Quando
as nuvens do céu param de vagar é possível ver um apetite se alimentando das
estrelas, ligando ligeiramente a luz do mundo, para me iluminar diante do cosmos.
Seus olhos me encaram calmamente, rasgando vertentes da galáxia como um rastro
de relâmpago vagando pelo universo. Desbotando a luz das estrelas, eu sou
desvanecido pela sua presença, enquanto seu amor me preenche por inteiro. Eu
aperto os dentes mais forte do que minhas mandíbulas aguentam, sentindo o sabor
do sangue escorrendo, deslizando quente por minha pele com uma cor desconhecida
– é um sabor doce, um cheiro agradável, um rio branco que serpenteia pelo meu
corpo. Estou sentindo, quente e brilhante, os pensamentos chegando, pois a voz
do divino é ouvida pelo espírito. Uma grande energia me arrebata, fazendo meus
braços e pernas dançarem involuntariamente, os dedos do oculto me movem sob a
presença do sobrenatural. Deus está aqui, e nem com todas as palavras do mundo
eu poderia descrevê-lo, pois a única centelha de entendimento é a do
autoconhecimento. O silêncio permanece como uma sombra fiel, seus olhos vagando
como um suporte de aquecimento, flutuando pelo rio sombreado da minha carne, embora
seu alvo seja outro coração. Sem nenhum gesto, eu caio em sono profundo e meu
espírito é puxado por mãos invisíveis. Já não mais eu, mas o espírito que
habita em mim, e este espírito é deus. Estou sendo levado até um lugar
distante, ainda sobre a terra, para assistir a trajetória de uma garota fora do
espaço e do tempo. Como um pedaço de metal pontiagudo furando sua inocência,
ela conhece o amor, mas este logo é esmagado pelo elo paterno. Procurando pelo
amor fora de casa, tudo que ela encontra são traições e prisões familiares, pois
a humilhação que a cerca é sua única armadura. Beijos sem sabor, olhares sem
vida, toques frios como a morte, quem poderia imaginar que atrás da sua pele
escura existia um ser indiferente nascendo, e sua risada diabólica era ouvida à
distância. Para se distrair das vozes na sua cabeça, foram necessários muitos
alucinógenos, mas nem a morte era capaz de assassinar aquele ser obscurial!
Sucumbindo como uma maçã podre, ela permitia que o amor a mordesse,
envenenando-o com sua própria personalidade suja, pois atrás das cortinas ela
descontava seu ódio em homens incautos, e entre estes homens estava eu. A cada vítima
seu demônio interior crescia, dominante e repugnante, esculpindo uma nova forma
que se enraizava nas suas veias como galhos tentando atravessar uma pedra. Não
demorou muito para que meu eu inferior a abandonasse, pois a mentira era seu
prazer, e sua voz doce era como o cântico de um anjo caído. Nos dias seguintes,
eu fui consolado por mulheres estrangeiras, mas nenhuma poderia preencher o
buraco que você cavou, sangrando com suas memórias ilusórias, enquanto eu
vomitava toda escuridão transmitida pelo seu falso amor. A mão da morte pesava
como mundos inteiros enfileirados, puxando-me por uma corrente sinistra para o inferno,
porém a depressão nunca mais foi párea contra meu eu superior: aquele que
decidiria te salvar do suplício eterno, pois assustada como um infeliz, você me
avistou voando no céu, mas estava vendo deus. A alma que assassinaria seu
demônio interno, que atravessaria seu corpo para limpar sua escuridão, estava
ali, dando-lhe outra chance de recomeçar. Mas não seria fácil matar um ser que
foi alimentando durante anos, que criou raízes profundas na sua alma. Portanto,
as asas que viu são asas de emancipação, pois só evoluindo é que se desperta a
essência superior. Se realmente sou tua alma gêmea, então terás que ser infinita
como uma flor de lótus, ascendente como o sol, verdadeira como a luz que transcende
o mundo. Agora que sabes de onde vem e a quem pertence esta luz, vende os teus
sonhos para as estrelas, até que as folhas se tornem vermelhas, por que sempre
que curvar a cabeça para o lado, verás uma sombra te encarando, esperando pela oportunidade de resgatar o que lhe foi dado por direito.
Através dos
seus olhos, você enxerga os outros como sanguessugas covardes, mas quando se
olha no espelho, você vê apenas um pedaço de vergonha, sem perceber quando suas
mentiras se voltam contra si mesma. Nesse buraco apertado, sua sujeira e suas
cicatrizes continuam se abrindo, rasgando sua pele e arrancando sua casca, para
mostrar a verdade por trás da sua máscara. Que belo disfarce, não é mesmo? Pele
branca como algodão, cabelo rosa como um céu de sonhos lúcidos, roupas luxuosas
para atrair interesseiros, fotografias de viagens que você sempre desejou ir.
Esta é a imagem perfeita para o mundo, mas e quanto à imagem que você tem de si
mesma? Na sua cabeça, você acha que o que importa é a beleza exterior? Que a
riqueza te faria ser uma pessoa melhor? Pois bem, não se preocupe, nossa viagem
está apenas começando, por que hoje toda podridão que existe dentro de você
será cuspida para fora e toda mentira escorrida como sangue menstrual. Sua
mente está doente, seu corpo impuro, suas vontades instáveis, seus ideais
corrompidos. Quem a transformou nessa máquina de sonhos irreais que a fazem se
sentir satisfeita sendo quem não é? Por acaso, mostrando-se ser alguém
importante, torna você importante? Mostrando-se bela, te faz bela? Mostrando-se
rica, aumenta os números da sua conta bancária? Tudo isso é um mundo de mentira
dentro da sua cabeça, e eu te digo que a pior prisão que existe é a prisão
mental. Enquanto isso, amigos perdidos e vazios te enchem de elogios, trazendo fumaças
viciantes para te fazer perder a noção da realidade, afastando você das
circunstâncias de um mundo frio e sem valor. Mas o tempo é seu inimigo, ele não
tem piedade de quem despreza a vida, pois a natureza é muda para o hipócrita. Por
que vive em segredo, dentro de si mesma, mergulhada em um buraco negro,
escondendo-se atrás do armário, quando pode abrir todas as janelas e ter
orgulho de quem você é? Você é uma advogada incrível, uma amiga que realmente
se preocupa com os amigos, que luta pelo seu amado até quando é
ignorada. Seus cabelos cacheados brilham em destaque, sua pele desnuda lembra a
cor do pecado, sua voz impede que a tempestade venha. Até sua teimosia, ela te
faz ter uma personalidade forte, embora nem sempre seja melhor que as coisas aconteçam
do seu jeito. Conversar com você é como navegar por um rio fluido e
interminável, abrindo novos horizontes e caminhando nas nuvens, pousando apenas quando você dorme de repente. Às vezes você esquece de lembrar e não lembra do
que esqueceu, mas está tudo bem, ninguém é perfeito. No entanto, eu não posso
elogiar sua essência, pois ela foi destruída, e tudo que posso fazer é tentar
reconstruí-la junto com você. O medo e a insegurança não são justificativas
para mentir, por que a mentira constrói ruínas, enquanto a verdade constrói
castelos eternos. Eu posso estar errado em alguma dessas acusações, mas não me
culpe: uma mentira torna todas as verdades duvidosas. No momento que você não é
mais a pessoa que surgia na minha mente, todos os nossos encontros são inexistentes,
pois as formas que eu via eram falsas, e a imaginação uma mera ilusão
passageira alimentando suas mentiras. Tenho certeza que você teve suas razões,
mas até que nos vejamos pessoalmente, a tendência é cairmos no abismo, pois não
há mais uma ponte de confiança entre nós. Não te incomoda ser derrotada em seu
próprio jogo? Reprima o dedo do meio e silencie as palavras que não agregam
nada, desenterre seus olhos verdadeiros como quando me contou toda a verdade.
Pela última vez, eu te peço, renda-se à luz, pois as tuas sombras são muitas,
renda os teus segredos internos, pois eles estão formando um monstro
indestrutível, e a memória que gera forma jamais volta a ser a mesma.
O
vento da mudança sopra novamente, eu ouço a hora da partida no relógio, mas nunca
é tarde para iniciar qualquer coisa que desejamos, por que não existe futuro
através do infinito azul, apenas a grande chama do presente, incansável e
brilhante, ardendo por nossas vontades. Eu gostaria de avançar contra este
fluxo, quebrando o silêncio da existência para obter uma resposta mais clara,
porém do outro lado do arco-íris, eu não temo a realidade do mundo das trevas,
pois o calor está sempre enchendo meu coração, o fogo continua queimando pela febre
de uma vida que me espera. Mudando lentamente o equilíbrio da vida, sob o céu
noturno, estou nu e rastejando sozinho na areia fria, esperando pacientemente.
Eu ouço o som de violinos à distância, as ondas do mar se cruzando, o alvoroço
de um contador de histórias, os sapatos batendo apressadamente no chão,
enquanto as nuvens de um cinza prata e roxeado se emaranham em cima da minha
cabeça. De repente, eu vejo folhas descansando nos meus pés, mas não há nenhuma
árvore à vista. Vejo memórias amargas nos meus olhos, mas eles continuam encarando
o horizonte. Então das areias surge um belíssimo chão de mármore, com grandes
pilares subindo e jardins se formando, jovens sorridentes correndo e
despreocupados sob a luz do sol. Eu olho para cima e a ampulheta do relógio
está girando para trás... haverá algo no meu passado que preciso consertar?
Naquelas torres que se formam, eu costumava escalar para um esconderijo
secreto, onde tínhamos tantos segredos para compartilhar. Naquela sala estou
diante de um papel rabiscado, com um nome divino sobre ele, e dos meus lábios
saem uma gosma preta que o preenche por inteiro. Naquele quarto meus dedos
queimam uma carta enviada para o abismo, derretendo pedras de esmeralda, rubi e
safira, desejando o impronunciável. Naquele quintal meu sangue é derramado,
maldições nascem, com uma grande sombra me cobrindo, mas esta sombra é minha
proteção, meu destino e minha esperança. Naquele templo eu derramo sêmen em
sacrilégio, assim como desonrei meu ancestral que era um homem cego e profanei
o livro sagrado. Naquelas imaginações eu via cabeças de bebês serem cortadas e
dançávamos sobre seus crânios em troca de uma vida luxuosa. Naquela entrada eu
o prendia do lado de fora, enquanto ele gritava para entrar, e do meu próprio punho
os olhos da sua mãe sentiam o ódio do meu coração. Agora como adagas sendo
apunhaladas em minhas costas, um sangue viscoso e negro sai dos meus lábios, os
jovens sorridentes olham com desdém, as paredes se desintegram, o jardim
apodrece, a areia se torna um mar de escuridão. Todos aqueles sons estão desaparecendo,
o céu é um boreal negro e diabólico. Então surge um espelho, e diante dele
minha imagem parece irreconhecível. Eu vou engatinhando, cada vez mais perto,
cada feição voltando a sua forma, e finalmente eu vejo quem sou de verdade. A
mão do outro lado atravessa o vidro, chamando-me de volta para a realidade, mas
aquele lugar não é onde eu deveria estar? O limbo dos meus pecados, dos meus
anseios secretos, do homem podre e vil que se esconde por trás destes olhos. Eu
não mereço estar lá... por que, então, o próprio deus abriu este portal? Ainda
há um propósito para mim nesta terra? Estou recebendo uma segunda chance? Mas
como poderei encarar todos os corações que magoei? Todos os amigos que trai?
Todas as escolhas depressivas que me fizeram ter uma vida insatisfeita? Ó,
minha outra metade, deixe-me onde estou! Viva feliz, como um pedaço de carne
sem alma, pois é melhor que a ignorância te preencha do que enxergar toda
maldade deste mundo. Você é minha luz, então ilumine o mundo. Quebre o
espelho, fragmente-o, para que nunca mais me encontre, pois eu sou a tua alma
assassina, o deus oculto que roubou sua atenção do criador.
Hoje
o mar escuro da mente fervilha com todo prazer, luzes morrendo como um homem
correndo atrás do seu pedágio, sentindo seu coração pesar demais para ser
proporcional em tamanho, pois no fim ele recebe a multa da vida. Como um diabo
branco, o lixo ainda faz seu jardim florescer, tarde da noite sentindo o corpo
suar com a brisa secreta, enquanto seus olhos calmos se fecham para esquecer-se
do mundo externo. Elegantemente magro,
sua cabeça se preenche com o vazio, queimando na língua um sabor infernal,
enquanto seus pés flutuam do corpo imóvel, estou sendo levado para uma viagem
sem volta? Por favor, deixe-me aqui, eu ainda desejo viver mais, sentir mais,
criar mais... eu quero conhecer o sem
sentido e semear sem sementes como uma música que sangra sem ninguém para
tocá-la. Eu quero ter um novo nome na esperança de esquecer a vergonha do
antigo, correndo como uma raposa livre e espalhando a poeira limpa da neve para
que toda natureza acorde! Mais uma vez aquela beleza mórbida brilha em
ressonância, meio dourada, meio fluorescente, percorrendo todo meu corpo como
maus caminhos que governam os caminhos que seguimos, mas eu sei que é
impossível você não nascer todos os dias, pois sem seus raios o mundo não pode acordar:
oh esplendida e magnífica aurora! Que brilha como ilusões vagando pelo ar, guiando
os anos de hipocrisia e fazendo os vampiros chorarem...! Você está no centro
das atenções, como gostaria de estar? Tão alta no céu, cercada por estrelas
invejosas, quem poderia alcançar sua grandeza? Quem poderia atingi-la agora que
piadas cruéis fazem você rir? Através da dimensão adjacente do dia, transcendendo
o azul celeste, você mais uma vez tenta hipnotizar o mundo, mas meus olhos estão
blindados contra mentiras, o véu foi arrancado e a vida se move um pouco mais
rápido, pois agora eu aproveito o longo tempo perdido – memórias de quando eu
acordava acreditando que você era o sol. Agora deixe o suicídio da música
assumir o controle como um portador infundindo sua alma, por que a partir de
hoje ninguém mais acreditará na sua falsa luz, assim como a estrela da manhã,
você cairá em surpresa repentina, libertando-se dos néctares da devoção para
tornar-se um anjo caído: em nosso último encontro, não foi você mesma quem
disse que a aurora não existe mais? Eu demorei para entender que você estava
tentando me dizer que não havia mais brilho em você, que diante do espelho você
era somente uma estrela em sombras, por que eu soube de coisas que ninguém mais
sabe. Ainda assim, eu permaneci ao seu lado, insistindo para que o sol
verdadeiro refletisse em você, enquanto as trevas te cobriam – havia dias em
que você nem parecia estar presente, apenas um pedaço de carne tentando
resgatar alguma sensação perdida, buscando prazeres onde não existia. A
depressão se enraizava no seu olhar, na sua voz e em suas expressões faciais,
mas eu continuava ali, colhendo as penas das suas asas, para que um dia você
voltasse a voar. Suas mãos estavam lavadas de todos os crimes da desilusão, mas
na sua mente você escalava tetos e paredes à procura de algum vestígio que
pudesse te fazer sentir, pela última vez, a terna chama da luz da divindade,
por que agora você tornou-se uma deusa esquecida. Mas a luz estava o tempo todo
ali, caminhando ao seu lado, fazendo você rir nas noites escuras, dançando em
festas exóticas e te vencendo duas vezes no xadrez, por que uma mente iluminada
sempre vence uma mente destruída. Eu tentei te tirar do assento desta gaiola
dourada, por que eu acreditava que você ainda era capaz de voar, mesmo que não
fosse para meus braços. O que ganhei em troca foi você dizer que eu era um
objeto para você e ser ignorado na frente de todos. Em resposta a isso, eu irei
fazer o caminho mais curto pelo seu naufrágio, por que na ausência do orgulho é
que somos tocados. Nós aceitamos prêmios durante nossas vidas para fazer com
que nos sintamos entre os vencedores, mas você nunca pode controlar as divisões
arrojadas do céu. Se você acredita nas areias do tempo, existe sempre uma
necessidade na vida de enxergar algo mais claro, um desejo repentino de ir além
do espelho, onde encontramos o mundo divino, pois com a intenção de iluminar a
mente, sem dúvida, o reflexo das ondas espalha a luz do sol para todos os
lados.
Atolado
na ilusão e silenciado pela ideia do tempo, eu me torno a soma atual de todas
as idades, deixando uma trilha de páginas queimadas para trás. Fugindo do útero
denso do sofrimento, eu espero que minhas feridas se fechem novamente, antes de
cavar meu próprio abismo onde a sanidade é minha vaidade. Desnorteado pela
misteriosa força que me guia, esta será uma confissão de derrota, mas você
nunca foi digna destas palavras. Eu espero que você saiba que esta felicidade é
passageira, pois depois de me apunhalar pelas costas, você sacudiu seus quadris
e selou seus lábios, mas um milhão de estrelas ainda assistem seu movimento,
esperando que a culpa e arrependimento dobrem sua mente. Ao som do vidro
lascado, seus pés caminham e sangram sem dor, seguindo a imperfeição da sua
própria essência refletida no seu amado, vendo seus dentes conversando, mas
nenhum som é ouvido, pois sua mente não está mais lá. Algo está faltando, um
pedaço da sua alma que só funcionava quando eu estava presente, a outra
essência, aquela que eu desejava despertar em você para que as cores do mundo
voltassem a brilhar, até que o cheiro do ar nos seus pulmões acelerasse as
batidas e todos seus vícios fossem abandonados. Essa fuga de si mesma fazem
seus atos falarem mais baixo do que minhas palavras, mas este é apenas um
tropeço do seu medo, pois de repente você percebe que sua vida não significa
nada. Parece que você é tão contraditória, por que seus anseios mudam mais
rápido do que uma prostituta mudando de homem. Agora, com poderes esmaecidos,
nós ficamos por horas sentados ao lado de uma televisão apagada, esperando que
alguém especial ligue a tomada. Mas isso não me preocupa, por que quando as
pessoas saem de nossas vidas, os elos são separados, as mentes desconectadas,
os olhares esquecidos. Então dizemos a nós mesmos: guardarei comigo o melhor
desta pessoa em meu coração! E, no entanto, não basta conhecermos outra pessoa
para este sentimento acabar? Quando amamos, estamos ausentes de toda lógica e
razão, mas quando o amor acaba, a pessoa se torna um vegetal aos nossos olhos,
como uma árvore velha que vemos todos os dias na esquina. Talvez por isso
exista apenas uma alma-gêmea no mundo, da qual nunca nos desvinculamos, e que
sempre quando revemos é como se fosse a primeira vez. Mas quem garante que esta
alma-gêmea não esteja morta? Estamos esperando por alguém que já partiu? Esse
alguém, ao menos, existe? O que estou tentando dizer é que não podemos esperar
pelo que é improvável, mas podemos construir algo com alguém que amamos no
presente, pois o futuro é incerto. Quando eu estava com você, eu não precisava
fazer o tempo durar, pois como um sol invadindo a meia-noite, muitos dias se
passavam em um instante, com o céu das nossas bocas mudando seu tom do branco para
o negro. Pode ser que o único iludido aqui seja eu, mas se assim for, então
esta foi a melhor ilusão que eu já tive! Uma servidão involuntária, sempre
lembrando uma sensação de emoção nas horas vazias, tragando palavras que nunca
foram oferecidas como uma consolação para o solitário. Ainda assim, eu não
posso fingir que está tudo bem, pois como um ator roubando a cena, todos os
pensamentos que você luta para esconder uma hora vem à tona. Eu não queria que
minhas cicatrizes aparecessem, pois elas não são externas, e nesses momentos somente
as mães sabem, quando veem nos olhos do filho o favorecimento da morte. Mas
esta é a porção, este é o riso, esta é a luz da inocência, o silêncio do mar
tempestuoso, pegando-nos delicadamente quando caímos e desintegrando-se em
argila. Prazer e dor são as orlas que movem o espírito quando a mente está
fraca, por isso alguns voam enquanto outros caem, e alguns andam enquanto
outros rastejam. Você consegue sentir a úmida respiração da natureza nos
guiando pelo silêncio da amenidade? Quase como um toque da folha raspando ou como
uma gota de chuva que cai depois que as nuvens já partiram... então o nosso
disfarce é descoberto, e a verdadeira imagem que se esconde por trás dessa pele
é revelada, emergindo do casulo, enquanto uma música meio lembrada é tocada suavemente
em nossas mentes.
Imaginei-me
invadindo desesperadamente um mar de apêndices, sentindo a massa de ossos
correndo lentamente pela frente do meu corpo, enquanto minha alma ficava para
trás. Deitado no falso paraíso, eu te encontrei ao meu lado, você parecia respirar
o ar sem esforço, e eu podia ver o futuro através dos seus olhos. Todas as
coisas pareciam possíveis ao seu lado, tudo isso no começo, antes da luz do seu
coração desaparecer suavemente, pois mentindo para o mundo, você decidiu que
precisava se esconder, mas eu sempre achei que você guardava dentro de si
encantos inestimáveis. Você era como uma borboleta radiante, pronta para içar
voo a qualquer momento, mas nosso romance ficou alinhado e rotulado em pequenas
correntes, pois através dos selos e cadeados, você sentiu uma mão no seu
pescoço, palmas e dedos agarrando seus ombros e esmagando-a com intermináveis cobranças.
Você estava presa em um pequeno declínio e precisava se libertar da sombra de
uma lenta decadência provinda da sua própria casa, mas apesar de ser tão
difícil admitir isso, eu falhei em tentar ajudá-la quando quebrei o silêncio
que nos mantinha separados numa eterna saudade. Agora estou há dias sem dormir
ou comer, por que minha mente não pode descansar enquanto a argila se forma
sobre meus pés, virando-se para enfrentar a gargalhada através dele... você
sabe, o maior inimigo do nosso amor está dentro de mim e não fora. Mas quem
poderá impedi-lo de moldar-me a seu bel prazer, sabendo que este corpo lhe
pertencerá aos meus trinta e três anos? Como sulcos titilantes no céu, nós não
podemos fugir da tempestade que nos persegue, mas podemos construir um abrigo
para nos proteger de suas investidas fatais. Os meus últimos anos nesta terra,
eu quero viver ao seu lado, pois como células negras que representam uma terra
estrangeira, quando você pisa nessa terra, as cores começam a colorir as partes
imundas, e os espectros com dedos finos fogem da sua presença. Com você as
reflexões parecem tão nítidas, mas eu não estou tentando questionar sua decisão:
em minha opinião, você fez uma excelente escolha, pois não quero colocar dúvida
na sua mente, eu estou feliz que você finalmente encontrou sua voz interna! Mas
acho justo você saber por que a Alma Assassina nunca nos quis juntos... você
está preparada para a verdade? Então segure em meus dedos esqueléticos e venha,
entre nesta nuvem azul flutuante, pois eu irei te revelar tudo agora. Ora, tudo
começou quando completei meus dezoito anos e tive meu primeiro relacionamento.
Ela era como uma porta escura, pois o som das suas mentiras calmas era oculto
atrás da porta. Assim, após o término, pela primeira vez eu conheci a magia de
perto, mas eu era um completo ignorante, utilizando das forças das trevas para
obter dinheiro e conseguir minha primeira amada de volta. Ali nasceram as duas
maldições: o tempo determinado para que ficássemos juntos foi o tempo que todos
os meus relacionamentos futuros durariam, assim como nenhuma porta de emprego
se abriria para mim, exceto quando meu pai resolveu me contratar, mas tal
trabalho durou somente dois meses como a maldição do amor, mesmo que meu pai tivesse
planos futuros para nós dois na empresa. A escuridão me cobriu como uma noite
sem estrelas, e em minha insanidade eu continuava buscando o senhor do obscuro,
cuspindo em nome sagrado para que fosse reconhecido. Diante disso, o satanismo
acabou tornando-se algo aceitável, até eu conhecer a segunda amada, que era
como um lago de cristal me puxando para um mergulho em suas lágrimas de
empatia. Ela me fez recobrar a consciência e me afastar das trevas, mas assim
como a primeira, ela foi arrancada de mim no momento que retornei para a luz,
porém eu continuei mantendo-as vivas através das cartas anônimas, as quais eu
escrevia incessantemente com o poder mágico provindo da Alma Assassina. Então
veio a terceira amada, o meu maior pesadelo – por mais efêmero que fosse nosso
romance, com ela parecia que eu estava correndo em um jardim bonito com o vento
do verão espancando meu rosto, mas antes que se formasse um sorriso nos meus
lábios, as flores começaram a apodrecer e o ar escorregou frio como um
fantasma. Foi necessário que eu fizesse outro ritual, mas desta vez eu não
estaria invocando seres de dimensões infernais, mas transferindo o que estava
dentro dela para dentro de mim. Até ali, a Alma Assassina era somente alguém de
quem se ouvia falar, pois ainda estava sendo criada pelo fogo da primeira amada
e purificada pela água da segunda amada, para formar-se através do elemento
terra da terceira amada. O enorme preço que paguei foi o da depressão, que
paralisou minha vida durante muitos anos. Eu achava que não tinha mais jeito
para mim, pois até meus relacionamentos à distância acabavam em dois meses. Foi
quando eu conheci a aurora, que é a quarta amada, simbolizada pelo elemento ar:
ela foi, sem sombra de dúvidas, o sopro que deu fôlego à Alma Assassina, a vida
que lhe era predestinada dentro de mim.
Mas ela era um amor não recíproco... e isso me feriu muito, pois eu acreditei
que ela era a tão sonhada amada que se casaria com a Alma Assassina. Meus anos
agora passavam como um sono de vigília, e de repente nem a magia fazia mais
sentido para mim. Contudo, eu sabia que não tinha acabado ainda, pois aquela
promessa tinha sido feita pelo próprio deus! Por fim, eu conheci a gloriosa
quintessência, a mais bela e perfeita fusão dos quatro elementos, a quinta
amada, que me fez ter os dois melhores meses da minha vida. No entanto, por
mais que nossos mapas astrais combinassem, ela já fazia parte de uma grande
bolha de sete anos, na qual preferiu continuar lá dentro ao invés de se
entregar a um novo amor proibido sob a sombra da Alma Assassina. E
mais uma vez eu fiquei sozinho. Todas as esperanças haviam se dissipado, e eu
dizia a mim mesmo que, aquela que durasse mais de dois meses, seria destinada
a se casar comigo. Eu lembro que às vezes você falava sobre querer casar comigo, e eu achava tudo
tão estranho, por que no fundo eu sabia que você seria arrancada de mim também.
Mas o real motivo para que a Alma Assassina não nos quisesse juntos é por que o
amor enfraquece nossa magia, e depois de tanto tempo sofrendo, sendo lançado no
lamaçal das minhas próprias decisões, eu finalmente consegui amar novamente, e
não te darei nenhum título de sexta ou sétima amada, pois estou cansado disso
tudo, eu só queria... ser feliz com quem eu amo antes de partir deste planeta
solitário. Essas palavras devem servir apenas para torcer a faca, mas perdida
no mundo obscuro da minha mente, você enfrenta a crucificação do meu eu
soberbo, sem saber quando suas asas alcançarão os céus.
Correndo
para longe de casa, eu sinto a luz do sol ardendo na minha pele, seu brilho
rejuvenesce meu rosto, enquanto a brisa da manhã me leva para um lugar
distante. Meus pés pisam em poças profundas, e em cada passo criam-se bolhas no
ar com recordações dos meus efêmeros romances. Ainda assim, eu continuo
correndo, meu corpo não pode se cansar agora, pois eu fugi do portão do
desamparo, amaldiçoado pelas estações de agosto. Talvez fosse o vento, mas estas
bolhas continuam me perseguindo, com lembranças de amor, ódio e paixão
ardente... todas elas fazem parte de mim agora, eu não posso arrancá-las do meu
peito? Uma vez longe, mas ainda tão perto, as nuvens sombrias começam a se
reunir, e aqueles maravilhosos raios de sol são cobertos como cisnes dourados
afundando nas águas. Eu devo parar e me preencher com a escuridão, mas minhas
pernas continuam a se movimentar contra minha vontade, meu instinto me obriga a
se libertar do velho mundo. De repente, uma por uma, as bolhas começam se
chocar, e de relance eu consigo ver no espelho delas um sorriso no meu rosto.
Mas os resíduos de água se espalham pelo chão, formando uma gigantesca onda que
tenta me engolir, porém como um surfista confiante, eu desvio de todas elas,
até que a maré se acalme e a tempestade cesse. O sol brilha novamente no céu e
o mar seca na terra, mas sem misericórdia eu me despeço do meu passado. Agora
eu recupero as rédeas da minha vida e percebo que não estou mais correndo, eu
sou o dono do meu próprio destino novamente! Mas quando eu olho para trás,
daquelas águas nascem plantas e árvores florescentes, seus galhos se entrelaçam
entre si e apontam na direção do futuro – eu finalmente percebo que elas nunca
quiseram meu mal, apenas me apressavam para encontrar a felicidade. As lágrimas
congelam no meu rosto, pois o tempo todo meu único inimigo era meu próprio
ego... seria tentador voltar lá e me entregar a toda aquela natureza linda,
deixando que o orvalho pingasse sobre minha testa e derretesse nos meus lábios,
mas fechando os olhos e respirando o cheiro das amadas, eu sigo meu caminho sem
olhar para trás. Por uma vida, por deus ou por você, estou pronto para
reescrever minha história em páginas rasgadas, mas agora a tinta é forte, e a
precisão com a qual eu escrevo é a de um homem focado e destemido. Só mais um
pouco e estarei lá, na vida que eu sempre sonhei, então por que sinto que estou
cometendo mais um erro em não aceitar minha realidade? Da negação vem a
ingratidão, de maneira que eu nunca poderei ser digno sem agradecimento. Portanto,
quando a tua mão cair sobre mim, nem com todas as forças das montanhas e dos
mares eu poderei suportar o peso se não houver gratidão em meu coração.
Grandioso e único, e a todos que tu colocaste na minha vida... aos que me
fizeram sofrer e amadurecer até hoje, aos que me presentearam com momentos
felizes e compartilharam gestos de amor, risadas e traições, a todos eu só
queria dizer muito obrigado! A silhueta do lugar de onde eu pertenço começa a
surgir no céu, e eu percebo que o tempo todo estava bem ali, próximo à mim, mas
meus olhos estavam cegos para ver. Acima da minha cabeça, uma bolha ainda
brilha com os raios do sol, formando em seu reflexo um lindo arco-íris no
horizonte: obrigado a você, gentil violeta, pois você foi a única que chegou
tão perto de quebrar esta maldição – nem todos os rituais ou orações foram
capazes de fazer o que você fez, mas a ordália de deus é um peso que eu devo
carregar sozinho.
As
fogueiras pontuam o alto da colina com grandes sombras dançando, ecoando a
memória do tempo com imagens flutuando lentamente para lugar nenhum, mas como um
relâmpago silencioso cortando o horizonte, um feixe de luz se abre no céu
enevoado e um olho radiante me encara fulminante. Lá em cima muitos
pensamentos vagam inquietos, mas eu sei que todos eles me pertencem, pois o
olho continua me cobrando pelo tempo desperdiçado: nada pode me fazer escapar
do meu juramento, nem todas as minhas conquistas podem afetar a órbita do meu
destino, por que o que sinto nas veias sempre me puxará de volta para o lugar
onde tudo começou, e quanto mais eu tento escapar disso, mais meu corpo é
destruído – a vida que me foi dada já não me pertence mais, pois o grande
merecedor, aquele que me presenteou com todas as respostas, deve completar seu
desígnio neste corpo. Agora o sol amarelo está se pondo na lápide, enquanto o
vento e a poeira atrasam minha respiração, mas por um intrínseco instante, eu
sou a semente plantada no rio, tudo o que eu toco se transforma em pedra, pois
a reflexão do que era sonho, agora é realidade, e todas as meias-verdades se
tornaram verdades absolutas. A ilusão não é mais uma mentira, por que há mais
para ver aqui fora do que todas as imaginações juntas poderiam criar! Assim,
para dividir estas sensações, eu gostaria de fazer um convite especial... nesta
hora, eu sou o deus do meu próprio rito, comerciando sonhos em meio a um barulho
doentio de tambores, enquanto as lágrimas ácidas descem por sua maquiagem,
mostrando todo delírio, seu pecado original. O chão é espancado por cacos, pois
montada você chega para me receber, queimando como uma aparição verde, você é
do jeito que eu quero te amar, e na mesma cor do céu violeta, seus cabelos voam
ao olhar para cima, você sabe... o grande olho ainda está lá, como um fantasma
guiando nossos corações. A delicadeza no seu olhar me faz sorrir com a sua
chegada, eu posso ver os sinais brilhando incandescentes na sua pele, e toda
emanação do tempo desaparece, pois para você o tempo não existe. Ao seu lado,
um segundo é um milênio, uma vontade que me faz querer navegar para sempre no rio dos seus prazeres! Mas isto não é uma celebração, as memórias de muito
tempo atrás e os sentimentos estranhos continuam tirando-me do meu santuário,
vagando com sombras como uma criatura trancada por dentro – este seria o preço
que pagamos por uma admissão noturna? A noite está chamando, mas é nela que
nossos corpos se envolvem como águas transitando, um amor que arrepia todo meu ser,
que me faz sentir-se preenchido antes da primeira luz da manhã. A noite
continua chamando, mas você se torna minha possessão, os problemas do mundo
podem ficar para depois, você é tudo que eu preciso nesta hora proibida, pois
o prazer nunca se tornará dor, o sentimento sempre será o mesmo! Nossa dança é
interminável, nosso amor é eterno, mas quem sabe quanto tempo dura uma
eternidade? O presságio está sempre submerso e intocado dentro de nós, e quando
o vulto da lua se projeta, nós podemos não ser mais aquilo que acreditamos ser,
não sabemos com quem estamos, nem o mundo que vivemos, pois o sentido da vida
se perdeu, o propósito da existência foi esquecido.
Abaixo
do luar pálido estou petrificado como uma rocha ancestral, vendo fases
infinitas do sol nascendo e se pondo, enquanto vivo sob o
vidro como uma doença que nasce no passado para se estilhaçar no futuro. Assim eu posso falar do meu imenso senso, pois
cada fase forma uma dobra no tempo, cada metro distorce a linha sutil dos
sonhos aveludados que não posso definir. Eu olho pela janela, mas não sei
distinguir qual cor estou vendo: o sino está tocando distante na mesma
frequência do meu coração, porém é um som pesado de edifícios caindo, o mesmo
som do impacto de quando meu irmão pulou nos braços da morte. Se ele ainda
estivesse entre nós, então eu arrancaria meu coração para que ele vivesse um
pouco mais, apenas mais cinco minutos da sua música clássica ressonando em meus
ouvidos, sentindo sua dor fúnebre em cada tecla do piano ou sua esperança
vindoura em cada promessa de deus. Agora meu estado de espírito está instável,
pois além do luto inesperado, a aurora ajudou a despedaçar o que restou das
minhas forças... pela primeira vez eu a vi bêbada como um tolo sofrendo pela
desgraça, incriminando-me por um crime que não cometi e importunando minha
essência sagrada. Mesmo quando pousei minha cabeça sobre o travesseiro, minha
mente foi atacada astralmente por pastores negros que tentaram me aprisionar em
um sonho de trevas, porém com o poder do amor eu consegui escapar e retornar
para meu corpo. Do ponto de vista cristão, estas acusações são graves, mas
houve um dia em que o mesmo pastor que apareceu em sonho tentando me destruir,
veio até minha casa, e eu contei-lhe sobre o sonho, sem revelar sua identidade.
Apesar de se mostrar surpreso, ele reagiu de modo estranho, e apenas disse que
já sabia o que o sonho significava, enquanto saia apressado da minha casa! Ele
nunca mais voltou a falar sobre o assunto, mas lembro-me nitidamente de que, durante
o velório do meu irmão, ele ficou observando minhas feições atentamente, sem
dizer nada, como se estivesse esperando que algo tivesse me afetado mais do que
deveria. Eu não posso acusá-lo diretamente sem provas, pois na
escuridão do sonho apenas sua voz era ouvida em um mar de trevas tentando me
consumir. Ora, estes fatos foram relatados aqui para o caso de algo futuramente
acontecer comigo, mas alcançando um ponto sem retorno, o gelo crescente corta
os juncos desses acontecimentos e a tristeza nunca cessa: estes são os fatos
que eu tenho que aceitar, ouvindo palavras de que o amanhecer trará a cura, mas
como minúsculos cristais caindo de nuvens lentas e cheias, eu percebo que
minhas escolhas se tornaram um fardo para mim, tão pesado quanto uma cidade de
corruptos, e nem com todas as forças que possuo poderia reerguer esta cidade!
Pois para desejar todas as noites cheias de antecipação, antes destas palavras
serem escritas, eu ainda estava procurando pela quintessência que evaporou como
um sol definhando. Em todos os lugares ela me ignorou, mas está tudo bem,
quando eu vejo a cor desconhecida invadindo o céu acima, nossos encontros de tela
em tela desvanecem, e tudo se torna apenas uma nuvem passageira. Afinal, de
trás para frente eu continuo espreitando entre as ruas estreitas atrás daquela
que será minha redenção – quando eu encontrá-la, seu primeiro toque será como
areia macia e branca, por que ela será livre como a natureza, trazendo sinais da
promessa por toda sua pele! Transbordando de felicidade, meu passado ficará
para trás como as lembranças de um último suspiro, pois quando meus olhos se
abrirem novamente, ela será meu mundo vindouro.
Numa
existência vaga e vazia, o sofrimento me encontra novamente, sua dor é como a
ferida aberta de um animal esperando ser arrebatado, mas como um enxame de
moscas lambendo seu sangue, as línguas negras penetram em meus ouvidos, deixando-me surdo para as vozes humanas. Eu nunca mais poderei dormir calmamente, pois nada
pode me fazer esquecer os horrores que se escondem atrás das estrelas antigas
que me vigiam. Mas todo dia é uma desculpa, a consequência que desdobra meu
tempo e me paralisa com o desejo da morte. A fealdade eleva minha cabeça ao inferno, escurecendo minha alma como veneno sendo injetado nas minhas veias. Estou
perdendo minha fé e forçando-me por um caminho de reconhecimento, mas por trás
das cortinas há somente um pobre homem escondendo-se da luz do sol,
atravessando a sombra do seu rosto para que o sonho se realize. Os demônios
fantasiados são alimentados pelo som da sua voz, sugando o que restou da sua sanidade
para que a vida não seja desperdiçada. Como um martelo quebrando seus dentes, a
podridão se espalha pelo seu corpo, destruindo todas as facetas criadas pelos
anos de hipocrisia. Isso me assombra, por que não sei quem eu sou, tão pouco quem
eu era – esse impulso repetitivo que não posso fingir sem um decreto. Mas as
pessoas normais não agem desse jeito? Isso poderia servir como um filtro para
meu cérebro, comprando e vendendo a mesma dor dos vícios da sociedade. Contudo,
até os humanos me abandonaram, e meus amigos me veem como um estranho, pois minhas
palavras se tornaram sem valor, minhas ações como uma navalha em meu próprio
pulso, e eu já não posso mais encarar o dia, sufocado em minha máscara enquanto
perco minha fisionomia. Ai de mim! Que coberto pela escuridão achou-se moradia,
e em todos esses anos apenas uma luz brilhou em meus olhos, arrefecendo meu
coração com ar quente, esforçadamente intimado pelos sonhos vazios que
desapontava minhas expectativas. Agora tudo o que eu sentia por dentro está
morto, todos aqueles sentimentos perfeitos apagados como cinzas de cigarro, sem
nenhuma vítima para meu prazer perverso. Minha moral foi ensanguentada como
porcos banhando em lições imorais sujas e implorando pelo mais imundo dos
pecados terrestres, porém, enquanto eu fujo cegamente do que é real, eu
cubro meus olhos para não olhar o arame farpado que me separa de você, pois na
noite escura surgem prazeres, levando-me a escrever cartas anônimas com saudade
e amargura. Pare de procurar uma razão e reflita: você consegue ver a sombra deitada, enquanto
as flores dormem em um mundo completamente solitário? As velhas e poderosas
árvores nos observam de onde os antigos pais encontravam sua paz, e aonde os
pensamentos de tristeza conduziam a vontade de chamar pela chuva, formando
nuvens escuras movidas pelo desejo sinfônico de curar o mundo. Essa serenidade
vinha como passos invisíveis na neve ou como pássaros voando na geada
noturna, uma sensibilidade que eu sentia apenas quando estava com você, vivendo
em uma ilha sem nome, onde mergulhávamos profundamente no anseio dos nossos
corações. Parece ontem quando você estava aqui e tudo era tão perfeito,
a luz do sol brilhava nos prédios como um espelho de cristal, e eu saltitava feito
uma criança despreocupada, sem perceber quando meu glamour sombrio nos conduziu
para a danação eterna.