sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Xeque-mate

   Como línguas flamejantes secando as lágrimas traídas pela luz da manhã, eu olho fixamente o céu de um ano que se passou lentamente enquanto meu corpo inerte agarrava-se a ilusões e mentiras. Esperando pela serenata e vagando por um jardim de fantasmas silenciosos, de mãos dadas com a canção do tempo, a pintura do mundo se torna apenas uma mancha escura e borrada, alimentando os escravos com suas doutrinas demoníacas e tradições que nada mais são do que o espelho de suas imaginações devassas.  Eu sinto algo transbordando em meus olhos como uma neve que nunca desvanece, momentaneamente tentado a mudar ou alterar os fluxos dimensionais dessa realidade, eu caminho por entre pessoas depravadas como vultos de rostos rindo na minha cara. Elas empalidecem de alguma forma e gritam hipnotizadas como marionetes quebradas cultivando uma razão enfadonha interiormente, mas a doença se espalha muito antes que possam enxergar aquilo em que se tornaram, pois o veneno é passado de uma geração para a próxima. Rastejando em minha cama para fugir dessas teias desarmoniosas, eu percebo que sou apenas um frágil peão prosseguindo em um jogo celeste, vendo pessoas dormindo dentro de um sonho de pintor enquanto nos mantém na linha como guerreiros preparados para morrer numa batalha mortal. Mas, contra quem estamos lutando? O que é a escolha para o escolhido? Nossas almas se dividem e lutam através de pensamentos que transcendem o tempo, porém o roteiro já foi escrito, então pacientemente nós esperamos por um amanhã que está mais distante do que os anos que nossos corpos sobrevivem. Assim, sabendo que o futuro é a morte, o que significam nossas orações? Do outro lado do tabuleiro, o jogo do diabo se arrasta na escuridão, onde demônios brincam vestidos de bispos e cavaleiros esmagam a humanidade com peste, guerra, fome e morte. O horror se torna a dor de um só fôlego suspirando por salvação, mas o ar está cheio de pretensão, a esperança se desfaz como um retrato velho desvanecendo ou como uma noite sem sono em uma casa vazia esperando por alguém para reescrever o sentido da vida. De repente, o tempo para com a imagem de uma árvore nua apaixonada pelo inverno, seus galhos secos abraçam o vento e impedem que seu coração se congele no vazio, pois se não houvesse toda sua individualidade, então isso não dava significado para sua existência. A árvore mostra que tristeza e alegria são duas palavras, mas apenas um nome, por que a polaridade de suas estações é o que realmente importa. Sendo assim, a verdade está muito além daquilo que somos condicionados a crer? Eu penso que o mundo poderia acabar hoje e todas as coisas que eu poderia obter dele com minhas ambições e desejos do meu coração em busca de um sentido real para minha existência, ainda não seria o bastante. Parece que as coisas que eu posso ter apenas para silenciar meus pensamentos e consumir a dor não me fazem ganhar nada além de poeira nos olhos. A verdade é que sou eu quem diz onde estão meus limites e onde é que eu devo parar, sentindo toda essa perfuração ameaçadora fechando meus olhos para a escuridão do mundo, imaginando que tudo se foi e que tudo a minha volta é apenas um sonho dividindo meus pensamentos enquanto escorrego para a loucura. Eu não consigo vencer esse jogo, nem parar estas palavras dolorosas, pois o chão está se abrindo sob meus pés e estou caindo no abismo da descrença. Eu sinto as palavras de deus rasgando minha mente, porém não consigo ouvi-las, tremendo de frio sem nada para segurar, eu carrego um aperto que desconheço, sabendo que algo está muito errado... estou nu entre esplendores vidros vazios, refletindo um pacto silencioso tão conveniente e fora de vista, onde a única coisa da qual estou certo é de minha vontade em alcançar a evolução como uma criança enternecendo num sorriso eterno.

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