que o que eu sinto por você vai além da minha própria vontade e do meu entendimento, pois não é algo que eu possa simplesmente tomar o controle. Daqui a dez anos talvez eu esteja satisfeito quando olhar para trás, por que os dez anos que joguei fora estão sendo reconstruídos por você. Anos a partir de agora valem mais do que minha existência inteira, pois em algum momento eu cansei de esperar, cansei de viver pelo que não importa. Agora eu sei que existe um lugar que eu não posso tocar, uma face escura que é escolhida pela dor dentro de mim. Da influência do meu coração, eu acredito que isto seja real, eu aceito que você é a escolhida! Pela voz da alma divina e por todo sacrifício das perdas que tivemos, eu te saúdo com todo meu amor, desejo e resiliência, que a partir de hoje o vinho se faça novo! Seja bem-vinda à sua casa, minha negra aurora e essência!
segunda-feira, 8 de março de 2021
Doce Liberdade
Vagando sobre minha cabeça, as nuvens sedosas do sono preenchem minha mente como um céu que antecipa o dilúvio, pois quando abandonei minha liberdade, meu mundo cinza tornou-se um compromisso de padrões que me levaram de volta ao aprisionamento. Eu sei que não vai durar, mas não há nada que eu possa fazer para reorganizar meu passado, por que a dúvida que desperdiça o que é vivido tropeça nos dias que não valem mais do que um pensamento morto. Houve meses em que perdi o contato com o mundo e suas tristezas, como um véu que caia sobre minha consciência, mas sempre que eu retorno para este lugar, tudo volta à tona, pois o mundo não pode se esconder de mim como eu me escondo dele. Agora eu olho pela janela e a luz desaparece sem deixar vestígios, por que as montanhas que eu via tornaram-se prédios, enquanto o frio que eu sentia tornou-se uma sombra que tenta queimar o meu rosto. É como se eu esquecesse de quem eu sou, vendo pessoas estranhas vagando pela minha casa sem nenhuma vontade de conversar, pois foram as mesmas pessoas que me observaram durante anos sucumbindo no calabouço da minha mente. Eu achei que era surpreendente dizer adeus aos meus meus amigos e familiares, mas de repente eu estou aqui como um caroço que nunca se desgruda da garganta. Não é de se admirar que minhas dores confundam suas mentes e corações, por que nem sempre o que é expresso pode ser ouvido com clareza por quem escuta com os olhos. Cada palavra que me escapa no ar, proclamando amplamente meus reflexos maçantes que são impressos em uma frase, vão além do que eu escrevo como um sussurro de um homem quando sua amante já adormeceu. Em uma tela eu poderia ver mil peças caindo, embora a expressão do meu rosto seja como de um novo recomeço, mas quantas vezes eu já tentei recomeçar até acabar flutuando no espaço com minhas peças girando no chão? Digamos que houvesse um motivo, um desejo divino para me trazer de volta até aqui – a princípio, um compromisso inofensivo, pois nunca entendemos os mistérios do alto. Eu assistiria o mundo batendo dentro de um liquidificador, enquanto minha mente se expandia por corredores infinitos. Então começariam as cobranças, saudando o amanhecer sem ganhar nenhuma recompensa pelo dia anterior, por que o futuro parece sempre brilhante quando achamos que somos capazes, até perceber que o sucesso que mantém meu espírito navegando está naufragado em uma sensação de impotência, de não compreender o sentido ou para onde todas as minhas conquistas me levarão, afinal não estamos todos tentando chegar àquele lugar ou obter aquilo que não está ao nosso alcance? Assim, através destes ventos ciumentos, nós vagamos em sintonia com o desejo universal, onde cada recompensa é colocada por cima de um piso de mármore perfeito. Nós aprendemos a ser pessoas que desejam alguma coisa, enquanto estamos sempre nos perdendo por dentro, olhando para a baía rasa iluminada pela lua, ao invés de ir além das areias frias e abrasivas do oceano. Como o sol desaparecendo ao anoitecer, meu rosto está cansado e indiferente, vagando como um fantasma vivo para agradar aqueles que eu amo. Porém aos poucos eu estou aprendendo o que deveria valorizar mais, roubando um pouco de alegria das pequenas coisas e fugindo da minha cabeça como uma pena soprada ao entardecer, pois às vezes estou desempenhando um papel sem saber o porquê o desempenho. Deus sabe que eu sempre canto as palavras que eu gostaria de gritar, mas talvez seja inútil eu falar sobre o que sempre tenho dito, porquanto dentro do meu próprio espaço há uma fagulha de fios soltos e emaranhados com uma visão pela metade causada pelo isolamento social. Ainda assim, eu sei que minha alma aprisionada me serviu bem, mas agora eu preciso quebrar as paredes desta célula escurecida e preencher minha vida com meu real propósito. Através do que queima e distorce meu tempo, essa confissão foi sussurrada suavemente para você, enquanto meu espírito acorda de todos os seus sonhos efêmeros, pois mesmo agora algo ainda permanece, e embora o mundo esteja mudando, por dentro eu ainda sou o mesmo.
terça-feira, 17 de novembro de 2020
O Silêncio Soberano
Na floresta silenciosa colheres verdes pingam seu orvalho na terra carente, seu liquido viscoso se espalha pelo solo como veias intermináveis, abrindo caminhos por baixo do mundo como uma cobra rastejando até sua presa. Sob a lama negra está sua morada, minhocas brancas e besouros pretos fazem-lhe companhia, muito abaixo dos troncos e das raízes ocas como uma estrela ardente sendo mantida em um frasco. Mas ali, entre os ocultos galhos que entrelaçam seus espinhos, floresce a lúgubre sombra dela. Seus olhos estão vítreos e embaçados, seus lábios contorcidos congelam um grito de socorro. Porém quando eu tento tocá-la, mãos estranhas me param, mãos trêmulas e frias como cascavéis me enlaçando, sussurrando vozes sinistras de que ali não há nada para mim, nem para o mundo, assim como uma velha estrela de cinema. Enquanto as nuvens movediças passam por cima da névoa da floresta, isto é, do sonho apático da vida, eu sei que ali o tempo está morto, e todas as coisas ficam paradas, até mesmo seu apodrecimento. É um lugar por onde seu fantasma pode me guiar como neutrinos atravessando as árvores, onde as vinhas podem me emaranhar sem que eu tenha pressa para voltar, pois nada restou além das suas lembranças silenciosas. O vento bate, com moscas negras zumbindo sem nenhum som, mas este sonho... parece tão errado. Acorde, Alma Assassina! Eu acordei de um sono profundo e agora eles estão ao meu redor, seus olhos brilham como pedras polidas, suas mãos são sangue e vidros me arranhando. Eles estão me levando através dos telhados, mas o que querem que eu veja agora? Eu preciso retornar... para aquele sonho! Ali eu poderei encontrá-la fantasmagoricamente viva, o que não diminui o aspecto da sua beleza ou dos seus preguiçosos passos... deixe-me voltar a dormir, permita-me sonhar, meu sono está fácil como falésias recortadas, procurando-a em meu espelho retrovisor sempre que ando depressa nas ruas da vida. Por que estou subindo tão alto? Lágrimas quentes descem e a chuva imita meus olhos, banhando-me com o frio da solidão. O que há para mim no céu, além do vazio das nuvens e do raio que perpetua pelos trovões para assustar os humanos? Eu vejo muitos vagões cobertos e asas de aviões desaparecidos, flutuando como um peixe em ondas de veludo, onde os vapores dos sonhos circulam sinuosamente de cima para baixo – seriam os sonhos pedaços de memórias daqueles que já partiram? Essa sensação... o céu são os braços de uma mulher... eu estou sentindo: eles me trouxeram de volta para me desvincular da morte, para enxergar aquela que está comigo, me amando, me deitando na grama verde. Ela está bebendo as nuvens, e as gotas que pingavam na floresta caiam da sua boca, a lama negra era sua pele, os sussurros eram sua voz. Tão dentro de mim, seu amor me reviveu de um sonho de ressentimento, me salvou do pobre homem que se sujava em rituais para ter o que está morto. A vida grita por mim, pois agora há brotos verdes empurrando-me para fora das folhas mortas, as ondas beijam a terra e o ar está quente, lábios de maçã falam leves palavras em meus ouvidos, enquanto meus finos ramos se inclinam para o mar salgado. Como um milhão de vulcões explodindo no sol ou como o sussurro dos cupins, eu estou voando em sua direção sem deixar pegadas nas nuvens. As portas se abrem e eu vejo você, seu espectro, seu fantasma, sua alma... estão me abraçando. Eu olho para trás e vejo o avião decolando, levando embora tudo aquilo que restava de mim, mesmo aquele corpo que tentava desesperadamente chegar ao seu destino.
quinta-feira, 1 de outubro de 2020
A Grande Recompensa – Versão Sombria
A Grande Recompensa - Versão Luminosa
sábado, 12 de setembro de 2020
A Estranha Sensação
Quando não há nenhum remédio para me curar ou nenhum conselho que me traga conforto, meus olhos se voltam para meu interior escuro: ele parece tão quieto agora, tão estranho para quem nunca saiu de dentro. Eu desejaria engolir estas sombras com uma luz amarela semelhante aos raios que iluminam a terra, pois em cada ondulação do oceano, em cada folha da árvore ou em cada duna do deserto, existe um poder que nós nunca vemos, uma energia profunda e mantedora que faz tudo crescer, preenchendo todo derramamento de sangue com a ascensão do mundo. Diante disso, eu penso que somos apenas visitantes deste arranjo fúnebre, por que em um mundo onde você paga pelo amor, mas o ódio vem de graça, estamos sempre se unindo à degradação, mantendo sempre as costas na parede por nunca saber quem está vindo atrás. E apesar de um milhão de estrelas ainda brilharem no céu, nós parecemos tão solitários nesse planeta distante, girando ao redor do sol como um arco de tristeza: agora não há nenhuma gota no oceano, nem uma folha nas árvores, nem um grão sequer de areia. Quanto tempo mais? Estas não são as obras do homem, a soma de todas as nossas ambições que destroem o significado de tudo? Há sempre inconfessáveis convites em todos os lugares, todas as palavras que nós dissemos parecem ter uma ânsia por resultado, uma vontade que se exprime nas letras que formam o curso de uma felicidade ilusória, mas como podemos ter certeza de que alguma coisa é real? Enquanto os ecos de uma música seguem à deriva ou quando nossos olhos se acostumam à luz do dia, nós sempre nos perguntamos o que aconteceu com a vida que conhecíamos antes de tudo mudar, pois se nada fosse verdadeiro, nós seriamos apenas reflexos das mudanças que acontecem no próprio mundo. Em outras palavras, nós somos frutos de algo formado pelo tempo, imagens e arquétipos que se espalham pelo mundo das idéias, ideias estas que se desenvolvem e, como células se multiplicando e evoluindo, criam elos na grande teia do conhecimento, da sabedoria e do autodesenvolvimento. Assim, em parte somos nós mesmos, mas em partes somos todos em uníssono, como se estivéssemos olhando reflexos de nós mesmos em todos os lados, das mais benignas até às mais malignas, das mais formosas até os mais defeituosos ou dos mais afortunados até os mais necessitados. Esta é a forçada união que o sol mantém as órbitas das estrelas: por acaso, ao olhar para o céu, elas não parecem todas iguais? Estamos sempre tentando sermos melhores em tudo para sermos reconhecidos pelos semelhantes, quando parte da sua qualidade é refletida em seu próprio admirador. Eis onde o grande segredo habita – não na hipocrisia de mostrar-se igualitário, mas em reconhecer esta igualdade que provém os que têm dos que não tem, dos que são dos que não são, dependentes uns dos outros para o mantimento do equilíbrio da efêmera existência individual, em afirmação da sua autossuficiência que somente é possível através daquilo que não somos, mas que já fomos ou desejamos ser em cada um que nos cerca. Então, e só então, encontramos a iluminação ou a tão aclamada centelha da célula deificada, que desperta em nós o sentimento divino, isto é, o amor incondicional – o verdadeiro poder que circula em harmonia no silêncio ancestral da natureza. Tal é a luz, como um doce sorriso de uma mulher apaixonada ou quando uma criança corre desesperadamente para os braços do pai: é um sentimento de comunhão consigo mesmo e com toda plenitude da existência, porém a maioria prefere tampar os olhos para esta verdade e viver suas vidas egocêntricas, o que torna suas existências vazias como corpos inanimados perambulando em um mundo sem alma.