sábado, 25 de janeiro de 2020

O Suplício das Almas

    Quando as nuvens do céu param de vagar é possível ver um apetite se alimentando das estrelas, ligando ligeiramente a luz do mundo, para me iluminar diante do cosmos. Seus olhos me encaram calmamente, rasgando vertentes da galáxia como um rastro de relâmpago vagando pelo universo. Desbotando a luz das estrelas, eu sou desvanecido pela sua presença, enquanto seu amor me preenche por inteiro. Eu aperto os dentes mais forte do que minhas mandíbulas aguentam, sentindo o sabor do sangue escorrendo, deslizando quente por minha pele com uma cor desconhecida – é um sabor doce, um cheiro agradável, um rio branco que serpenteia pelo meu corpo. Estou sentindo, quente e brilhante, os pensamentos chegando, pois a voz do divino é ouvida pelo espírito. Uma grande energia me arrebata, fazendo meus braços e pernas dançarem involuntariamente, os dedos do oculto me movem sob a presença do sobrenatural. Deus está aqui, e nem com todas as palavras do mundo eu poderia descrevê-lo, pois a única centelha de entendimento é a do autoconhecimento. O silêncio permanece como uma sombra fiel, seus olhos vagando como um suporte de aquecimento, flutuando pelo rio sombreado da minha carne, embora seu alvo seja outro coração. Sem nenhum gesto, eu caio em sono profundo e meu espírito é puxado por mãos invisíveis. Já não mais eu, mas o espírito que habita em mim, e este espírito é deus. Estou sendo levado até um lugar distante, ainda sobre a terra, para assistir a trajetória de uma garota fora do espaço e do tempo. Como um pedaço de metal pontiagudo furando sua inocência, ela conhece o amor, mas este logo é esmagado pelo elo paterno. Procurando pelo amor fora de casa, tudo que ela encontra são traições e prisões familiares, pois a humilhação que a cerca é sua única armadura. Beijos sem sabor, olhares sem vida, toques frios como a morte, quem poderia imaginar que atrás da sua pele escura existia um ser indiferente nascendo, e sua risada diabólica era ouvida à distância. Para se distrair das vozes na sua cabeça, foram necessários muitos alucinógenos, mas nem a morte era capaz de assassinar aquele ser obscurial! Sucumbindo como uma maçã podre, ela permitia que o amor a mordesse, envenenando-o com sua própria personalidade suja, pois atrás das cortinas ela descontava seu ódio em homens incautos, e entre estes homens estava eu. A cada vítima seu demônio interior crescia, dominante e repugnante, esculpindo uma nova forma que se enraizava nas suas veias como galhos tentando atravessar uma pedra. Não demorou muito para que meu eu inferior a abandonasse, pois a mentira era seu prazer, e sua voz doce era como o cântico de um anjo caído. Nos dias seguintes, eu fui consolado por mulheres estrangeiras, mas nenhuma poderia preencher o buraco que você cavou, sangrando com suas memórias ilusórias, enquanto eu vomitava toda escuridão transmitida pelo seu falso amor. A mão da morte pesava como mundos inteiros enfileirados, puxando-me por uma corrente sinistra para o inferno, porém a depressão nunca mais foi párea contra meu eu superior: aquele que decidiria te salvar do suplício eterno, pois assustada como um infeliz, você me avistou voando no céu, mas estava vendo deus. A alma que assassinaria seu demônio interno, que atravessaria seu corpo para limpar sua escuridão, estava ali, dando-lhe outra chance de recomeçar. Mas não seria fácil matar um ser que foi alimentando durante anos, que criou raízes profundas na sua alma. Portanto, as asas que viu são asas de emancipação, pois só evoluindo é que se desperta a essência superior. Se realmente sou tua alma gêmea, então terás que ser infinita como uma flor de lótus, ascendente como o sol, verdadeira como a luz que transcende o mundo. Agora que sabes de onde vem e a quem pertence esta luz, vende os teus sonhos para as estrelas, até que as folhas se tornem vermelhas, por que sempre que curvar a cabeça para o lado, verás uma sombra te encarando, esperando pela oportunidade de resgatar o que lhe foi dado por direito.

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