As
fogueiras pontuam o alto da colina com grandes sombras dançando, ecoando a
memória do tempo com imagens flutuando lentamente para lugar nenhum, mas como um
relâmpago silencioso cortando o horizonte, um feixe de luz se abre no céu
enevoado e um olho radiante me encara fulminante. Lá em cima muitos
pensamentos vagam inquietos, mas eu sei que todos eles me pertencem, pois o
olho continua me cobrando pelo tempo desperdiçado: nada pode me fazer escapar
do meu juramento, nem todas as minhas conquistas podem afetar a órbita do meu
destino, por que o que sinto nas veias sempre me puxará de volta para o lugar
onde tudo começou, e quanto mais eu tento escapar disso, mais meu corpo é
destruído – a vida que me foi dada já não me pertence mais, pois o grande
merecedor, aquele que me presenteou com todas as respostas, deve completar seu
desígnio neste corpo. Agora o sol amarelo está se pondo na lápide, enquanto o
vento e a poeira atrasam minha respiração, mas por um intrínseco instante, eu
sou a semente plantada no rio, tudo o que eu toco se transforma em pedra, pois
a reflexão do que era sonho, agora é realidade, e todas as meias-verdades se
tornaram verdades absolutas. A ilusão não é mais uma mentira, por que há mais
para ver aqui fora do que todas as imaginações juntas poderiam criar! Assim,
para dividir estas sensações, eu gostaria de fazer um convite especial... nesta
hora, eu sou o deus do meu próprio rito, comerciando sonhos em meio a um barulho
doentio de tambores, enquanto as lágrimas ácidas descem por sua maquiagem,
mostrando todo delírio, seu pecado original. O chão é espancado por cacos, pois
montada você chega para me receber, queimando como uma aparição verde, você é
do jeito que eu quero te amar, e na mesma cor do céu violeta, seus cabelos voam
ao olhar para cima, você sabe... o grande olho ainda está lá, como um fantasma
guiando nossos corações. A delicadeza no seu olhar me faz sorrir com a sua
chegada, eu posso ver os sinais brilhando incandescentes na sua pele, e toda
emanação do tempo desaparece, pois para você o tempo não existe. Ao seu lado,
um segundo é um milênio, uma vontade que me faz querer navegar para sempre no rio dos seus prazeres! Mas isto não é uma celebração, as memórias de muito
tempo atrás e os sentimentos estranhos continuam tirando-me do meu santuário,
vagando com sombras como uma criatura trancada por dentro – este seria o preço
que pagamos por uma admissão noturna? A noite está chamando, mas é nela que
nossos corpos se envolvem como águas transitando, um amor que arrepia todo meu ser,
que me faz sentir-se preenchido antes da primeira luz da manhã. A noite
continua chamando, mas você se torna minha possessão, os problemas do mundo
podem ficar para depois, você é tudo que eu preciso nesta hora proibida, pois
o prazer nunca se tornará dor, o sentimento sempre será o mesmo! Nossa dança é
interminável, nosso amor é eterno, mas quem sabe quanto tempo dura uma
eternidade? O presságio está sempre submerso e intocado dentro de nós, e quando
o vulto da lua se projeta, nós podemos não ser mais aquilo que acreditamos ser,
não sabemos com quem estamos, nem o mundo que vivemos, pois o sentido da vida
se perdeu, o propósito da existência foi esquecido.
Abaixo
do luar pálido estou petrificado como uma rocha ancestral, vendo fases
infinitas do sol nascendo e se pondo, enquanto vivo sob o
vidro como uma doença que nasce no passado para se estilhaçar no futuro. Assim eu posso falar do meu imenso senso, pois
cada fase forma uma dobra no tempo, cada metro distorce a linha sutil dos
sonhos aveludados que não posso definir. Eu olho pela janela, mas não sei
distinguir qual cor estou vendo: o sino está tocando distante na mesma
frequência do meu coração, porém é um som pesado de edifícios caindo, o mesmo
som do impacto de quando meu irmão pulou nos braços da morte. Se ele ainda
estivesse entre nós, então eu arrancaria meu coração para que ele vivesse um
pouco mais, apenas mais cinco minutos da sua música clássica ressonando em meus
ouvidos, sentindo sua dor fúnebre em cada tecla do piano ou sua esperança
vindoura em cada promessa de deus. Agora meu estado de espírito está instável,
pois além do luto inesperado, a aurora ajudou a despedaçar o que restou das
minhas forças... pela primeira vez eu a vi bêbada como um tolo sofrendo pela
desgraça, incriminando-me por um crime que não cometi e importunando minha
essência sagrada. Mesmo quando pousei minha cabeça sobre o travesseiro, minha
mente foi atacada astralmente por pastores negros que tentaram me aprisionar em
um sonho de trevas, porém com o poder do amor eu consegui escapar e retornar
para meu corpo. Do ponto de vista cristão, estas acusações são graves, mas
houve um dia em que o mesmo pastor que apareceu em sonho tentando me destruir,
veio até minha casa, e eu contei-lhe sobre o sonho, sem revelar sua identidade.
Apesar de se mostrar surpreso, ele reagiu de modo estranho, e apenas disse que
já sabia o que o sonho significava, enquanto saia apressado da minha casa! Ele
nunca mais voltou a falar sobre o assunto, mas lembro-me nitidamente de que, durante
o velório do meu irmão, ele ficou observando minhas feições atentamente, sem
dizer nada, como se estivesse esperando que algo tivesse me afetado mais do que
deveria. Eu não posso acusá-lo diretamente sem provas, pois na
escuridão do sonho apenas sua voz era ouvida em um mar de trevas tentando me
consumir. Ora, estes fatos foram relatados aqui para o caso de algo futuramente
acontecer comigo, mas alcançando um ponto sem retorno, o gelo crescente corta
os juncos desses acontecimentos e a tristeza nunca cessa: estes são os fatos
que eu tenho que aceitar, ouvindo palavras de que o amanhecer trará a cura, mas
como minúsculos cristais caindo de nuvens lentas e cheias, eu percebo que
minhas escolhas se tornaram um fardo para mim, tão pesado quanto uma cidade de
corruptos, e nem com todas as forças que possuo poderia reerguer esta cidade!
Pois para desejar todas as noites cheias de antecipação, antes destas palavras
serem escritas, eu ainda estava procurando pela quintessência que evaporou como
um sol definhando. Em todos os lugares ela me ignorou, mas está tudo bem,
quando eu vejo a cor desconhecida invadindo o céu acima, nossos encontros de tela
em tela desvanecem, e tudo se torna apenas uma nuvem passageira. Afinal, de
trás para frente eu continuo espreitando entre as ruas estreitas atrás daquela
que será minha redenção – quando eu encontrá-la, seu primeiro toque será como
areia macia e branca, por que ela será livre como a natureza, trazendo sinais da
promessa por toda sua pele! Transbordando de felicidade, meu passado ficará
para trás como as lembranças de um último suspiro, pois quando meus olhos se
abrirem novamente, ela será meu mundo vindouro.