Numa tarde cinzenta as palavras não faladas caem como chuvas macias
encharcando uma cama de mentiras para todos verem, a transparência se espalha e
nada mais é ocultado, pois em silêncio uma loucura frívola releva o veneno de
suas mandíbulas. O vento traz constantes calafrios e a lua irradia sua imagem
mais bonita da luz, numa beleza estonteante e poética, de alguma forma me
conforta quando o dia se vai, lembrando-me sem nenhum motivo de belas flores
mortas ao sol enquanto meu corpo voa para cima sem entender por que os outros
não podem ver. Esvaziado de qualquer sentimento, a verdade vem como uma canção
de ninar aos meus ouvidos, despejando brilhos e recordações que florescem de
todo meu ser como lentos movimentos de luz seguindo o curso do entardecer, um caminho
sem volta e contagioso, emanando a energia daqueles hipnotizados pela chaga
escondida através de uma morte indolor. Coisas que eu pensei terem sido postas
para trás, se conectam profundamente com as minhas emoções, uma ligação tão
profunda que enlaça meus pensamentos numa realidade descarada, cada momento,
cada sussurro, cada traço escondido pelo vento gélido da minha pele, cada
silhueta que meu olhar deixou passar despercebido e cada lugar que meus dedos
tocaram... eu fecho os olhos, assim o mundo não pode me ver, mas minha mente me
trai e confessa minha cegueira, esperando pela minha cadeia diária – aquela que
me espera pacientemente todos os dias – correndo tão longe para chegar ao mesmo
lugar, sentindo todo o desperdício corroendo minhas entranhas, enchendo meus
pulmões com todas as lágrimas que eu não chorei, com todas as ruínas da minha
alma quando os retratos do meu passado me engaiolaram em uma pintura de culpa,
vendo faces quebradas no chão, aquelas máscaras que não servem mais. Agora eu
me vejo em um mundo de raiva e espada, além do sono e do que é real, eu encaro
a verdade mentida lá fora através do que as árvores escondem em suas sombras,
ouvindo uma voz que não sabe para onde quer ser guiada, um som que flutua sob
suaves brisas geladas e flui em serenas nuvens chorosas enquanto o sol ainda
está dormindo, mas quando o dia clareia, eu me escondo dos espelhos para não
ver a nítida luz que me seda completamente acordado para encurtar o dia. Como
páginas a queimar, eu atento minha sorte para baixo dos joelhos, uma prece de
costas contra a parede quando o caçador se torna a presa, lembrando-me de quem
eu realmente sou num naufrágio dentro da piscina de éter onde todo meu ser é
lavado, rasgando o mundo... palavra por palavra, como fumaça que enche o quarto
e logo traz uma melancolia pesada. Esta brevidade de respiração entre
nascimento e sepultura é como uma mancha cromática escalando as veias do meu
coração, atravessando meu medo mudo e desconhecido com esperanças agonizantes
de um dia melhor, essa guerra silenciosa que me fixa no círculo vicioso do
ódio: olhos mortos que já não veem o futuro, um alvo inútil para feder no
desespero manchando a estrada que anda até seu abrigo no inferno... e me faz
perguntar... onde está você, ó minha alma? Onde está você, ó minha amada? Ambas vendidas e despedaçadas, sufocando-me numa agonia espiritual que
eu poderia escolher não ver, mas se curvando e adorando o altar da vergonha, a
fraqueza humana encarnou em meu corpo, alimentando o medo da própria vida sem
entender as psico-portas trancadas que sucumbem minha mente, a besta que
respira fogo e liberdade e explode-me com pensamentos negros, me devorando num
vórtice em espiral, então eu percebo que o meu pior inimigo vive no meu
interior, lambendo minha carne e rindo de mim, dizendo: “você é fraco e não
pode me matar, pois estou vivendo dentro de você. Eu venho a você todas as
noites e sou seu subconsciente obscuro, aquele que o mantém acordado”. Ele tece
uma rede de mentiras e numa concha vazia apodrece a fachada da minha vida,
fazendo correr pelos meus dedos essa energia escura que bebe meu sangue até
tornar-se negro, e no final do arco-íris da minha essência encontrar o amargo
mundo da perdição e da loucura. A véspera da alma assassina me possuir está
chegando, e montados em cima de chamas, nós entraremos no inferno onde reside o
mal apaixonado, amar se tornará ódio e calor se tornará gelo, não haverá mais
nada entre o meu pecado mortal e você, ó bela face da morte, abrace-me e
beije-me, e eu me esticarei para alcançá-la, pois quando o amor morre, tão
sozinho... na multidão, ele ecoa num esquecimento eterno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário