A Orquestra de Natal
O
vento da mudança sopra novamente, eu ouço a hora da partida no relógio, mas nunca
é tarde para iniciar qualquer coisa que desejamos, por que não existe futuro
através do infinito azul, apenas a grande chama do presente, incansável e
brilhante, ardendo por nossas vontades. Eu gostaria de avançar contra este
fluxo, quebrando o silêncio da existência para obter uma resposta mais clara,
porém do outro lado do arco-íris, eu não temo a realidade do mundo das trevas,
pois o calor está sempre enchendo meu coração, o fogo continua queimando pela febre
de uma vida que me espera. Mudando lentamente o equilíbrio da vida, sob o céu
noturno, estou nu e rastejando sozinho na areia fria, esperando pacientemente.
Eu ouço o som de violinos à distância, as ondas do mar se cruzando, o alvoroço
de um contador de histórias, os sapatos batendo apressadamente no chão,
enquanto as nuvens de um cinza prata e roxeado se emaranham em cima da minha
cabeça. De repente, eu vejo folhas descansando nos meus pés, mas não há nenhuma
árvore à vista. Vejo memórias amargas nos meus olhos, mas eles continuam encarando
o horizonte. Então das areias surge um belíssimo chão de mármore, com grandes
pilares subindo e jardins se formando, jovens sorridentes correndo e
despreocupados sob a luz do sol. Eu olho para cima e a ampulheta do relógio
está girando para trás... haverá algo no meu passado que preciso consertar?
Naquelas torres que se formam, eu costumava escalar para um esconderijo
secreto, onde tínhamos tantos segredos para compartilhar. Naquela sala estou
diante de um papel rabiscado, com um nome divino sobre ele, e dos meus lábios
saem uma gosma preta que o preenche por inteiro. Naquele quarto meus dedos
queimam uma carta enviada para o abismo, derretendo pedras de esmeralda, rubi e
safira, desejando o impronunciável. Naquele quintal meu sangue é derramado,
maldições nascem, com uma grande sombra me cobrindo, mas esta sombra é minha
proteção, meu destino e minha esperança. Naquele templo eu derramo sêmen em
sacrilégio, assim como desonrei meu ancestral que era um homem cego e profanei
o livro sagrado. Naquelas imaginações eu via cabeças de bebês serem cortadas e
dançávamos sobre seus crânios em troca de uma vida luxuosa. Naquela entrada eu
o prendia do lado de fora, enquanto ele gritava para entrar, e do meu próprio punho
os olhos da sua mãe sentiam o ódio do meu coração. Agora como adagas sendo
apunhaladas em minhas costas, um sangue viscoso e negro sai dos meus lábios, os
jovens sorridentes olham com desdém, as paredes se desintegram, o jardim
apodrece, a areia se torna um mar de escuridão. Todos aqueles sons estão desaparecendo,
o céu é um boreal negro e diabólico. Então surge um espelho, e diante dele
minha imagem parece irreconhecível. Eu vou engatinhando, cada vez mais perto,
cada feição voltando a sua forma, e finalmente eu vejo quem sou de verdade. A
mão do outro lado atravessa o vidro, chamando-me de volta para a realidade, mas
aquele lugar não é onde eu deveria estar? O limbo dos meus pecados, dos meus
anseios secretos, do homem podre e vil que se esconde por trás destes olhos. Eu
não mereço estar lá... por que, então, o próprio deus abriu este portal? Ainda
há um propósito para mim nesta terra? Estou recebendo uma segunda chance? Mas
como poderei encarar todos os corações que magoei? Todos os amigos que trai?
Todas as escolhas depressivas que me fizeram ter uma vida insatisfeita? Ó,
minha outra metade, deixe-me onde estou! Viva feliz, como um pedaço de carne
sem alma, pois é melhor que a ignorância te preencha do que enxergar toda
maldade deste mundo. Você é minha luz, então ilumine o mundo. Quebre o
espelho, fragmente-o, para que nunca mais me encontre, pois eu sou a tua alma
assassina, o deus oculto que roubou sua atenção do criador.
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