Na
insuficiência de tudo o que passei e dos dias que eram apenas cânticos ao dia
seguinte, a tortura de olhar para os cantos apagados da casa e fazer de conta
que a vida surgiria de alguma brecha com o brilho oculto que a chuva ofuscava
nas gotas da janela ou da esperança de que o sol se tornasse frio, eu percebo o
quão pobre e moribundo eu fui, a tremula onda de pensamentos suicidas que não
valiam mais do que minha própria existência, permanecido quieto e silenciado. A
oração despiu-se no interior e de nada valiam aqueles deuses; envergonhado
tornou-se aos seres que ouviam a sua voz, falo de mim, as chamas que eram
ascendidas quando ninguém além de si mesmo estava lá, em uma interrupta alusão
infinita. Mas as respostas eram sussurros de sombras que já não existiam, os
murmúrios, pesadelos de uma época estranha. Eu não poderia culpar aquela pálida
e doce menina como mel de primavera, embora fosse dela, seus rubros cachos
foram diminuindo a cada quinzena, sua voz, tornou-se como um fio de escarlate e
sua vida, a inexistência do tempo. A destruição que causei em seus anos foram
enchentes de palavras que se desprenderam do meu ódio, oh maldição, por que não
posso seguir meus dias em paz e olhar para as folhas que caem das arvores,
ouvir os gritos que uma criança faz ao correr pelas ruas ou sentir o vento que
me espanca friamente em noites chuvosas? O que parou minha vida, oh, foram os
caminhos que segui? O que destruiu minha esperança, oh, fora o pecado que me
fundi?
Esta noite você estará liberta de sua prisão
astral, mas não me ouvirá lamentar como um garoto que chora quando tropeça no
chão gelado. Ouça minha voz, mas também ouça as minhas palavras – lâminas ardentes
por corações libertinos – que perseguiu sua alma nas longas noites de inverno.
Enquanto se manteve longe de mim, as cores da vida tornaram escuras manchas que
se espalham como mãos negras pela parede, mas continuo sendo o desconhecido de
olhos desconfiados acusado de ser controlado por forças do abismo... ninguém me
vê como o ser humano que sou, pelo mesmo ar que respiro ou pelas costas de um
pássaro sem asas... um estranho me tornei quando tudo o que tento ser é
esquecido. São nessas horas que busco um sentido para abrir os olhos pela manhã
e fechá-los quando a madrugada se resume ao som da chuva. Um parasita vivendo
fora dos sonhos e da realidade, então, para quem irei gritar minha voz rouca e
falha, sem forças, onde é que estou, se não para você? O meu você poderia valer mais do que uma única
pessoa, mas estas palavras se destinam somente a mim... dos meus olhos cansados
que nada saem, estou tão seco que a dor é algo que se manifesta com abandonos
repentinos, o jogo mortal e suas cartas, as mulheres de dias luxuriosos que me
fizeram reconhecer quem realmente eu era.
terça-feira, 11 de março de 2014
O Inferno da Aurora
Olhando as cores escuras da noite nas desviadas
visões de cada pedaço de nuvem que desaparece no céu negro ou dos espíritos que
voam colidindo seus servos e vestem a ordem de seus olhos, no caminhar lento e
ainda, petrificado a cada passo, a devasta cor bege escurecida dos assentos que
nos esperam no templo da impureza é para aqueles que não sabem o que procuram
com seus rubros disfarces. As palavras, estas palavras, as que de alguma
maneira distorcem seus significados numa confusão vaga e passageira, quando o
que realmente querem dizer não é visto por olhos nus. As mãos, estas mãos, tão
vermelhas como o sangue que desaparece lentamente quando a carne do morto já
tornou-se em ossos. O mundo é grande demais para que caibam nele, estas vazias
palavras e estas mãos sujas que nada mais podem fazer do que tomar o sono do
inocente, e assim desvanecem como areia ao vento. Eu poderia acordar mil forças
lamuriosas e infestadas de feitiços noturnos, mas, ainda assim, somente eu as
veria: minha loucura tornou-se infungível quando a necessidade de preencher o
branco com toda a negritude já não é pela razão, mas o tolo vê aquilo que não é
do seu alcance, os seus movimentos tornaram-se como uma verdadeira peste
fantasmagórica e elevada a pensamentos que estão além do seu entendimento. Deste
modo, a espiritualidade das trevas é a sua verdadeira luz. Estou certo de que valeria
a pena recomeçar quando todos os que me viam já fecharam seus olhos, quando o
chão que eu piso tornou-se em poças sombrias e a mão que me toma pelo pescoço
não aperta antes que eu fale.
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