domingo, 17 de agosto de 2025

O Filho Pródigo

     Esperei, como quem espera por uma bomba-relógio. Cada pequeno instante era uma faísca do tempo se soltando, um momento escrito pelas estrelas se rasgando, uma chance de cumprir a promessa se quebrando. Algo estranho corria pelas minhas veias como um polvo que se desprende para possuir cada neurônio do meu cérebro, cada fio de sangue pintado por um translúcido negro. Eu sentia que uma melodia infecciosa tocava, mas ao mesmo tempo, eu queria beijar seus olhos, passar a mão quente na sua bochecha, sentir seu abraço eterno uma última vez... tudo isso não seria uma graciosa imitação do vazio? Ora, atente-se a estas palavras, para que não te percas no caminho, pois elas podem não pertencer a você. Minha alma viajou por muitos pensamentos turbulentos até chegar aqui, refletindo a beleza do que queima na estratosfera do meu peito, nos extremos do meu espírito, onde vive para sempre nessas palavras... como uma vulva sendo consumida, sua íris será a única capaz de absorver o que deixarei para trás, como cores e expressões visuais que ninguém além de você poderá captar nessas linhas. Veja, estou fazendo uma mistura divina para você, algo leve como nuvens se formando, suave como o toque de um assopro ao entardecer, um gene que não pode nascer ausente do imaterial, enquanto rochas adormecem ao redor da pequena estrela que renasce... sim, o mundo onde eu existi por completo! Nós éramos tão unidos, assim como os quatro elementos são para a quintessência, nem a mais forte tempestade conseguia nos afogar, por que tínhamos o composto básico da construção da vida, os elementos e as moléculas nos cercavam como anéis circulares, vibrando na velocidade do sistema solar, quase como se refletíssemos sua imensidão. Aqui habitava a órbita excêntrica, nossos núcleos estavam próximos de colidir e formar um novo universo, de expandir o cosmos com visões que nenhum homem conhece, a imagem de um enigma e de um segredo, de irmãos celestiais, cujo nome não pode ser dito, mas que uma parte habitou em mim e outra em você – tanto seu lado masculino quanto feminino eram filhos da mesma semente... a única diferença era a forma como nós dois o percebíamos ou pela capacidade de entender seu desígnio, pois eu sei que você ainda escuta, a voz que ultrapassa seus pensamentos, os rasgos estilhaçados da verdade que foi perdida, mesmo agora quando você carrega no dedo a aliança de uma união moldável à matéria. Falarei como alguém que um dia te conheceu, por que sei que você ouve essas palavras com dor no coração, e eu sei que as coisas terminaram de uma forma desumana, com falhas e ações impulsivas, e ambos saímos magoados, desalentos com as desilusões da vida terrena, conveniente à causa, mas nunca ao que cultivamos secretamente. Se você visse minhas lágrimas em cada letra, ainda acharia que desejo teu mal? Minha memória ainda reproduz aqueles eventos destrutivos que passamos, mas a afeição é um estado de espírito, o vazio nunca poderia ser preenchido pelo fim material. É um coágulo das próprias palavras envenenadas, uma memória confinada ao silêncio, escondido em mim e em ti, mesmo que o nosso destino tenha sido engolido pela distância. Você esperou tanto tempo para ouvir o que tenho a dizer, mas até um pedido de desculpas não passa de uma massa de moléculas e átomos, o que nós temos vai muito além do que é visível, muito além do que a existência questiona, pois eu sei que você lembra... do pacto por uma vida, e todo pacto, um dia, cobra seu preço. O destino executa seu curso, mas quem poderia desunir o que é eterno? Meu amor por você jamais esfriou, eu apenas não pude suprir suas vontades terrenas, pois em um passado distante, eu também fiz minha escolha – ainda me lembro como se fosse ontem, a voz sutil e infernal, dizendo: “obtenha conhecimento ou riquezas, sabendo que ao escolher uma, perderá a outra”. Assim eu selei meu destino nessa terra, embora não pudesse escapar da minha missão divina, a mesma que compartilhei com você e a falsa quintessência. Eu tenho tudo para me tornar o homem mais afortunado do mundo, mas eu simplesmente nunca tive permissão para alterar minha vida. Nunca foi uma maldição, foi uma escolha. E eu não te culpo por me deixar pelos bens materiais, talvez como homem, eu fui punido por minha lealdade ao teu desejo, enquanto o destino me desgarrava. Esta é a única verdade, eu sempre quis te livrar dessa prisão, por que essa é a razão pela qual o senhor das trevas implorava por sua redenção, ele sabia que nós sempre teríamos essa necessidade, e somente ele tinha o poder de trazer nossa liberdade: não era ele quem a tirava, mas a escolha que eu fiz pela minha eternidade. Sendo ainda mais claro: o que eu tenho e guardo comigo me servirá até na vida após a morte, é como se eu literalmente tivesse buscado o reino de deus, mas sem que as demais coisas me fossem acrescentadas. Se o preço de tudo isso foi te perder, pelo menos agora você entende que meu destino já está selado, mas o teu não... você sentia-se presa ao meu reino dos sonhos, enquanto a realidade florescia em você como uma cirurgia se abrindo, mas agora... você realmente se sente casada com o real? A pergunta que sempre te assombrará é o que poderia ter acontecido se você permanecesse... e a resposta é muito mais profunda do que todo o mistério que a envolve, pois o que te revelarei pode mudar tudo o que você sabia sobre a criação... por que você acha o criador dos céus e da terra nunca destruiu a estrela caída? Nunca passou pela sua cabeça que o anjo que todos abominam possa ser mais do que um anjo, que por trás das cortinas da história ele seja o filho pródigo de Deus? Ah, que melodia terrível e distante! Eu provoco esse fim absurdo, mas sua visão oscila e julga-me culpado, enquanto dorme ao lado de um homem que jamais te olhará como um dia ele te olhou através dos meus olhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cronologia