No céu indefinido, uma tinta púrpura penetra as nuvens e transborda nas chuvas do tempo. Eu conto de cinco em cinco, esperando a oportunidade perfeita para ressoar ao mundo, o renascimento do que estava condenado às chamas, asas cinzas como pedra, o corpo esbelto e colossal, como nas páginas de um homem morto. Como uma lua cheia mergulhando nas árvores, você surgiu quando a falsa promessa retirava seu manto cinza, mostrando a todos sua própria desfragmentação. Em sua beleza aquecida, suas pupilas ardiam de um negro brilhante, mas a estranheza estava em seus olhos: pareciam levemente de uma natureza distinta em forma, embora nada além da sua expressão fosse tão belo quanto um horizonte em vasta latitude, pequenas ranhuras em seu rosto, para formar uma lembrança que nunca é esquecida, aqueles sinais que você insistia em chamar de sardas. O toque das nossas mãos inspirou-me com intensa vontade, mas sem que me impregnasse de intenções – era uma passagem pela intensidade dos pensamentos, das ações, das palavras e, claramente, pelos sinais imediatos da existência... o céu, através da miraculosa expansão do nosso abraço, uma mistura de deleite e temor, um contraste do que palavras ocultas costumam pronunciar. Quão singular foi a maneira que você conquistou minha atenção e como seu cheiro trouxe-me de volta à vida, uma vívida esperança da sensação de pertencimento. Você pediu para eu descrever esse dia... mas este dia resume-se a este momento, quando uma suave música tocava e o céu tornava-se um arco-íris de nuvens cinzentas. Àquela altura, sua presença tornou-se muito mais do que uma mera companhia, era algo imerso em palpitações, o desejo de desesperadamente duelar contra seus próprios instintos, pois não havia palavras imponentes para expressar seu olhar, o qual falava por contornos convulsivos enquanto tudo era pronunciado de maneira silenciosa. Era o sinal mais gentil da emoção, uma melodia mortal nunca antes conhecida, sendo aquela canção – o som do nosso encontro – o ecoar das próprias estruturas do amor. Mas esse amor, que acenava para nós, era a luz verdadeira, pois não havia nenhum traço de impureza ou desejo selvagem, apenas um solene suspiro da fraqueza humana, a sensação de um murmúrio passando por nossos ouvidos, como quando cuidei da ferida na sua perna ou seus dedos passaram levemente pelos meus cabelos, sem a exaustão emocional que sofremos depois de uma semana inesquecível, até sermos aniquilados e pulverizados de pesar. Eu me recordo perfeitamente de cada pequeno detalhe na sua voz, das suas risadas espontâneas, das maravilhosas cortinas que você tentava por acima das nossas discussões, mas, um detalhe que eu nunca esqueço, foi a maneira tímida como você me olhava se transformar num olhar de confiança e, mais tarde, em depressão e desespero. Eu perfurei todas as suas defesas tentando alcançar seu coração... mas você não podia fugir do que nutriu por seis outras vidas, mesmo quando sentamos de frente um para o outro e pulamos do prédio de mãos dadas – seus cabelos estavam brancos como neve e varridos pelo vento do mundo invisível, pois eu vi o que ninguém jamais viu, a versão mais intima e bela da sua essência, desde que as terríveis noites te guiaram despida e seus gemidos foram ouvidos pelos anjos, cujo assombro era vigorosamente prazeroso. Ainda estremeço, deixando cair os fúnebres tecidos ao ouvir o chamado de um som impreciso, a profunda quietude da sua luz se apagando.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
Aurora Negra
Em corredores azuis, abaixo das águas negras, nós caminhamos na luz do amor. Era uma mistura de dias frios e quentes, sempre preocupados com o tempo do alarme, por que não podíamos estender nosso tempo para sempre. Ao sentir o leve toque da sua pele macia ou encarar seus olhos que carregavam a beleza dos anjos, eu pude assistir estrelas e constelações no céu sem me preocupar com o amanhã, vivendo cada momento como a silhueta de uma memória do universo. A maneira como nossos encontros fluíam não era algo que pode ser planejado, não é algo corrosível como ouro falso, nem um instante que se alcança com viagens no tempo. Nós estávamos abaixo da guarda santa dos céus, onde anjos vigiam incessantemente, como uma bolha que se forma e nos separa do tempo do mundo, da maldade do que é inferior. Era eu e você, sem máscaras e olhares soberbos, apenas o frio na barriga e o nervosismo de quando duas estrelas cadentes se chocam nas orlas do destino. Eu preciso confessar, eu te contei uma mentira: quando eu disse que estávamos selando um pacto de silêncio, na verdade... eu nunca quis tanto que um beijo durasse eternamente. A chuva se derramava sobre nossos cabelos e eu conseguia ver a expressão real do seu rosto despido, aquele sorriso que você dá quando não sabe o que dizer... era somente um sonho? Talvez os melhores sonhos da vida não sejam de quando estamos dormindo, mas quando a realidade é áspera como um dedo raspando na areia ou limpo como o sal que se forma na lágrima. Esse é o grande valor da existência – de que nenhum segundo pode se repetir – quando o mundo inteiro está contra nós. Eu sei o quão difícil é para você... eu tentava gritar, mesmo quando minha cabeça estava debaixo do seu encanto ou quando dançávamos à luz do luar, por que ninguém podia saber ou sentir, ninguém estava sangrando nossa dor... era tão óbvio, tão puro o sentimento que você via em meu sorriso, em meus olhos, em meus lapsos de memória. Agora, tudo desvaneceu-se com a verdade, mas não são as verdades duras que nós temos que suportar bem? Qual o verdadeiro peso de um amigo, eu te pergunto, quando você é a morte e o paraíso? Nós sabíamos que era proibido, ainda assim, estávamos à beira de realizar a vontade dos céus! Imagine por um segundo que, encharcados de desejo, tivéssemos atravessado aquela porta... nem as estrelas do céu poderiam nos assistir, não haveria acusador nem sentença, apenas um vestígio de amor verdadeiro, de erros que são como marcas limpas ou pesadelos que não significam nada... uma verdade triste, porém sincera, como a brancura da sua pele e o cheiro inebriante dos seus cabelos, pois a única parte negra em você são seus pensamentos. Dopada por uma sensação estranha, eu te lancei, literalmente, no meio de um espiral de loucura, a ponto da sua energia e seus dedos me ajudarem a finalizá-lo. Você praticou magia sem saber, mas desde quando um espiral tem começo ou fim? Quantas noites ficamos acordados, enquanto dormíamos? Quantas vezes você esperou por um momento que nunca terminava? Ao contrário do que você pensa, o amor é paciente como todas as cartas que nós trocamos. E mesmo quando eu não estiver mais aqui, eu só te peço para se agarrar ao que bateu à sua porta, como as palavras que o destino escreve ou o começo de uma história que só pode ser lida pelas estrelas.
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