quinta-feira, 1 de outubro de 2020
A Grande Recompensa – Versão Sombria
Desde
o primeiro momento em que nos conhecemos eu soube que isso era para acontecer. Todos
os meus instintos me diziam que eu estava certo e que nossa união era prevista
a ganhar, mas logo nós fomos envolvidos em uma dança decadente que, sem que
notássemos, nos fizera cuspir a xícara do amor muito rápido. Nas amigáveis e mal
conhecidas trevas que pareciam não ter fim, eu fugia do profundo e desconhecido
lago da sua mente, pois eu sentia que o tempo todo estava ao lado de uma conhecida, porquanto mais eu olhava para sua fotografia, mais eu conseguia
reconhecer quem você era, como se você fosse um espectro que passava por mim,
mas que eu sempre conseguia tocar, enchendo-me com a sensação de que eu era mais
do que uma vítima na sua estrada. Por um conjunto de circunstâncias, quanto
mais você se escondia de mim, menos as sombras te cobriam, até que eu visse
mais do que uma forma nebulosa ao meu lado. Ainda assim, nas inumeráveis vezes
que eu desisti de tudo, você não colocou suas rodas na linha da frente e nem me
trouxe de volta para enxergar: você nunca esteve ali comigo, embora eu pudesse
te ver. Se sua velocidade fosse maior do que meus passos, eu chegaria a tempo
para ver tudo o que estava deixando para trás? Por que você... minha melancólica
negritude, se eu tivesse pego o mundo numa garrafa com milhões de sonhos para
me satisfazer, ainda seria suficiente comparado a todo barulho que você faz, onde
minha calmaria se refaz de um modo que eu possa voltar a me sentir morto, pois
com você tudo é tão triste e vazio, parecendo que cada estrada que eu andei
estava apenas me desviando do seu encontro. Eu odeio como você faz tudo parecer
mais desinteressante, seu jeito sonolento de me dispensar quando estamos
pegando no sono ou quando você fecha seus grandes olhos e eles escurecem como
um espelho quebrado, uma treva que reflete não somente sua falta de interesse,
mas também as suas mentiras, falsidades e manipulações. Hoje eu posso dizer que
estava certo quando desconfiei do nosso destino, pois mesmo que fosse para
acontecer, o que aconteceu até agora foi a pior de todas as minhas experiências
– nossas vidas conscientes são sempre mais perspicazes quando não cobramos pelo
que somos: você nunca me permitiu ser quem eu sou, e juntos nós trabalhamos
nessa sombria costura para abrir todos os nossos desvios, enganos e
imperfeições. Há em você uma sonoridade interna que enfurece os sons que ecoam
na minha cabeça, como se sua voz tivesse sido criada para tampar meus ouvidos,
assim como seu corpo possui as silhuetas da escuridão que foram formadas para
serem torturadas pelos meus dedos. No mundo do ódio que eu não conhecia, você
me fez retroceder e me confundir com coisas que pareciam explicáveis e até possíveis de se sentir, mas o que estava adormecido dentro de mim desfaleceu como
uma velha morte, o novo homem e a nova pele foram deixados para trás, e agora eu não
posso ser nada daquilo que me tornei desde que você entrou na minha vida. Estas
palavras não soam estranhas para você? Eu não sou seu efêmero reflexo, e tudo
que está acontecendo com você, não acontece comigo, quando você melhora, eu pioro,
quando você sorri, eu estou sério, quando nada parece está dando certo para você, minha vida anda pra frente, quando você está chorando por fora, eu estou rindo por dentro, quando você sente que a felicidade vai
rasgar seu peito, eu nunca estive tão infeliz. Eu te odeio mais do que a própria
morte – quando nós dançamos, os anjos se aglomeram e nos cobrem com suas asas, pois eles
sabem que nosso amor é alimentado pela mentira. Mesmo que o sol se incline a
brilhar ou a lua apareça em vulneráveis nuvens de uma chuva torrencial, eu não
estarei tirando minha camisa para você vestir, nem sorrindo com cara de idiota e
dizendo que a vida era uma música com acordes até o dia em que você a
transformou em uma cruel melodia.
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