quarta-feira, 29 de novembro de 2017
A Passagem
Negro
sobre branco, mais uma vez estou abandonando este florescimento mortal.
Atravessando todos os meus dublês, eu vejo cabeças sob perucas silenciosas, mas
nenhuma dessas máscaras me serve mais. Eu poderia deixá-los pendurados e sair
como um homem indeciso, mas ninguém me reconheceria pelas luzes de néon desta
cidade, caminhando pela avenida do pecado como nos tempos frios à procura de um
amor promiscuo. O adorno da minha sombra
parece apontar em uma direção, mas a paixão dos amantes me leva para o caminho oposto, pois seus jogos atraem um tipo maligno de sorte, discretamente
escondendo segredos domiciliares, com sons ameaçadores e olhos doloridos de
obscenidades, cujas pernas fraquejam sob o esforço de sua própria vontade.
Estas são as pálidas paisagens do meu franzir de sobrancelhas, um mundo onde
amplamente ressurge num piscar de olhos, levando-me para longe do que é
ilusório para enxergar o inconstante e obscuro mundo por trás das cortinas.
Como as paredes de um asilo, o vazio e o fracasso preenchem as figuras
arranhadas no teto, cortando através de uma rançosa chama que se acende na
escuridão, pois a agonia dos homens presentes são a mesma: suas transluzentes
roupas de veludo negro esvoaçam com a presença do senhor da noite, meio acordado, meio dormindo, as paredes ao redor
parecem alterar os ângulos, um truque de luz de tom castanho-escuro como a
madeira de que a porta é feita. Então veio uma batida na porta, percorrendo
todas as piscinas que o luar fazia no caminho turvo das janelas, mas logo a
trava tornou-se a ponta do seu dedo em forma – considerando também que, antes,
nós apenas sentíamos a temperatura subindo. Os passos no concreto davam a
impressão de que seus pés enchiam os sapatos, mas tudo que podíamos fazer é
imaginar as características faciais da sua figura invisível. O ar quente ficou
resfriado, com folhas azuis e ondulantes que mais pareciam gelo derretido,
arrepiando nossas peles e provocando calafrios na espinha. Por este momento, na
verdade, ainda não tínhamos visto nada, embora desesperadamente desejássemos
saber o que havia do outro lado. Aqueles dedos ásperos de necromancia nos
convidava para um mergulho suicida. Bastava apenas um passo para que a vida não
fosse nada senão uma repetição, no entanto, ele nos deu alguns impulsos como
quando vemos uma vadia desprezível com tesão, era amargo, porém, e não muito
fácil de ser engolido, mas nós não estávamos ali para lengalenga, então bebemos
seu sangue em troca de entrar naquela passagem. Mas ele também insistiu em
nos amarrar, e seu toque era infernalmente frio, mesmo sem conseguir ver seu lado
oculto, pois ele desaparecia rapidamente nas trevas. Depois que a bebida fez
efeito, eu já não sabia como fui parar lá, apenas me sentia muito presunçoso,
enquanto algo temeroso me puxava para aquele abismo escancarado. Eu estava
entediado de esperar, alguns até choravam do meu lado, talvez estivessem
alucinados, não sei como, mas realmente isso não importa. Diante de nós estava
uma verdade terrível, esparramada como um mar negro cobrindo nossos corpos e
nos levando para o lugar onde estavam aqueles conhecidos por “iluminados” ou
“de olhos bem abertos”, mas no fim das contas não seria apenas mais uma divina
comédia? Aqueles ecos sinistros nos agarravam, risadas imorais e blasfêmias, como
se muitos demônios estivessem abominando um local sagrado. De todo modo, quando
olhei para baixo algo branco e nebuloso estava saindo de dentro de mim, era
transparente como um céu virgem, sendo sugado pela energia da porta... bem,
aquilo acabou sendo necessário, afinal não é assim que todos vendem suas almas?
Para conhecer todos aqueles mistérios e fazer parte dos que enxergam o que não
é mostrado para a grande maioria, um alto preço deve ser pago, pois o assassino
de nossas sanidades somos nós mesmos. Como hedges silenciosos, aquela sensação
pura queimava as partículas do meu cérebro, enquanto minhas células se embriagavam
com algum tipo de sucesso evaporado... eles estavam ali o tempo todo, uma idéia
simples demais para ser acreditada, por que como um flash múltiplo que dispara
em um perfeito sincronismo, o excitante desenvolvimento dos meus neurônios
abriu-se para uma matriz de ângulos geometricamente flexíveis, um salto mais
alto do que efeitos especiais e com três vezes mais cores do que as próprias
contorções da arte, toda natureza parecia interligada por fios invisíveis, todos
os seres vivos... exceto nós, como se estivéssemos nos desvinculado da perfeita
harmonia e fossemos meras imaginações irreais. Agora eu sentia meus olhos
pesados: nós éramos estranhos em nossa própria terra? Hoje as minhas
preocupações desapareceram, mas no estado de um sonho suspenso, eu parei para
pensar se realmente estou acordado ou dormindo em um sono eterno.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
O Profundo Abismo do Eu Sou
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