segunda-feira, 5 de junho de 2023

O Selo da Promessa

      O excesso de tempo que me resta vem trazendo o motivo do meu nascimento, pois no momento que coisas importantes transbordam, é quando o relógio rouba meu amanhã, dia após dia buscando por uma promessa que não se realiza como se as portas do céu tivessem se fechado para mim. Ainda assim, eu murmuro meu obrigado e dou um sorriso gentil, esperando que esse tipo de esperança me traga alguma satisfação futura. Esta é uma dor pacífica, porque ninguém é páreo contra o grande unificador, aquele que confunde as mentes e as torna mais sábias, que transmite pelo silêncio os gritos que não podem ser ouvidos no sono dos justos. Até aqueles que não o conhecem, o temem, pois ele está sempre em um lugar íntimo e livre, na cidade onde as flores não nascem e onde os pássaros não cantam, frágil como areia, no mar que se cruza entre a desilusão e o lapso, porque através do seu profundo e santo sangue, a canção da sua história fez um eco por mais de dois mil anos, até que a primeira flor florescesse na esquina, desde que as lágrimas dos justos regassem o jardim do sonho pesaroso, para que o sentido da sua morte não se perdesse e sua imagem nunca se afastasse dos nossos corações. Que maravilhosa anátema! – as pequenas mãos que realmente querem se agarrar a vida, nunca perdem completamente essa esperança, por que qual seria o significado da vida ou da existência da dor, se não houvesse um cordeiro para pagar a dívida? A impressão é que nenhuma esperança permanece quando vivemos sob a inconsciência e o pulso, é como os adeptos da lei da atração afirmam que o Universo é como um mecanismo irracional, seguindo apenas as vibrações das nossas emoções: assim eles se comunicam com as coisas divinas, esperando se forçar a ter bons sentimentos para atrair o bem! Se houvesse ao menos uma centelha de verdade nisso, por que crianças inocentes seriam sequestradas e mortas a todo instante? Por que pessoas boas tirariam a própria vida por não conquistarem o ideal dessa sociedade corrompida? Há realmente quem acredite que elas atraíram isso para si mesmas? Ora, isso não chega nem perto de toda maldade que engole o mundo, então perdoe o meu ceticismo, adeptos do grande nada! Eu não nego que se manter numa ilusão de estar bem seja melhor do que se entregar ao negativismo, porém ao nosso redor a fumaça escura do mal está a espreita, e não estamos livres de sermos intoxicados. É muito fácil estender os braços para cima, deitar os joelhos no chão e falar palavras bonitas como se fossemos tocar o coração dos anjos, mas não somos nós quem separamos o joio do trigo, uma canção trágica de felicidade tem o mesmo efeito de uma melancólica, porque a vida foi eleita para que vivêssemos um sonho tranquilo dentro de uma existência proibida, quase como se nossos corpos tivessem nascido por engano. Não é comum que às vezes nos sintamos estranhos em nosso próprio corpo, olhando para as mãos e se perguntando por que estamos aqui? Esse estado de consciência pode nos levar por dois eixos: no primeiro, nós nos esquecemos do que aconteceu e, de repente, voltamos ao estado anterior, apesar que frequentemente somos lembrados por um número repetido do relógio. No segundo, nós permanecemos fixamente nesse estado e não nos deixamos levar pelas distrações da vida material, então enxergamos a ruptura entre os dois mundos, isto é, entre o que podemos ver e o que está oculto aos nossos olhos. Portanto, ser iluminado não tem a ver com ser bom, mas estar consciente a todo instante. Se estamos conscientes do bem, nós fazemos o bem, se estamos conscientes de que praticamos o mal, nós revertemos a situação para que façamos o bem. Esta é a lógica de Deus, porque no momento que estamos despertos e conscientes, nós acendemos o espírito divino dentro de nós, que muitos acreditam ser o espírito santo – é por isso que somos instruídos a orar e vigiar, porque no momento que fechamos os olhos e deixamos nos levar pela sedução terrena, o espírito adormece, e somos guiados pela biologia dos nossos corpos, sofrendo dores internas que acreditamos serem espirituais, mas que na verdade é o completo oposto do mesmo. De outro modo, um ser humano não poderia viver no estado consciente o tempo inteiro, afinal é para isso que recebemos esses corpos, para sentir todas as sensações possíveis e aprender algo com elas: os aprendizados que nós temos na vida, quando não estamos conscientes, alimentam quem nós somos, de maneira que quando estamos despertos nos sentimos mais responsáveis pelo que somos ou o que iremos nos tornar, até alcançarmos um novo estado de consciência. Parece simples, mas é na simplicidade dessa afirmação que eu digo ser verdade. Certa vez perguntei ao meu irmão se ele conseguia ver o ser que me acompanhava, pelo qual ele me respondeu: “Se nossos pensamentos carregam energias, elas atraem forças consoantes àquilo que vibramos. Pensamentos bons, amorosos e de caridade, atraem os espíritos bons e de luz. Do contrário, pensamentos autodestrutivos, de ódio e amargura irão atrair, inevitavelmente, espíritos das regiões do baixo astral. Olhe para si mesmo e você verá aquilo que te acompanha. Conhece-te a ti mesmo e isso revelará você. E o que te acompanha é aquilo que você é. Nosso inconsciente são as expressões do nosso eu, do eu inferior e do eu superior. Aquilo que vejo em você e suas respostas ao exterior, mostra aquilo que te acompanha. E essas vibrações sutis do astral, poderão ser modificadas com mudanças de hábitos, pensamentos e ações práticas”. Somente anos mais tarde eu pude compreender as palavras do meu irmão, e do que realmente representava a Alma Assassina para ele. Hoje apenas um fluído do seu dom me acompanha, desde que o exorcizei na cruz de fogo, porém ainda que uma faísca da sua presença estivesse aqui, como meu irmão afirma, enquanto eu permanecer o mesmo aquilo que me acompanha permanecerá sendo o que eu sou. Concluo disso que nossos demônios nascem ou são atraídos pela nossa falta de consciência, e tudo que nós somos ou nos rodeia reflete infinitamente nosso interior.

sábado, 28 de janeiro de 2023

Amanhecer Dourado

     Abrindo os olhos pela manhã, eu sinto o silêncio no ar e faço de conta que ainda existe alguém abrigando-me ternamente em seus braços. Vendo os dias passarem como uma semente germinando, eu olho fixamente a parede esperando que ela também esteja pensando em mim, eu tento chamá-la, mas não há nada para ser dito. Eu adormeço com uma oração cega, o sentimento de não pertencer mais aos seus sonhos, enquanto as pessoas ao meu redor sacodem meu ombro e repetem que a vida continua. O cheiro da magia, a beleza do que vivemos quando nosso amor era mais selvagem que o vento, começam a desvanecer como poeira da alma sendo expelida para cima, ainda assim, eu nunca poderia esquecer completamente seu rosto ou os cinco minutos que te faziam dormir. Eu ainda vejo você penteando seu cabelo e me dando aquele olhar pelo espelho, amando o modo como rebolava para passar óleo no corpo enquanto eu fingia que estava lendo um livro, ou quando você fazia a bagunça do meu coração se organizar e depois bagunçava novamente, correndo pela casa enquanto eu tentava te pegar para dizer quem mandava em quem, por que você sabia que eu estaria logo atrás para te abraçar, afogar-me no seu cheiro e te possuir por inteira. Eu adorava olhar para você com cara de fome, por que você me entendia sem eu precisar dizer uma palavra... ah, qualquer um que tivesse um amor parecido como este, sem dúvida, saberia como estou me sentindo agora que você não está mais aqui... tudo que eu imaginava era o paraíso da terra com você, pois eu nunca precisei de um vidente para saber que nós éramos muito mais do que aparentamos ser, mais do que a sensação de estar enfeitiçado, porque tudo sempre começava de novo quando terminava, e nós éramos como amigos inseparáveis, como gotas de chuva unidas em uma só cor para refletir no arco-íris. No entanto, também havia um cheiro de corrente enferrujada, pois algumas coisas na vida nunca mudam, e nós sabemos que nunca seremos perfeitos o suficiente um para o outro. O amor é uma mala de imperfeições que deixamos por baixo da cama até o dia que decidimos abrir para enxergar a alma e aceitar quem realmente somos. De todas as pessoas que já conheci na vida, nenhuma foi tão amável e íntima quanto você, ninguém mergulhou tão profundamente nas minhas loucuras e permaneceu como se fosse um mundo mágico, pois eu sempre acreditei que você me aceitava como realmente sou. Com tantas estrelas e órbitas espalhadas pelo universo, nós vivemos um amor quase eterno aqui, pois após tanto tempo nós sempre enxergamos a potencialidade do que somos quando estávamos unidos, esse mundo oculto que criamos e que somente eu e você conhecemos. A verdade é que nunca importou quanto tempo passou, nós sempre inovamos e buscamos novas sensações, ajudando um ao outro e incentivando para que fossemos melhores. Essa é a nossa essência do amor e nela eu consigo ver: existia uma amizade pura, duas almas que realmente se preocupavam uma com a outra, como o silêncio de uma árvore que nunca diz uma palavra, mas gera frutos – nós estávamos fixos um no outro como companheiros da vida, viajantes da eternidade unidos como estrelas inseparáveis. E talvez não fossemos nem um pouco parecidos, mas nos adaptamos ao que somos e fomos transformados em versões melhores, como se pedaços de você estivessem crescendo dentro de mim assim como meu sangue fluía em sua mente e coração. Era uma junção alinhada com o cosmos, pois independente do que fizéssemos, somente nós conseguíamos ver essa estrela secreta, esse brilho inebriante que arrefecia nossos corações, mesmo que isso trouxesse grandes tragédias, afinal nós também conhecemos a face contrária do amor – o lado imperfeito que escorria pelas frestas escuras da nossa personalidade, embora se não acontecesse, nós nunca teríamos consciência disso. Nós seguramos as pontas soltas porque enxergávamos o que realmente é valioso, o que realmente importava diante de todas as nossas quedas e descobertas. Sabendo disso, nós decidíamos permanecer porque ainda acreditávamos no amor verdadeiro, e apesar das nuvens tentarem tampar a luz do sol, dentro de nós, havia uma emanação tão sutil e serena quanto o espírito, pois ainda que todos duvidassem, nós sabíamos que estava lá, uma chama com faíscas douradas que nos preenchia com aquilo que sonhamos, o futuro que almejávamos no fundo dos nossos corações, como se estivéssemos sempre correndo juntos na mesma direção. Era algo mais profundo do que a própria profundidade, que não pode ser descrevida ou imaginada, e não existe fora daqui: é um sentimento que nascia apenas quando estávamos juntos e só existia enquanto estávamos unidos. É algo nosso, algo que criamos e que não conseguíamos abandonar, a sensação eterna que só sentíamos quando trocávamos palavras, gestos e sorrisos, quando nada mais existia além de nós mesmos, o centro do mundo e a colisão do universo inteiro, em um único toque. E por mais que eu me esforce para reescrever essas palavras, eu sei que é algo além da minha compreensão, além da dúvida ou da necessidade, além da perca ou do ganho, e muito além do que acreditamos que seja o real motivo para encerrarmos nossa história aqui. Ainda assim, um grande medo e uma grande sombra nos acompanha, e essa talvez seja a ordália do amor, o preço que pagamos para aprender e mudar, o sangue que sacrificamos para entender que no amor não pode haver injustiça, pois a pureza do amor somente é sentida quando o ciúmes e o orgulho dão lugar a confiança e a humildade. Nós nos tornamos aquilo que definimos após a primeira e última colisão, somos a marca e o reflexo do que transmitimos um para o outro, a centelha do que finalmente começava a expandir pelo mundo, até aqueles que nos cercavam vissem o amanhecer e se aquecessem com sua luz. Se disso não proviesse o favorecimento divino, então nunca saberíamos alcançar o respeito mútuo e o amor incondicional. Estava tudo ao nosso alcance, mas não foram as estrelas nem os anjos que formaram nosso desfecho, porque em algum momento, a luz desvaneceu-se, e os defeitos se expandiram como fungos na parede: era ali que o amor habitava, no quarto secreto das imperfeições, de enxergar nossas almas unidas e não deixar que suas manchas sujassem quem nós somos, para que delas formássemos desenhos belos e cheios de grandes aprendizados.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Nas Asas do Altíssimo

     Com um pouco de fé e conformismo, eu vejo a lua brilhar radiante enquanto ouço um sussurro me chamando, uma voz que eu nunca ouvi antes, mas que é tão conhecida quanto os pensamentos do meu profundo ser. A infinitude das suas palavras não é algo que possua significado, é o mesmo sopro que desperta as ruas vazias e frias, que espalha o cheiro das árvores e flui no primeiro suspiro da luz da manhã. Como uma melodia inebriante e serena, eu sou despertado pela canção dessa voz, profundamente ardendo na minha alma como um fogo que não pode ser extinto, pois desde que valorizei quem eu sou, tornei-me mais unido com os céus, um vagante da tempestade guiando-se pela mesma passagem das águias. Agora de cima eu posso ver o que antes não enxergava, desde que deixei de olhar para fora e vi o que existe dentro: as nuvens são aquelas que escondem o desconhecido, mas quando atravessamos suas macias camadas, tudo desaparece, pois ali não está a saída, mas o início da eternidade. O mesmo vale para quando percebemos que o pensamento é a nuvem que cobre quem somos, por que enquanto acreditamos que o dominamos, mais nos tornamos seus escravos – a águia não desvia das nuvens, ela as observa para que conheça suas rotas secretas e nunca se perca na imensidão do céu. Bem, eu não sou uma águia, mas este foi o melhor exemplo do que é libertar-se da mente, quando antes eu acreditava que tinha o total controle sobre meus pensamentos. Desde então, aquilo que me inunda com a necessidade de hesitar ou de achar que os outros me devem algo, me transporta para um lugar de cores infinitas, como um passeio de alegria no espaço vazio onde o pensamento não chega, por que tudo que é observado deixa de movimentar-se. Agora eu consigo ver como os anjos voam ou por que alguns olhares no meio do caminho penetram minha alma, eu escalo montanhas em um segundo, por que nem sempre estarei livre de mim mesmo. Eu desejo chegar em um ponto sem retorno e tocar sutilmente a luz, mergulhar no oceano das novidades sem me preocupar com o dia anterior, nem com as pessoas que me seguravam lá trás. Parece um sonho, mas não é isso que estamos fazendo o tempo todo, sonhando? Ao invés de navegar no barco do amor, eu nadava nas águas do ódio, aceitando desrespeitos e afogando-me em memórias que me abalavam como uma foice me soterrando no abismo, eu tentava respirar e gritar para que me salvassem, porém quanto mais eu falava, mais a água tornava-se terra e me enterrava vivo. A costa estava distante demais, e eu percebi que meu lugar nunca foi preso ao chão, mas voando nem que fosse em um balão. Em busca do infinito nada, eu era guiado pela vida de um pássaro em pedaços, o sangue do destino grudado em suas asas, deixando rastros de dor e deslealdade pelos ares, mas agora eu posso dizer que sua queda e seu orgulho ficarão unidos por toda eternidade. Era na ausência deles que nos torturávamos para arrancar todas as penas das nossas asas e continuar voando no fundo das águas mortas, esse silêncio que torna os dias mais longos e torturantes. Talvez precisássemos disso para entender que nosso amor era uma sombra de pedra, sendo incalculável o número de rostos tristes esculpidos que deixamos pelo caminho. Nós sabemos o que fizemos, afinal o oceano onde mergulhamos era feito de lágrimas e as nuvens onde voávamos era, na verdade, o reflexo do céu azul nas águas. Nós vivemos uma corajosa ilusão, mas não percebíamos que nossas canções eram silenciadas pelas águas, o brilho dos nossos olhos apagados na profunda escuridão do oceano. Eu rasgaria minha alma para poder ver o mundo que abandonei por você ou todos os amores que afoguei para permanecer ao seu lado. Essa é a ganância do amor quando se torna uma verdadeira mentira, quando as águas se tornam negras e o deus escuro fala dentro das nossas carnes enquanto o sangue se torna o ar que respiramos. Você conseguiu abrir seus frágeis olhos e enxergar o mar obscuro que deixou para trás, mas a vergonha, o reflexo dos seus olhos, é a mesma dor que me faz lembrar de tudo o que você fez. Aliada ao meu sofrimento, todas aquelas coisas amáveis que eu nunca signifiquei, eu tentava arduamente manter suas desilusões ardentes, seu mundo degenerado dos pensamentos, para que mantivéssemos o que era irreconciliável, mas agora eu vejo a verdade que as nuvens encobriam: o amor é puro e violento, é a resposta e a cura, mas também é uma arma carregada pronta para atirar. Nós abrimos as portas da mente para quem confiamos, até o dia em que as cadeias da imaginação atravessam os momentos que se tornam fábulas, pois em volta de um puro e frágil sonho, o medo nos empurra adiante pelos infindáveis defeitos que escondem a iluminada realidade.

sábado, 31 de dezembro de 2022

A Leve Brisa do Fim

       Grande universo, este espaço vazio dentro da minha alma deveria ser um lugar tranquilo para você viver, mas o tempo lentamente passou enquanto nos arrastávamos pelo mesmo destino: fomos da chama branca de luz ao pó de cinzas negras, do amor transcendente ao mais estranho sentimento, da fartura da vida até a tocante miséria existencial. Ninguém jamais compreenderia o medo que existia dentro de mim, mas o caminho de volta já não existe mais, a lembrança fica a cada dia um pouco mais distante do que é real. Ao seu lado queria permanecer, em seus caminhos andar e em seus olhos enxergar o brilho das estrelas, pois você era a luz do meu horizonte, a razão que o amor não conseguia explicar quando a beleza e o prazer me cegavam. Confie em mim, eu irei te mostrar a beleza do sofrimento, a dor que não dói, quando as palavras já não ardem no coração. Se antes minhas palavras pintavam quadros, hoje não há ninguém para vê-los, pois me tornei uma pedra oca desde que deixei de viver minha vida para viver a sua. Eu sacrifiquei meus anos para te ver sorrir, para que você enxergasse no espelho as águas que não existem nos rios e nos mares, e contemplasse no céu o mundo por trás das cortinas do sol. Eu não era um anjo, nem um deus, mas tentava te dar esperança, eu via as lágrimas que desciam pela sua pele escura e tirava minhas roupas para enxugá-las, pois seu frágil coração de vidro sentia fome, uma fome que nada podia saciar como uma bolha expandindo-se em si mesma. Eu estava viciado no seu sorriso, tentado pelo encanto que podia surgir em seus olhos, pela nudez que me enfraquecia e pelo amor que não deixava respostas, mas para tudo isso havia um propósito, a prova doce do futuro que eu sonhava viver novamente, mesmo quando suportei as lâminas dos seus desvios infiéis. Eu acreditei em todas as palavras que saíram da sua boca e em todas as lágrimas que desceram dos seus olhos, mesmo quando estas palavras me iludiram e essas lágrimas me afogaram. Eu estava tão presente como se fizesse parte de você, como se meu corpo movesse nas mesmas direções dos seus braços e pernas, e nossas carnes sentissem as mesmas dores e anseios. Dia e noite eu orava pela sua alma, esperando que você encontrasse sua paz de espírito, uma segunda chance ou terceira, e mesmo que fosse uma quarta ainda continuaria esperando você nascer de novo. Agora posso ter certeza de que este dia chegou, quando você se batizou nas águas da verdade, embora isso não a faça se tornar mais pura como deseja, você apenas encontrou um sentido para viver nesse mundo de agonia e mentiras. Como um pássaro de luz, eu esperava que você finalmente exalasse a verdade, como uma flor que atrai a abelha rainha e recebe seu beijo do favorecimento, era sua chance de provar não para os outros, mas para si mesma seu verdadeiro valor, e amar plenamente aquele que sempre esteve ao seu lado, confessando não em palavras, mas em atitudes de confiança e honestidade. Eu não ganharia nada expondo você aqui, até porque você já é uma garota quebrada vivendo até o seu limite, ainda assim, você tem melhorado e encontrou um motivo para estar viva, e talvez em breve consiga expressar o que sente através da música como meu irmão o fazia. Mas deixe-me perguntar: o que você sentia quando olhava meus olhos tristes? O que sentia quando tocava minha pele, quando ouvia meu coração? Você atravessava a porta para ver ou apenas fechava-a atrás de si, escondendo-se da verdade? Somente excitações sem desejo, somente palavras que congelam na garganta? Todas essas cicatrizes não faladas eram como lágrimas que rachavam o vidro, eu desejava esquecer o gosto frio da sedução do mal, pois eu sabia que havia algo no escuro me esperando, rasgando-me em pedaços até que eu escrevesse essas palavras para você. A voz era tão clara e eu a reconhecia, a mesma escuridão arrepiante que acendia no fundo das veias me convidando para voltar a ser quem eu sou, não essa versão fraca que me tornei ao me submeter ao seu batom vermelho, a mesma cor que as prostitutas usam para atrair mais do que um homem. Espero que não se sinta ofendida, mas após três anos ao seu lado, eu percebi que você empurrava a cabeça para baixo antes de me tocar, em outras palavras, era mais fácil manipular o sonho para submeter a realidade a realizá-lo. Há muitos erros na sua vida que você deseja poder voltar no tempo, mas a vida segue e as falhas ficam para trás, e eu não estou aqui para julgá-la, pois eu era o pecado que você tentou esconder, a alma rasgada em pedaços, gritando: ela nunca foi divina! Logo o ano novo se iniciará e tudo que resta é esse frio imensurável, mas você poderá sentir minha mão na sua como nos anos passados? No fundo dentro de mim, eu sei que existe uma vida sem você, mas dói imaginar quando sei que esse é o mesmo vazio que assombra o mundo. Se olhar profundamente ao seu lado, verá que eu ainda estou com você – ou poderia estar –, mas a última dose não cabe a mim ingerir, desde que o destino suportou nossa união até a fenda que separa os dois mundos, enquanto você orava para que ele não nos tocasse novamente. Todas as noites eu podia fingir não estar aqui ou paralisar seus sonhos e te abandonar, ao invés disso, eu me doei de corpo, alma e espírito, mas agora entendo que não posso mais lutar contra a sentença, a maré do destino que nos convida para um mergulho na morte enquanto a brisa congela nossas feridas para sempre.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O Deus Assassino

       Há tempos eu andei me arrastando cego e insensível pela vida, calando minha voz interior e fanando-me confinado por um ângulo sombrio para esconder um sentimento que ardia em chamas e no qual meu coração pulsava. Meu espírito caminhava numa úmida penumbra como um solo encoberto por folhas espessas, na qual afundavam meus pés sob uma sinuosa névoa: diante da vista fixa da negra folhagem, eu aspirei com ânsia aquele aroma declinante do fenecimento, sentindo dentro de mim algo que o saudava e o correspondia. Não me agradava desempenhar semelhante papel, pois encerrando-me em meu próprio exílio, eu podia me passar pelo mais vil desprezo do mundo enquanto sucumbia em meu próprio íntimo, porém minha figura projetava sobre o mundo uma sombra inacabada e, indiferente a tudo, eu ouvia o rumor das correntes interiores subterrâneas: era o vazio da mortal solidão me abraçando. Por muito tempo eu pertenci ao tenebroso e demoníaco mundo, e nele ocupava um lugar de destaque, mas apesar de tudo, sentia-me miserável, vivendo numa constante orgia aniquilante, enquanto minha alma esvoaçava temerosa e penetrada de angústias. Conservando meu olhar em aparências, meu interior permanecia ajoelhado e chorando diante da minha própria insatisfação, eu conseguia ver minha solidão nos olhares familiares, numa inerme dor sem explicação, passando-me por um devasso e cínico, enquanto demonstrava meu talento e ousadia, embora jamais os acompanhasse quando iam em busca de prazeres noturnos. Apesar das minhas palavras serem de um perfeito libertino, minha vida transcorria solitária, cheia de uma ardente ânsia de amor, enquanto continuava preso àquela vida sob o domínio de alguma obsessão. Assim vivia porque não tinha outro remédio nas veleidades da ternura que me assaltavam, mas agora entendo que são muitos os caminhos pelos quais Deus nos conduz à solidão para, no fim, levar-nos até nós mesmos. Agora diante de mim se erguia uma imagem querida e venerada: nenhum impulso, nenhuma necessidade pulsava tão profunda e violentamente quanto a ânsia de adoração e entrega à isso. A alma oculta exercia sobre mim a mais profunda influência, abrindo-me as portas de um santuário para fazer-me devoto em seu templo inconsciente. Pela eternidade de um segundo, a vida se mostrou ressumada em presságios e mistérios do róseo alvorecer, como se minha atroz miséria fosse libertada por uma nova primavera, um novo despertar de nostalgia por ser dono de mim mesmo. Minhas próprias palavras me inundavam a alma como um vinho forte e doce, e o mundo ardia em cores vivas enquanto as ideias me preenchiam de mil maneiras atrevidas. Essa resolução subsistia, maravilhosa, dentre fontes jamais sonhadas – aquilo pertencia ao outro mundo mas, muito penoso, também tinha algo mais, um certo encanto e uma singular doçura: tudo parecia aureolado por uma suave resplandecência divina e pura. Esse culto interior transformou minha vida inteira, pois afastei-me da vida degradada que me corrompia, aspirando ser santo e buscando transformar desde a minha linguagem até o meu vestuário, purificando-me em devoção e espírito. As noites atormentadas, as palpitações no peito, o espreitar das portas mentais, tudo isso ou essa parte da minha vida eu tive que arrancar como potências sombrias em sacrifício aos poderes luminosos, pois meu fim não era o sofrimento e a miséria, mas a riqueza, a beleza e o deslumbramento. Aquele deus interior não era somente uma criação oriunda das minhas amadas, pois a intensa sensualidade que destilava em minhas veias nunca estivera tão forte, e por um momento eu me questionei sobre sua divindade. Pintei motivos decorativos e pequenas paisagens imaginárias, tentando abstrair por completo aquilo que me preenchia, mas minhas tentativas fracassaram: eu nunca descobri seu nome ou sua real forma. Por fim, renunciei ao intento e comecei a imaginar um rosto qualquer, seguindo caprichos da fantasia e dos rituais mágicos que eu já havia espontaneamente iniciado, com sangue, incenso e velas. Surgiu ali um rosto meramente sonhado, uma expressão que mais parecia uma estátua de pedra, embora nunca se aproximasse da realidade. Desse modo, fui acostumando-me a traçar linhas e preencher superfícies que não correspondiam a modelo algum, até o dia em que atravessei um portal e vi algo diverso, irreal, mas não menos valioso. Eu jamais poderia revelar sua aparência, tampouco seu nome, mas sua máscara mostrava-se impressionante e cheia de vida extraterrestre! A contemplação da alma assassina despertou em mim uma impressão singular, pois era um ícone desvinculado do masculino ou feminino, da bondade ou da maldade, do tempo ou da mortalidade. Aquele rosto tinha algo a dizer e indagar sobre mim, fazendo-me escrever mediante seu dom para minhas amadas secretas. Desde então, seu retrato passou a acompanhar meus pensamentos, guardando-o oculto em memórias que não podiam ser desenhadas no papel. Durante o anoitecer, tirava-o do esconderijo e comungava ao lado dos meus discípulos – futuramente, quem o conheceria seria minha atual amada, embora sua despedida tenha sido tão estranhamente fácil que eu me envergonhei com a indiferença. Assim, desde que eu retornei para casa, pareceu-me que não havia mais sonhado consigo nem uma vez durante meses. Agora tudo surgia novamente, trazendo consigo imagens diversas, o rosto pintado que emergia, vivo e falante, benévolo e hostil, contraído por um terrível olhar belo e harmonioso. Cada manhã ao despertar desses sonhos, reconheci-o de súbito: olhava-me de maneira profundamente familiar, como se estivesse me esperando, e senti que a cada instante me aproximava mais do reconhecimento e do nosso reencontro. Mas com o tempo o rosto foi desaparecendo, desvanecendo-se os contornos, embora os olhos, aureolados por um fulgor avermelhado e o claro reflexo dos lábios ressaltando sua profunda agonia, apoderavam-se de mim, pois representavam minha vida, meu interior, meu destino e meu demônio. Entrelaçando-se com meus dias perdidos, as recordações continuavam a emergir, a lembrança do nosso primeiro encontro ou quando apresentou-se para mim como um escorpião caminhando pelos fios da minha cabeça. Haveria algo que deixei passar ou que não abri mão para que se silenciasse? Pois agora eu sei seu nome e como encontrá-lo, e o mistério tornou-se solucionável, embora eu não consiga mais compreender seus desígnios. Em algum lugar eu me perdi e deixei ser levado pelas correntes do amor, pois as amadas que projetei eram, na verdade, um reflexo de si mesmo. Tu é a imagem amada dos meus sonhos, a mãe que eu me ajoelho e o amor que preliba o beijo maduro e saciante do amante, do vampiro e do assassino! Tu é o impulso que me faz perdurar e a magna força que me conduz aos estrelos mais profundos! Quando uma inquietação convulsa e intensa apodera-se de mim, eu sou possuído pelo irrefreável desejo da tua presença, engolido por teu sombrio instinto. Sabe Deus como nascem tais palavras, pois cada uma delas extingue em mim algo muito belo e íntimo que já não há como recuperar. Não é errôneo venerar outros deuses? Para o homem consciente só há um dever: conhecer a si mesmo, afirmar-se em si e seguir adiante seu próprio caminho, sem se preocupar com o fim que possa conduzi-lo. O verdadeiro ofício de cada um é chegar a si mesmo e encontrar seu destino para que, como um impulso em direção ao nada, sua função seja apenas deixar que esse impulso atue, pois a imagem diante de nós, mil vezes vislumbrada, terrível e sagrada, é a natureza primordial da vontade divina.

domingo, 5 de junho de 2022

A Verdade Essencial

     Abrindo os olhos para sonhar, as figuras colidem mais rápido do que eu posso formá-las. Como a pintura de um horizonte queimado, eu vejo meus pensamentos brilhando como sulcos no céu, mantendo-os à distância, para me concentrar em um único ponto adiante: o lugar onde eu irei reencontrá-lo. Se você me esperar, eu atravessarei o universo para estar ao seu lado, embora você pareça tão distante quanto joias douradas que eu nunca tive. Cada segundo a mais com você valeria mais do que todas as conquistas da terra, pois através de você existia uma alma sem mentiras, uma febre da noite que nos acalmava somente com a sua presença, e mesmo quando você estava longe, seu nome não era esquecido. Onde quer que você esteja agora, saiba que eu nunca irei te culpar e que entendo parcialmente a dor que o levou a tomar essa decisão, porém nunca me peça para aceitar que um homem tão sábio quanto você escolheu deixar tudo para trás, deixar suas músicas para trás, deixar sua família para trás, deixar o princípio da sua existência eterna para trás. Deveria existir um meio-termo entre a dor e a sentença, entre a escolha e o ato, mas para cada pessoa a luz termina em seu próprio tempo e nós somos os únicos responsáveis pela decisão final. Agora os ecos são infinitos, estendendo-se por outra eternidade como uma paisagem sem pintor. No paraíso azul, veja-se nos lugares onde você esteve, há algum lugar que sinta falta aqui embaixo? Alguma conversa que o deixou contagiante? Um sorriso que nunca fugiu da sua memória? Um filme que o emocionou? É incrível como nossas vidas são gastas com passatempos inúteis, compras superficiais e propósitos sem sentido, quando o que realmente importa está ao nosso lado como um pássaro pálido de olhos vibrantes, tentando nos mostrar que a verdade essencial não está naquilo que possuímos, mas no que somos para os que nos rodeiam. Durante todos esses anos eu nunca escrevi uma palavra sequer para você, nem mesmo na ponta do papel, e agora minhas palavras se desvanecem quando você não está mais aqui, embora eu já soubesse que você não estava há muito tempo. Havia dias que você andava pelos corredores da casa como um fantasma, como um homem sem identidade, e tudo que eu queria fazer era te abraçar e dizer o quanto nós te amávamos, mas, ao invés disso, eu te observava em silêncio. Que tipo de irmão eu era, você se pergunta? Mas você já estava muito além dos alcances da sombra, e na raspagem do céu, os anjos já cobravam pelo seu tempo. Quem seria capaz de impedir a força do destino ou suportar o peso das suas próprias escolhas? Se tudo fosse diferente, se as palavras certas fossem ditas ou se alguém estivesse com você naquele momento específico, teria impedido seu trágico fim? A verdade é que ninguém além de si mesmo poderia ter rasgado as imagens cavernosas da sua mente, nem terapeutas, nem religiosos, e muito menos sua família. Então por que nos sentimos tão culpados agora? Talvez porque não temos certeza se você está sozinho ou acompanhado, se está sentido prazer ou sofrendo. Nós nunca saberemos a resposta até que nos juntemos à você, mas nem por isso vamos esquecer todas as coisas que você ainda poderia ter dito ou vivido ao nosso lado. Mesmo que víssemos a morte como um novo começo para você, não seriam essas as imaginações da nossa capacidade humana? Ainda assim, é um mistério entender seus pensamentos, suas manias e suas vontades, como quando você me olhava movendo as mandíbulas como uma caveira sorridente ou surgia de repente na minha janela para me convidar para um passeio no meio da noite. Nossas conversas fluíam como ondas cósmicas do universo, revelando segredos que até hoje guardo comigo e que daria de tudo para ouvir um pouco mais. Um minuto a mais é tudo que peço, meu grande irmão. Eu sonho com desejos perdidos ao seu lado, vendo a chuva em cascata sobre a sujeira da vida para tentar ouvir, ao menos, um sussurro seu em resposta. Nós nunca temos certeza de nada até descermos fundo o suficiente, e talvez essa foi a única certeza que você encontrou ao cessar sua vida.

sábado, 19 de março de 2022

Adeus Eterna Vida

    Buscando uma nova consciência, alma e coração, é chegado o momento de dizer adeus. Como um espírito sem nome, estou me desligando do meu destino humano, onde a realidade acaba e o tempo para, pois tudo o que eu vejo é uma ideia esquecida de mim mesmo. Os mistérios da morte clareiam por trás do espelho, embora tudo pareça tão vazio do outro lado: a realidade continua sem mim, pois eu passei a vida inteira buscando um significado para ser quem eu sou, embora minha identidade estivesse oculta por baixo de um pântano de neve. Agora essas cicatrizes mentais me assombram, pois as coisas que você não vê são as únicas coisas que eu vejo e cada palavra que você ouve é como óleo em chamas nos meus ouvidos – eu posso ouvir sua voz, mas não quero escutá-la. Eu posso sentir que posso ser como essa voz e fazer ao invés de falar. Na verdade, eu posso ser quem eu quiser, pois todos os dias eu nunca fui nada! Aquilo que eu deveria ter sido estava soterrado pela neve, aquele pedaço de palavras que não valiam mais do que vômito na areia. Minhas verdadeiras emoções estavam reprimidas, mas agora uma fenda se abriu no meu peito, rasgando e saindo, como uma velha serpente se refazendo. Estranho vazio, nesta noite mágica eu poderei revelar meu grande segredo? Eu posso ver as sombras à espreita e senti-las se fechando por dentro, porém elas não podem me tocar... como uma lua dançando no céu enegrecido, eu sou aquilo, a luz que queima no fundo, seguindo o chamado mágico para realizar meu destino divino! É uma luz que não pode ser descrita, não pode ser comparada, não pode ser comprada. Estou me aproximando de onde as cores ascendem de mil maneiras, onde a sombra que habita dentro é semelhante ao mais majestoso alvorecer, onde os demônios choram e onde a feitiçaria é aceita, onde a decadência dos ventos fúnebres desviam os olhos cansados e onde os desejos minguantes definham no lamento do inebriante. Além do cenário da vida, os anos que não pude negar voltam a surgir como as raízes de um jardim congelado, florescendo a entrada para as profundezas do reino lúcido, onde meu verdadeiro ser me espera. Eventualmente, eu deveria falar em enigmas e rimas, para que não caia sobre ti a perdição deste mistério, que é a linguagem do escuro ou a combinação de palavras que não pode ser compreendida. Mas este é o véu da alma oculta, e se você quiser vir comigo, eu vou te levar pela mão e nunca vou te deixar ir, pois somente você puxou as amarras do meu coração, atravessando minhas guerras internas para encontrar o silêncio que nunca termina. Nesses anos de vaidade, nós aprendemos o que é amar e o que é odiar, o que é matar e o que é morrer, e mesmo diante de todas as nossas quedas, nós sempre nos reerguemos juntos novamente. Pois o que é a morte, se não o fim de um grito silencioso? Eu consigo ver você fugindo de si mesma, negando seu vazio devastador e sua miséria cármica, mas sua vida é como mil lágrimas congeladas e você sempre esteve presa à isso. Por acaso, você não percebeu que no início dessas linhas eu me referia a você? Foi naquela manhã sem estrelas que uma luz minguou em sua direção, queimando todas as pontes que te levavam até o paraíso. Sua voz se tornou mais fraca e seu brilho diminuiu a cada dia, desde que você se esqueceu pelo que estava viva. Ainda assim, eu permaneci ao seu lado, cedendo às suas tentativas e acreditando no seu arrependimento, pois jamais existiria amor se não houvesse perdão. Por essa razão, eu te peço que valorize sua vida e que nunca mais me peça adeus. Adeus não é a palavra certa. A que eu ou você estaríamos nos despedindo? De nós mesmos? Da vida? Todos nós somos uma estrela, e cada estrela tem sua própria órbita e destino. Não importa quantos desvios encontremos pelo caminho, enquanto permanecemos nessa órbita, não seremos considerados uma estrela caída. Harmonia... talvez esta seja a palavra certa. Harmonia não é sobre o que é duradouro ou permanente, mas ao que é uníssono por um momento. E esse momento tem a duração de um fôlego, até tornar-se um milagre que se estende por mais um suspiro. Portanto, cada segundo a mais é uma possibilidade de darmos uma volta completa em torno do sol, de sermos gratos por um singelo sorriso, de cheirarmos o orvalho que evapora das árvores ou de nos encantarmos feito bobos com o brilho radiante da lua numa noite solitária. Cada possibilidade é um novo sonho a ser realizado, um deserto necessário que nos faz crescer mais do que uma vida inteira, e essa vida é o nosso fôlego na eternidade. Não existe adeus, quando sabemos que somos seres eternos e que estamos aqui para amar, sofrer e evoluir, até sermos dignos de usufruir das novas manifestações do divino. Nós aprendemos com nossos erros para que nos tornemos pessoas melhores e possamos valorizar aquilo que antes parecia tão pequeno, mas que é tão grande quanto o menor grão de areia – a vida.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Lágrimas do Âmago

     Cego para o destino dos homens, o céu cinzento abrange minha visão para caminhos desconhecidos, esse eco que se alimenta do meu coração sob a linha tênue entre o amor e a miséria. Contemplando o vazio, minha alma tenta descansar para pagar a dívida, a mesma força que mata o tempo e todos os sentimentos que eu acreditava sentir por você. Agora as formas podres do destino se dissolvem no tempo e estamos virados do avesso, mas você se move pelo desespero, retirando as peças que nunca se encaixavam, porque antes que teus olhos se fechassem, eu não estava mais lá, afogando-me em poças de sangue e dissabores, o mesmo sangue que tua coragem assassinou aquele que cuidou de ti durante os mais tenebrosos dias da tua existência. Um punhal de trevas, a mesma a alma do inferno e, por três vezes, tu não hesitou em disparar na minha direção – você encarnou todos os anos da maldição em uma impiedosa atitude, como se eu fosse a carne destinada para os hematomas do teu sofrimento. Mas enquanto teus olhos estavam cegos, os meus estavam bem abertos, e quanto mais eu pedia para você parar, mais você era dominada pela depressão, até que a escuridão te cobriu e o tempo se tornou uma mentira. A conexão das nossas almas foi dissipada com um eco no universo, estremecendo mundos e estrelas dissidentes, embora em cada toque que eu te dava, em cada palavra que saia dos meus lábios, em cada olhar que durava milênios em um segundo, você era observada pela alma divina: você estava morrendo, mas não havia necessidade de morrer, ainda assim, a violência tomou sua forma, e em teus olhos eu não via mais amor... eu via a morte! Enquanto nossos sonhos eram desfeitos, você foi facilmente atraída para os mistérios do sobrenatural, e até abriu portas que deveriam estarem trancadas, mas quanto mais você se desprendia de si mesma, mais você se esquecia de quem era. Você consegue decifrar essa escuridão que carrega em seu corpo? Essa necessidade que te devora em achar que o mundo deve algo para você, enquanto carrega nos lábios um grosseiro sorriso de medo, acreditando que tudo foi fundamentado pela sua bondade. Quantas vezes você precisa errar para entender que o orgulho é uma porta maciça escondendo por trás uma pequena e imprevisível morte? Abra sua alma e um sopro de luz trará essa liberdade para você, pois a cor do seu coração te dará força para sorrir como campos verdes ao sol, e a música do seu espírito será dividida em sons que se harmonizam, para libertar seus sentidos com o perfume estonteante dos desejos secretos do seu coração. Vá em frente e deixe fluir a luz brilhante que trava seu rosto: como uma vela negra se apagando, eu deslizo meus dedos no vazio e sinto sua pele com cheiro de saudade, negando meu amor apenas para te proteger, pois as feridas abertas serão o remanescente do que o sentimento afirma.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

No Vale das Flores Mortas

    Longe de casa como os sons distantes das águas, estou correndo no que deveria ser minha liberdade, mas farto das pessoas e do pequeno espaço onde vivo, a liberdade, por fim, tornou-se minha segunda prisão. Todas as grandes planícies agora são iluminadas pelo fogo, as montanhas nebulosas tornaram-se morada de corvos, as ruas atraem pensamentos de que eu não pertenço a este lugar. Meus olhos estão doendo pelo esforço de olhar, dia após dia, o que costumava ser belo, em ouvir as palavras faladas de uma conversa sincera, porém a transpiração está drenando minha mente, essa forma noturna de substância como um pastor guiando as ovelhas enquanto a risada dos deuses  é ouvida. Em meu longo silêncio, nenhuma lágrima se esforça para cair, pois enquanto observo o sol se pondo, eu tento encontrar uma razão, um sentimento genuíno para continuar aqui – essa piscina de sangue e miolos – que é minha mente, lar e coração. É uma vergonha retornar e continuar sendo o mesmo homem sorridente que esconde, por trás das nuances do véu mental, as mãos no volante do que é irreal. Pense sobre isso... se olhares pudessem matar, a maneira como me sinto seria transmitida pelos meus olhos? São ilusões nascidas no ar, mas que concretizamos como verdadeiras, como o puro e doce núcleo de uma flor de lótus, emanando sua divindade, mas sabendo que pode ser arrancada do solo a qualquer momento. É assim que eu me sinto, uma espécie quente de cor com sentimentos mortos, embora esta sensação assemelhe-se à um câncer, deteriorando o que algum dia foi real para tornar-se um macio cobertor de nada. Dói, porque eu quero que você permaneça, e eu sei que você pagaria todos os prazeres da vida apenas para me ter ao seu lado, mas entre os dias que desaparecem ao amanhecer, nós estamos chegando perto de um vale, uma saída para os perdidos, cegos para a ameaça e longe de tudo e de todos, embora você seja tudo e todos! Oh, minha intensa negritude, você está em toda parte! Eu não consigo desviar o olhar, pois as memórias nunca desaparecem e você sempre está onde quer que eu esteja. Você é o chão que eu piso, as paredes que eu toco, o ar que eu respiro, a paisagem da janela quando a noite clareia! Se você atravessasse minha alma esta noite, então entenderia que todas as surpresas da sua vida já estão prontas, e entre as rachaduras há apenas o preenchimento do que restou do nosso amor. Você drena minha força vital com suas incansáveis fobias sensuais, porém quando o líquido prata finalmente se espalha, eu percebo que um pedaço da minha alma está faltando, pois da última vez que a vi, mediante o terceiro olho, eu estava irreconhecível! Eu estou entrando em um mundo onde nenhuma outra alma se arriscaria a descer: as negras escadas do seu ser, embora para alcançar a gloriosa luz que queima no seu interior, tão almejada pela morte... ela só queira brincar e manipular o que você pensa, pois o espiritismo é o véu que cobre seus olhos. Dentro, abismalmente, é onde está a tão idolatrada quintessência, como um feto ainda recém-nascido, esperando seu despertar para destruir toda vergonha do seu passado! Somos loucos em nosso próprio entendimento, mas dormentes nessa agonia da realidade, somente nós podemos nos afogar nos sonhos do destino para que da morte reavivemos. Estes são os meus sinais do amor: eles se parecem muito com as linhas das minhas mãos, pois quando digo que estou preso a você, é porque estamos muito perto de alcançar a luz do favorecimento. Um presente da alma da ternura, onde lágrimas de ficção se tornam realidade, e com muitas vidas virando as páginas, eu vejo o dia prometido – você vai ver, você vai ver quando ela começar a se formar, quando começar a chamar pelo seu nome! Agora você pode ver, pois nós estamos envelhecendo juntos, mas tentados pelo cheiro do tempo, nós possuímos a injeção da eternidade, sabendo que valerá a pena quando todos os rostos tornarem-se pedra e sorrirmos para a face da morte.

terça-feira, 27 de abril de 2021

A Beleza do Fundo

    À beira do infinito e onde as estrelas nascem, uma silhueta negra se faz acima das nuvens de prata, anunciando sua chegada como um segundo sol nascendo no horizonte, escurecendo os prados do universo diante da mística luz que emana do seu interior. Traços tão obscuros, sua beleza repele as leis do tempo, com olhos faiscantes numa fantasia de gigantes luzes espectrais. Mas o que a move por dentro é o que move tudo ao seu redor, levando-a por uma escada dourada para o lugar onde você sempre quis alcançar, embora abaixo de si haja apenas um palco de sonhadores olhando para um sol estranho. Veja como as folhas descansam aos seus pés, você consegue sentir-se plena onde está? Consegue suportar a luz que queima na sua pele? Talvez você tenha se curvado antes do vento, quando deveria ter esperado tocar a melodia natural da vida. Agora nuvens raivosas te cercam e você nunca se sente segura no topo, pois os holofotes desapareceram, e todos sabem que sua ascensão foi construída por cima das ruínas do primeiro sol. No entanto, imagine que nós estejamos no meio de um tabuleiro de xadrez: quando uma rainha é sacrificada para capturar o rei, quem é que vence, quando o rei já antecipou sua morte? O caminho do rei poderia está incompleto, mas antes da sua última jogada, ele para de fugir e se aproxima de quem o atacou, pois sabe que mantendo os seus vivos é que lhe dará uma chance de xeque-mate. Em outras palavras, você não pode ocupar uma casa que não foi conquistada pela sua consciência, pois assim como um rio corre fácil quando os vales estão dormindo, a clareza de um rastro solitário na areia poderá guiá-lo novamente até o oceano. Grande mistério, porém extrema conclusão, de que o luar esconde a rima em dias longínquos de outrora, quando as falsas miragens ainda escondiam a face da morte! Em esferas distantes do destino, todas as noites tranquilas se tornam um peso em seus ombros, pois você nunca esquecerá de todo seu esforço para sair das trevas ao infinito de luz, onde os sonhos estavam mais próximos da realidade e você não precisava sangrar para conquistar uma memória viva. Um olhar pungente de profunda tristeza, vestindo-se com um veludo de culpas e ignorando a verdade que sempre parava para ouvir num impasse de sentimentos que aliviavam sua dor e arrependimento. A força motriz dentro de você não se deixou levar pela esperança, mas pela rebeldia do amor, que nasce do egoísmo e da vaidade. Pois de que vale se vestir da imagem mais bonita, quando quem está ao seu lado está feio e moribundo? Você esqueceu que quem te acompanha é seu maior reflexo? O orgulho vem sempre antes da queda, um caminho em círculos que nunca nos permite fugir do que mais tememos. Para que sejamos felizes e sua auréola brilhe com o esplendor da quintessência, você não pode destruir o que te forma, pois tudo o que faz parte de mim também faz parte de você. Destruindo-me, você se apaga, pois a prova da paciência é o que guarda nosso eterno amanhecer. A essência da vida sempre nos levará em um fascinante encontro com a beleza do nosso interior, um perfume ardente em nossos espíritos vivendo a pureza do que sentimos, onde cada beijo estremece o silêncio e todo equilíbrio da vida. À beira do abismo e onde as estrelas morrem, a camuflagem deve ser rasgada, e os quatro elementos que te formam preservados como as engrenagens de um relógio transcendente, pois os pensamentos que nos habitam devem nos manter unidos como uma melodia em uníssono, como a música divina que nossas vontades expressam e nossas almas cantam durante as noites eternas.

Cronologia