Quando
as nuvens do céu param de vagar é possível ver um apetite se alimentando das
estrelas, ligando ligeiramente a luz do mundo, para me iluminar diante do cosmos.
Seus olhos me encaram calmamente, rasgando vertentes da galáxia como um rastro
de relâmpago vagando pelo universo. Desbotando a luz das estrelas, eu sou
desvanecido pela sua presença, enquanto seu amor me preenche por inteiro. Eu
aperto os dentes mais forte do que minhas mandíbulas aguentam, sentindo o sabor
do sangue escorrendo, deslizando quente por minha pele com uma cor desconhecida
– é um sabor doce, um cheiro agradável, um rio branco que serpenteia pelo meu
corpo. Estou sentindo, quente e brilhante, os pensamentos chegando, pois a voz
do divino é ouvida pelo espírito. Uma grande energia me arrebata, fazendo meus
braços e pernas dançarem involuntariamente, os dedos do oculto me movem sob a
presença do sobrenatural. Deus está aqui, e nem com todas as palavras do mundo
eu poderia descrevê-lo, pois a única centelha de entendimento é a do
autoconhecimento. O silêncio permanece como uma sombra fiel, seus olhos vagando
como um suporte de aquecimento, flutuando pelo rio sombreado da minha carne, embora
seu alvo seja outro coração. Sem nenhum gesto, eu caio em sono profundo e meu
espírito é puxado por mãos invisíveis. Já não mais eu, mas o espírito que
habita em mim, e este espírito é deus. Estou sendo levado até um lugar
distante, ainda sobre a terra, para assistir a trajetória de uma garota fora do
espaço e do tempo. Como um pedaço de metal pontiagudo furando sua inocência,
ela conhece o amor, mas este logo é esmagado pelo elo paterno. Procurando pelo
amor fora de casa, tudo que ela encontra são traições e prisões familiares, pois
a humilhação que a cerca é sua única armadura. Beijos sem sabor, olhares sem
vida, toques frios como a morte, quem poderia imaginar que atrás da sua pele
escura existia um ser indiferente nascendo, e sua risada diabólica era ouvida à
distância. Para se distrair das vozes na sua cabeça, foram necessários muitos
alucinógenos, mas nem a morte era capaz de assassinar aquele ser obscurial!
Sucumbindo como uma maçã podre, ela permitia que o amor a mordesse,
envenenando-o com sua própria personalidade suja, pois atrás das cortinas ela
descontava seu ódio em homens incautos, e entre estes homens estava eu. A cada vítima
seu demônio interior crescia, dominante e repugnante, esculpindo uma nova forma
que se enraizava nas suas veias como galhos tentando atravessar uma pedra. Não
demorou muito para que meu eu inferior a abandonasse, pois a mentira era seu
prazer, e sua voz doce era como o cântico de um anjo caído. Nos dias seguintes,
eu fui consolado por mulheres estrangeiras, mas nenhuma poderia preencher o
buraco que você cavou, sangrando com suas memórias ilusórias, enquanto eu
vomitava toda escuridão transmitida pelo seu falso amor. A mão da morte pesava
como mundos inteiros enfileirados, puxando-me por uma corrente sinistra para o inferno,
porém a depressão nunca mais foi párea contra meu eu superior: aquele que
decidiria te salvar do suplício eterno, pois assustada como um infeliz, você me
avistou voando no céu, mas estava vendo deus. A alma que assassinaria seu
demônio interno, que atravessaria seu corpo para limpar sua escuridão, estava
ali, dando-lhe outra chance de recomeçar. Mas não seria fácil matar um ser que
foi alimentando durante anos, que criou raízes profundas na sua alma. Portanto,
as asas que viu são asas de emancipação, pois só evoluindo é que se desperta a
essência superior. Se realmente sou tua alma gêmea, então terás que ser infinita
como uma flor de lótus, ascendente como o sol, verdadeira como a luz que transcende
o mundo. Agora que sabes de onde vem e a quem pertence esta luz, vende os teus
sonhos para as estrelas, até que as folhas se tornem vermelhas, por que sempre
que curvar a cabeça para o lado, verás uma sombra te encarando, esperando pela oportunidade de resgatar o que lhe foi dado por direito.
Através dos
seus olhos, você enxerga os outros como sanguessugas covardes, mas quando se
olha no espelho, você vê apenas um pedaço de vergonha, sem perceber quando suas
mentiras se voltam contra si mesma. Nesse buraco apertado, sua sujeira e suas
cicatrizes continuam se abrindo, rasgando sua pele e arrancando sua casca, para
mostrar a verdade por trás da sua máscara. Que belo disfarce, não é mesmo? Pele
branca como algodão, cabelo rosa como um céu de sonhos lúcidos, roupas luxuosas
para atrair interesseiros, fotografias de viagens que você sempre desejou ir.
Esta é a imagem perfeita para o mundo, mas e quanto à imagem que você tem de si
mesma? Na sua cabeça, você acha que o que importa é a beleza exterior? Que a
riqueza te faria ser uma pessoa melhor? Pois bem, não se preocupe, nossa viagem
está apenas começando, por que hoje toda podridão que existe dentro de você
será cuspida para fora e toda mentira escorrida como sangue menstrual. Sua
mente está doente, seu corpo impuro, suas vontades instáveis, seus ideais
corrompidos. Quem a transformou nessa máquina de sonhos irreais que a fazem se
sentir satisfeita sendo quem não é? Por acaso, mostrando-se ser alguém
importante, torna você importante? Mostrando-se bela, te faz bela? Mostrando-se
rica, aumenta os números da sua conta bancária? Tudo isso é um mundo de mentira
dentro da sua cabeça, e eu te digo que a pior prisão que existe é a prisão
mental. Enquanto isso, amigos perdidos e vazios te enchem de elogios, trazendo fumaças
viciantes para te fazer perder a noção da realidade, afastando você das
circunstâncias de um mundo frio e sem valor. Mas o tempo é seu inimigo, ele não
tem piedade de quem despreza a vida, pois a natureza é muda para o hipócrita. Por
que vive em segredo, dentro de si mesma, mergulhada em um buraco negro,
escondendo-se atrás do armário, quando pode abrir todas as janelas e ter
orgulho de quem você é? Você é uma advogada incrível, uma amiga que realmente
se preocupa com os amigos, que luta pelo seu amado até quando é
ignorada. Seus cabelos cacheados brilham em destaque, sua pele desnuda lembra a
cor do pecado, sua voz impede que a tempestade venha. Até sua teimosia, ela te
faz ter uma personalidade forte, embora nem sempre seja melhor que as coisas aconteçam
do seu jeito. Conversar com você é como navegar por um rio fluido e
interminável, abrindo novos horizontes e caminhando nas nuvens, pousando apenas quando você dorme de repente. Às vezes você esquece de lembrar e não lembra do
que esqueceu, mas está tudo bem, ninguém é perfeito. No entanto, eu não posso
elogiar sua essência, pois ela foi destruída, e tudo que posso fazer é tentar
reconstruí-la junto com você. O medo e a insegurança não são justificativas
para mentir, por que a mentira constrói ruínas, enquanto a verdade constrói
castelos eternos. Eu posso estar errado em alguma dessas acusações, mas não me
culpe: uma mentira torna todas as verdades duvidosas. No momento que você não é
mais a pessoa que surgia na minha mente, todos os nossos encontros são inexistentes,
pois as formas que eu via eram falsas, e a imaginação uma mera ilusão
passageira alimentando suas mentiras. Tenho certeza que você teve suas razões,
mas até que nos vejamos pessoalmente, a tendência é cairmos no abismo, pois não
há mais uma ponte de confiança entre nós. Não te incomoda ser derrotada em seu
próprio jogo? Reprima o dedo do meio e silencie as palavras que não agregam
nada, desenterre seus olhos verdadeiros como quando me contou toda a verdade.
Pela última vez, eu te peço, renda-se à luz, pois as tuas sombras são muitas,
renda os teus segredos internos, pois eles estão formando um monstro
indestrutível, e a memória que gera forma jamais volta a ser a mesma.