Abrindo os olhos para sonhar, as figuras colidem mais rápido do que eu posso formá-las. Como a pintura de um horizonte queimado, eu vejo meus pensamentos brilhando como sulcos no céu, mantendo-os à distância, para me concentrar em um único ponto adiante: o lugar onde eu irei reencontrá-lo. Se você me esperar, eu atravessarei o universo para estar ao seu lado, embora você pareça tão distante quanto joias douradas que eu nunca tive. Cada segundo a mais com você valeria mais do que todas as conquistas da terra, pois através de você existia uma alma sem mentiras, uma febre da noite que nos acalmava somente com a sua presença, e mesmo quando você estava longe, seu nome não era esquecido. Onde quer que você esteja agora, saiba que eu nunca irei te culpar e que entendo parcialmente a dor que o levou a tomar essa decisão, porém nunca me peça para aceitar que um homem tão sábio quanto você escolheu deixar tudo para trás, deixar suas músicas para trás, deixar sua família para trás, deixar o princípio da sua existência eterna para trás. Deveria existir um meio-termo entre a dor e a sentença, entre a escolha e o ato, mas para cada pessoa a luz termina em seu próprio tempo e nós somos os únicos responsáveis pela decisão final. Agora os ecos são infinitos, estendendo-se por outra eternidade como uma paisagem sem pintor. No paraíso azul, veja-se nos lugares onde você esteve, há algum lugar que sinta falta aqui embaixo? Alguma conversa que o deixou contagiante? Um sorriso que nunca fugiu da sua memória? Um filme que o emocionou? É incrível como nossas vidas são gastas com passatempos inúteis, compras superficiais e propósitos sem sentido, quando o que realmente importa está ao nosso lado como um pássaro pálido de olhos vibrantes, tentando nos mostrar que a verdade essencial não está naquilo que possuímos, mas no que somos para os que nos rodeiam. Durante todos esses anos eu nunca escrevi uma palavra sequer para você, nem mesmo na ponta do papel, e agora minhas palavras se desvanecem quando você não está mais aqui, embora eu já soubesse que você não estava há muito tempo. Havia dias que você andava pelos corredores da casa como um fantasma, como um homem sem identidade, e tudo que eu queria fazer era te abraçar e dizer o quanto nós te amávamos, mas, ao invés disso, eu te observava em silêncio. Que tipo de irmão eu era, você se pergunta? Mas você já estava muito além dos alcances da sombra, e na raspagem do céu, os anjos já cobravam pelo seu tempo. Quem seria capaz de impedir a força do destino ou suportar o peso das suas próprias escolhas? Se tudo fosse diferente, se as palavras certas fossem ditas ou se alguém estivesse com você naquele momento específico, teria impedido seu trágico fim? A verdade é que ninguém além de si mesmo poderia ter rasgado as imagens cavernosas da sua mente, nem terapeutas, nem religiosos, e muito menos sua família. Então por que nos sentimos tão culpados agora? Talvez porque não temos certeza se você está sozinho ou acompanhado, se está sentido prazer ou sofrendo. Nós nunca saberemos a resposta até que nos juntemos à você, mas nem por isso vamos esquecer todas as coisas que você ainda poderia ter dito ou vivido ao nosso lado. Mesmo que víssemos a morte como um novo começo para você, não seriam essas as imaginações da nossa capacidade humana? Ainda assim, é um mistério entender seus pensamentos, suas manias e suas vontades, como quando você me olhava movendo as mandíbulas como uma caveira sorridente ou surgia de repente na minha janela para me convidar para um passeio no meio da noite. Nossas conversas fluíam como ondas cósmicas do universo, revelando segredos que até hoje guardo comigo e que daria de tudo para ouvir um pouco mais. Um minuto a mais é tudo que peço, meu grande irmão. Eu sonho com desejos perdidos ao seu lado, vendo a chuva em cascata sobre a sujeira da vida para tentar ouvir, ao menos, um sussurro seu em resposta. Nós nunca temos certeza de nada até descermos fundo o suficiente, e talvez essa foi a única certeza que você encontrou ao cessar sua vida.