O Berço da Efígie
Desnudo
como manhãs ensolaradas de domingo, eu acordo tranquilo na sensação de caminhar
sobre vidro, sentindo essa escura e úmida dor amarga esvair-se como um útero de infindáveis formas belíssimas renascendo em meu invólucro. Neste lugar seguro meu coração menstrua suas últimas gotas de esperança, cultivando
um sonho irreal como se estivesse bem próximo de engolir outra dose para
valorizar as certezas do agora e envolver-me com o sentimento remanescente que
beija por dentro como ecos de uma risada na infância. Enquanto oscilo no escuro, a solução parece passar despercebida entre meus dedos, mas a indecisão embaça minha mente como pedaços de um quebra-cabeça se despedaçando. Eu coloco meus dedos em
meus ouvidos para bloquear o som, meus olhos bem fechados para evitar a visão, mas
não posso deixar de ver ou ouvir a fumaça que se dissipa para revelar o brilho
despercebido da vida sussurrando que o tempo todo a piada era sobre mim. Como a
carne morna que o espinho fura, eu sei o que tem no meu interior – aquele
grande e negro buraco confortável – onde uma estrela surge e eu me estico para
apanhar seu brilho, mas a escuridão torna a aurora nublada como uma
tinta se espalhando por essa folha em branco, onde a borracha dos que me amam
não conseguem limpar suas manchas. É por isso que eu me agarro a você,
emergindo meus pensamentos nessas linhas para refletirem através dos seus olhos
convergidos na onisciência, onde os mistérios do mundo residem tão encantadores
quanto uma fábula. Através da cavidade dos túmulos eu posso ouvir bocas
cadavéricas rezando por você, mas elas não fazem nenhum som, ninguém pode
entender o seu poder ou de qual lado você está, pois o rio corrente queima nossos corpos e violentamente
nos afoga em sua ira... estamos entalhados como pedra, sujos de concreto
molhado e jurando que você nunca será pego na sua maior fraqueza. Quando a
madrugada rompe, eu posso ver como você realmente toma o seu prazer especial, mas
não tem sido a mesma coisa desde que você se foi sem deixar nenhum sinal. Seria
errado eu te perguntar por quê? O ciclo continua se repetindo como um
espetáculo de pantomineiros, vendo tudo girando enquanto meus pés dançam no
espelho do seu reflexo: essa impiedosa sensação de saber que estarei morto a
qualquer momento, tragado pela leve feição esquecida da doce e oportuna vida
passageira. Assim, com aquele olhar tolo nos olhos, eu volto para meu próprio
vômito como um cão faminto, onde antes a vida era uma aventura arrojada e
ousada, com uma série de milagres reconfortantes à procura do sonho que sempre
me mantinha vivo. Como uma cobra entre duas pedras, eu
espero que este último copo de sofrimento tenha o sabor do amor, e a
felicidade, esse sentimento triunfante, seja um meio justificável para o meu
fim. Por que você também pode destruir a minha doença contagiante, mas enquanto eu estiver olhando para as luzes insalubres,
minhas mãos removerão as coisas ruins de um futuro sombrio onde seus fantasmas permanecem oriundos em volta da minha inexistência.
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